14 abr, 2023 - 06:00 • João Carlos Malta
A Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) recebeu, em 2022, 160 queixas de assédio sexual e moral. O número representa um crescimento de 166% em relação a 2019 , altura em que a associação recebeu 60 denúncias.
“Não podemos dizer que o número de casos é maior, o que podemos afirmar é que o número de pessoas que procuram apoio junto da APAV em questões de índole sexual e de índole moral é maior”, diz Marta Mendes, jurista e responsável pelo apoio à vítima na APAV de Braga.
No total das pessoas que recorrem àquela instituição, metade acaba por não apresentar queixa às autoridades . Portanto, muitos destes casos não são registados de forma oficial.
"Temos de respeitar a palavra da vítima e a vontade dela, protegendo-a quando e sempre que necessário. A APAV rvai com ela trabalhando e apoiando-a emocionalmente, psicologicamente, juridicamente, encaminhando socialmente, neste apoio prático, no sentido de perceber os seus direitos, sobretudo nesta temática específica do assédio no trabalho”, detalha a jurista.
O tema do assédio voltou a ter um grande impacto mediático na sequência do caso que envolve o sociólogo Boaventura Sousa Santos e outro professor do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra.
"[Crescimento do número de denúncias pode] estar muito relacionado com o aumento da visibilidade deste fenómeno ao longo dos tempos”, Marta Mendes, jurista da APAV.
As agora ex-alunas do CES alegam terem sido vítimas de assédio sexual e moral. As investigadoras, uma portuguesa e duas estrangeiras, relatam através da obra os episódios vividos, desde toques nos joelhos a convites como troca de ajuda académica.
O artigo do livro acusa também a instituição de silenciamento e cumplicidade.
O sociólogo e professor catedrático é um dos visad(...)
O número das queixas tem apresentado, nos últimos quatro anos, uma tendência de crescimento permanente . Se em 2019, foram 60, no ano seguinte aumentou quase para o dobro, num total de 111.
Um ano depois, em 2021, já foram 127 denúncias. Os últimos dados, relativos a 2022, apontam para 160 queixas.
Para justificar este crescimento, Marta Mendes acredita que pode “estar muito relacionado com o aumento da visibilidade deste fenómeno ao longo dos tempos ”.
A mesma responsável da APAV sublinha que o número de casos reais pode ser exponencialmente maior , uma vez que vários estudos apontam para que apenas uma pequena parte das vítimas de abusos tem o apoio de que necessita.
“Todos nós temos esta missão de validar o estatuto de vítima e dizer que há solução , que há apoio”, afirma Marta Mendes.
Diretor emérito do CES da Universidade de Coimbra (...)
Não existem dados específicos sobre o perfil das vítimas deste tipo de crime, mas a APAV afirma que 77,7% das pessoas que recorrem à associação são mulheres.
Os números que a APAV apresenta, explica fonte da associação, referem-se às pessoas que pedem ajuda no âmbito do assédio moral e sexual.
A mesma diz que o apoio prestado pela associação pode ser de cariz jurídico no caso de a vítima querer avançar judicialmente.
"[A lei protege e vítima] de forma muito limitada", Marta Mendes, jurista da APAV.
Pode ser psicológica se quem contata a associação quer tratar as sequelas com que ficou do abuso, e pode conter também uma dimensão de apoio social.
Em relação à forma como o sistema judicial protege a vítima, Marta Mendes diz que tem sido percorrido um longo caminho e que, muitas vezes, o problema é que quem sofre este tipo de abuso “ não saber o que tem de fazer ” e “e como deve sinalizar a sua situação, reportar e denunciar”.
Bruno Sena Martins, um dos acusados de usar o seu (...)
Questionada sobre se a lei protege a vítima, a jurista da APAV diz que a atual redação o faz “de forma muito limitada”.
A mesma diz que é necessário criar no Código Penal a figura jurídica do assédio e importunação sexual. Isto para dar um sinal à sociedade de tolerância zero relativamente a estas matérias e “respeitar a palavra da vítima e protegendo sempre que necessário”.
Por fim, Marta Mendes dá alguns conselhos às vítimas de assédio sexual e assédio moral. Em primeiro, a vítima reconhecer que o problema pelo qual está a passar é sério , depois “manifestar claramente ao agressor o desagrado naquela conduta e a recusa daquela conduta”.
A vítima deve partilhar com alguém da sua estrita confiança como “familiares, amigos ou colegas de trabalho que o problema a está a afetar “. E sempre que possível proceder ao registo dos incidentes ocorridos para que se saiba quando e onde aconteceram, o que foi dito e o que foi feito. Deve ainda descrever como se sentiu.
Marta Mendes sugere ainda que a vítima anote "o nome das pessoas que estavam ali envolvidas e que podem ser potenciais testemunhas, e peça endereços dessas pessoas que podem estar dispostas a apoiá-la numa eventual queixa”.
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As provas escritas (cartas, emails), caso existam, devem sempre ser preservadas . “São importantíssimas”, diz.
A seguir, a vítima deve perceber como pode reportar hierarquicamente, e a nível laboral, “e contatar a APAV para conhecer melhor os seus direitos”.
A APAV descreve a violência sexual “ um ato sexual indesejado ou uma tentativa de ato sexual indesejada ”, mas também “ um comentário, um contacto ou uma interação de natureza sexual indesejados , ou a sua tentativa”.
“Estes atos são praticados por uma ou mais pessoas contra outra – a vítima – sem a vontade desta”, escreve na sua página na internet.
O assédio tem várias formas entre as quais toques íntimos não desejados (ex.º beijar, apalpar), comentários ou piadas de carácter sexual que causem à vítima desconforto ou receio (“piropos ”); toques indesejados nos órgãos sexuais , ser forçado/a tocar nos órgãos sexuais de outra pessoa; ser penetrado/a por via oral, vaginal ou anal por pénis, por outras partes do corpo (ex.º dedos) ou objetos, ou ser obrigado/a a fazer isto com outra pessoa; ser obrigado/a a assistir ou a participar em filmes, fotografias ou outros espetáculos de caráter pornográfico (ex.º filmagens, enviar “nudes”); forçar alguém a prostituir-se ; e o grooming online , um processo de manipulação onde uma pessoa inicia uma conversa com abordagem não-sexual, aparentemente positiva, junto da criança ou jovem.
O objetivo do gabinete é ajudar as vítimas a lidar(...)
O assédio moral define-se como ataques verbais (de conteúdo ofensivo e/ou humilhante) e/ou atos mais subtis, podendo abranger a violência física e/ou psicológica, com o objetivo de diminuir a autoestima da vítima e, em última análise, a sua desvinculação ao posto de trabalho (p. ex.: o isolamento social, a perseguição profissional, a intimidação e a humilhação pessoal).
Em Portugal, está proibida a prática de assédio, sendo uma contraordenação muito grave , sem prejuízo da eventual responsabilidade penal prevista nos termos da lei (art. 29.º, do Código do Trabalho). Ademais, a prática de assédio confere à vítima o direito de indemnização .
Nota: De 2019 para 2020, a APAV alterou a forma de contabilizar estes crimes. A comparação feita neste artigo é com base nesses dois critérios usados.