Como cidadãos temos de "estar atentos"
Daniel Cotrim defende que, como cidadãos e sendo a violência um crime público, temos de estar atentos e de "deixar de contar até dez".
"Se 'o barulho' parar no oito, ficamos alegadamente tranquilos. Digo, alegadamente porque acho que ninguém fica. Se a coisa passa de dez e vai para o onze, aí as pessoas ficam mais aflitas. E o que devem fazer é contactar o 112. Podem fazê-lo de forma anónima", sugere. Mesmo em situações em que não se verifiquem consequências imediatas, é importante o registo destas ocorrências, nomeadamente da deslocação do agente a determinada residência.
"Enquanto cidadãos e cidadãs temos de estar atentos, perceber que a violência doméstica diz respeito a todos nós, que pode não acontecer connosco
diretamente, mas acontece com outros que podem ser nossos colegas de trabalho,
familiares, amigos. Estamos a falar de um
crime público, temos o dever moral de denunciar".
A violência contra as mulheres não é só conjugal
Apesar de a violência conjugal ser alvo de maior foco e que, como começamos por dizer, 56% dos femicídios ocorrerem pelas "mãos" de companheiros ou familiares, as mulheres são alvo de todos os tipos de violência. Por isso, o dia 25 de novembro assinala o Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres.
A violência contra as mulheres assume várias formas e é um fenómeno complexo, que atravessa classes sociais, idades e regiões.
"Também existem [outras formas], são é menos faladas porque são menos denunciadas", sugere Daniel Cotrim, relembrando que também "o assédio sexual, a importunação sexual" são formas de violência, além "da violação, que é um crime
pouquíssimo reportado em Portugal".
Contudo, tanto em relação à violência doméstica como à violação, defende que "não podemos dizer que se não
existem denuncias, é porque não acontecem", uma vez que "é pouco denunciado pelas vítimas". No caso do assédio, "muitas vezes, por se encontrarem numa situação de precariedade do ponto de vista de emprego, não denunciam também este tipo de situações".
Outro dos problemas destacados pelo psicólogo é a forma como a violência contra as mulheres acaba por ser "naturalizada", como é o caso da importunação sexual que, como explica, "muitas vezes
confundimos com assédio – na rua, nos
transportes públicos, nos locais de trabalho, nas universidades…
está naturalizada e é quase que aceite".
Vítimas da dúvida
Medo das consequências e dos agressores, culpa e desconfiança são alguns dos motivos que levam várias mulheres a não denunciar situações de violência ou assédio. Muitas vezes a palavra da vítima é posta em causa.
"Infelizmente, é um fenómeno de sempre. A expressão ‘vítima’ é uma
expressão muito moderna no contexto legal dos países”, destaca Daniel Cotrim, recordando que se utilizava a expressão “testemunha” ou “ofendida/o”.
“A vítima, aquele a quem acontece a infração criminal,
foi sempre desacreditado.
E quando se trata de crimes que estão relacionados
com a intimidade das pessoas, que acontecem num determinado contexto que não é
público, é muito mais fácil tentar desacreditar a vítima”, refere, relembrando, contudo, que na Europa, o número de falsas denuncias é muito baixo.
"Vivemos num país, numa Europa, queiramos quer não, em que a desigualdade de género é profundamente estrutural. Faz parte da estrutura social dos países. O discurso machista, patriarcal, misógino faz parte do discurso dos países", acrescenta.