30 jan, 2022 - 19:00 • João Malheiro
A lei sobre a morte medicamente assistida foi vetada, por uma terceira vez, depois do mais recente diploma ter recebido parecer negativo do Tribunal Constitucional.
Após o pedido de fiscalização preventiva feito pelo Presidente da República sobre a proposta de lei da eutanásia, a decisão de inconstitucionalidade foi tomada por maioria, de sete juízes contra seis.
Este é o mais recente capítulo num debate que se prolonga em Portugal há quase três décadas. O processo legislativo já foi aprovado e chumbado várias vezes e, por três vezes, um diploma chegou à secretária de Marcelo Rebelo de Sousa, mas voltou para trás.
Antes de chegarmos ao debate parlamentar, a morte medicamente assistida já era discutida pela sociedade civil. O primeiro país a despenalizar a Eutanásia foram os Países Baixos, em 2002, contudo já em 1995 o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida dava um parecer negativo. Na época, considerava que tal decisão seria uma "quebra de confiança que o doente tem no médico" e um risco para "uma liberalização incontrolável de licença para matar". Uma posição negativa que, entretanto, o Conselho sempre manteve.
O Bloco de Esquerda assumiu o tema, mas foi a Associação Portuguesa de Bioética, em 2010, a trazer a discussão para o foco do Parlamento. Na altura, apelou que se legalizasse o testamento vital - um documento no qual é manifestada, antecipadamente, a vontade consciente, livre e esclarecida de um utente, sobre quais os cuidados de saúde que deseja receber ou não, por qualquer razão, caso não seja capaz de expressar a sua vontade pessoal e autonomamente. O porta-voz da associação, à época Rui Nunes, evitou que este conceito, entretanto aprovado, fosse associado à morte medicamente assistida e pediu que essa discussão fosse feita noutro momento.
O debate demorou cinco anos a voltar a surgir. Desta vez, foi o movimento Direito a Morrer com Dignidade a promover um manifesto assinado por figuras como João Semedo, Boaventura de Sousa Santos, Paula Teixeira da Cruz, Alexandre Quintanilha e Rui Rio - que iria votar de forma favorável o diploma, mais tarde, enquanto deputado e líder da Oposição - a pedir a despenalização da morte medicamente assistida.
A Assembleia da República recebeu, em abril de 2015, uma petição, nesse sentido, com mais de oito mil assinaturas, mas ainda demoraria alguns anos antes dos deputados poderem votar sobre a matéria.
Em 2016, o Bloco de Esquerda elaborou um relatório sobre a iniciativa e o documento foi aprovado por unanimidade em comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. O debate sobre a matéria ficou projetado para 2017. Nesse mesmo ano, a Federação Portuguesa Pela Vida entregou uma petição contra a criação de uma Lei da Eutanásia.
O tema foi sendo discutido em espaço público e mediático, em espaços, e teve de se esperar por 29 de maio de 2018 para que se desse uma votação derradeira da despenalização da morte medicamente assistida, durante a legislatura da Gerigonça. O resultado foi o chumbo dos quatro projetos de lei, apresentados por PS, BE, PAN e PEV, respetivamente. O diploma socialista ficou a cinco votos de passar, contando com 110 votos a favor e 115 contra, tendo havido ainda quatro abstenções.
A promessa feita, ainda nesse dia, por parte dos partidos favoráveis à aprovação da lei foi a de voltar ao debate na legislatura seguinte, após as eleições de 2019.
Entrevista
A presidente do Conselho Nacional de Ética para as(...)
As eleições legislativas de 2019 trouxeram uma composição parlamentar mais favorável ao diploma da morte medicamente assistida. CDS e Chega ainda tentam defender a ideia de um referendo, mas os partidos à esquerda acabam por se impor e anular essa possibilidade.
Inicia-se, então, novo processo legislativo que dá o seu primeiro grande passo em fevereiro de 2020, com a aprovação na generalidade de cinco diplomas, apresentados por PS, BE, PAN e PEV, como anteriormente, e da estreante IL, respetivamente. Quase um ano depois, a 29 de janeiro de 2021, o projeto de lei da morte medicamente assistida recebe 136 votos favoráveis, 78 contra e quatro abstenções, em votação final global.
Marcelo Rebelo de Sousa recebe e analisa o documento, ficando com dúvidas e pedindo, assim, um parecer ao Tribunal Constitucional. O veredito é conhecido a 15 de março: Um chumbo constitucional, numa votação de sete contra cinco. Em consequência, o Presidente da República veta a lei.
Os partidos desdramatizam o chumbo do Tribunal Constitucional e prometem corrigir as questões levantadas, na altura. Nesse mesmo ano, a 5 de novembro, com uma crise política que colocaria o fim da legislatura à vista, a Assembleia da República voltou a aprovar o diploma da Eutanásia e desta vez com 138 votos a favor, 84 contra e cinco abstenções.
Nesse mesmo mês, Marcelo Rebelo de Sousa volta a decidir sobre o diploma. Desta vez, não pede parecer ao TC, mas veta a lei por uma segunda vez. O Presidente da República solicitava que fosse clarificado "o que parecem ser contradições no diploma quanto a uma das causas do recurso à morte medicamente assistida".
Com as eleições antecipadas de 2022, o debate da morte medicamente assistida teria de prosseguir para uma terceira legislatura consecutiva.
Texto de substituição dos projetos de lei sobre a (...)
A atual composição parlamentar mantém o apoio maioritário à Eutanásia e os partidos favoráveis voltaram ao trabalho legislativo. A 9 de junho deste ano, quatro projetos de lei de PS, BE, IL e PAN, foram aprovados.
O Parlamento voltou a aprovar a despenalização da eutanásia a 9 de dezembro de 2022, perante críticas de vários setores.
O novo diploma deixou cair a exigência de "doença fatal" e alargou o âmbito da morte medicamente assistida. Estabelecia que a “morte medicamente assistida não punível” ocorre “por decisão da própria pessoa, maior, cuja vontade seja atual e reiterada, séria, livre e esclarecida, em situação de sofrimento de grande intensidade, com lesão definitiva de gravidade extrema ou doença grave e incurável, quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde”.
Esta segunda-feira, os juízes do Tribunal Constitucional consideraram que "foi criada uma intolerável indefinição quanto ao exato âmbito de aplicação da nova lei”. Entretanto, o Presidente da República já devolveu o diploma ao Parlamento.
O debate da Eutanásia dura há mais de 25 anos e há três legislaturas, em Portugal. O tema promete continuar a ser um grande foco de debate, em 2023, e, ao contrário do que se costuma dizer, à terceira não foi de vez.
Os juízes consideram que "foi criada uma intoleráv(...)