Entrevista a Inês Gonçalves

Prótese vascular inteligente vai "evitar muitas mortes", diz investigadora portuguesa

19 abr, 2023 - 20:26 • Pedro Mesquita

Cientista portuguesa do i3S coordena equipa de investigação europeia para criar uma prótese vascular inteligente.

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Prótese vascular inteligente vai "evitar muitas mortes", diz investigadora portuguesa
Ouça aqui a entrevista a Inês Gonçalves

Um consórcio europeu, liderado por uma equipa portuguesa do i3S, está a desenvolver próteses vasculares inteligentes. Espera-se que sejam capazes, via wireless, de alertar o médico para o risco iminente de eventuais falhas do dispositivo.

A ideia do projeto "Blood2Power" é permitir uma intervenção clinica precoce e, com isso, evitar, a ocorrência de um novo acidente cardiovascular - um enfarte, por exemplo - cujas consequências são muitas vezes fatais.

A investigação liderada por Inês Gonçalves, do i3S, reúne outros parceiros portugueses, do Instituto de Física dos Materiais da universidade do Porto, mas também cientistas espanhóis da Universidade de Navarra e austríacos, da Universidade Médica de Viena.

O projeto acaba de receber um financiamento de quase três milhões de euros, atribuído pelo Conselho Europeu de Inovação, no âmbito do programa Horizonte Europa.

Em entrevista à Renascença, a investigadora Inês Gonçalves não tem dúvidas que vai ser possível "evitar muitas mortes, colocando este dispositivo no mercado".

O que são próteses inteligentes para prevenir acidentes cardiovasculares?

As próteses vasculares são utilizadas para substituir vasos sanguíneos. Já existem. Só que essas próteses nem sempre têm uma boa performance e acabam por falhar, porque há a formação de um coágulo e volta a ocluir a prótese.

Sem que ninguém dê por disso...

Sem que ninguém dê por isso. Ou seja, no fundo só se consegue detetar que essas próteses falharam quando o paciente tem um novo enfarte, ou tem uma embolia na perna, quando, no fundo, já aconteceu esse novo evento.

Daí a importância das próteses inteligentes, presumo que consigam detetar.

Exatamente. Estamos a desenvolver uma prótese vascular inteligente que tem capacidade de gerar energia e de, ao mesmo tempo, monitorizar o seu desempenho. Ou seja, quando vai a falhar, a energia que gerou será utilizada para enviar um alerta ao médico via wireless, sem fios, para que o médico consiga atuar antes de haver oclusão total da prótese, consiga evitar que o paciente tenha um novo evento vascular, por exemplo um novo enfarte.

Tem, portanto, uma ação preventiva.

Exatamente.

Quando é que as próteses inteligentes poderão ficar disponíveis?

Este projeto vai durar cerca de três anos e a ideia é que consigamos desenvolver um primeiro protótipo deste e dispositivo, desta prótese vascular inteligente, e que validemos a sua eficiência em ovelhas. Só quando estiver validado é que poderemos concorrer a outro tipo de financiamentos que nos permitam fazer os estudos em humanos. Normalmente, o desenvolvimento deste tipo de dispositivos médicos demora cerca de 10 anos até chegarem ao mercado e estarem totalmente disponíveis.

Morrem por ano, em todo o mundo, quase 17 milhões de pessoas com doenças cardiovasculares. A ser um sucesso, esta investigação poderá ajudar a diminuir muito a mortalidade?

Poderá, sim. Cerca de 50% das próteses vasculares, que são atualmente usadas em cirurgia do bypass, falham. Na maior parte desses casos, os pacientes acabam por falecer. Nós não vamos conseguir salvar 50% desse número que falou, porque nós só vamos atuar já depois de haver uma prótese colocada, e nem sempre é possível colocar a prótese, mas temos a certeza de que vamos conseguir evitar muitas mortes associadas, colocando este dispositivo no mercado.

Como é que uma investigadora portuguesa chega à liderança de um consórcio europeu com parceiros de Espanha ou Áustria? Como é que se consegue garantir três milhões de euros, de fundos europeus, para esta investigação?

Este projeto vem um bocadinho na continuação do primeiro projeto que nós já tivemos aqui, e que foi financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia. Estávamos a desenvolver próprios vasculares, só que não eram estas, inteligentes. Ora, no âmbito desse primeiro projeto, eu tive uma aluna de doutoramento que, durante o “pós-doc", quis impulsionar a área da geração de energia para dispositivos cardiovasculares. No fundo, nós já tínhamos um consórcio com todo o potencial para funcionar bem, com quem estamos habituados a trabalhar e em quem confiamos muito...em termos científicos e na metodologia de trabalho.

Mas como é que a Inês surge a liderar este consórcio? Fala-se muito da fuga de cérebros para outros países e a Inês lidera este consórcio, a partir do Porto.

Sim, lideramos a partir do Porto. Temos estes parceiros colocados em sítios estratégicos e com valências estratégicas para o projeto. A ideia é, no fundo, dar melhores condições aos investigadores que nós já temos connosco, por exemplo, a Andreia Pereira.

Nós vamos utilizar o financiamento deste projeto para conseguirmos fazer um pequeno aumento no salário dela, precisamente para conseguirmos mantê-la cá em Portugal. Ao mesmo tempo, vamos contratar outros doutorados, para conseguirmos ter aqui uma massa crítica. E para podermos formar, depois, outras pessoas especializadas nesta área dos dispositivos inteligentes.

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