Turismo recupera, mas ainda está em convalescença

07 ago, 2022 - 19:18 • Ana Carrilho

A atividade turística anima a economia portuguesa. Há regiões que já bateram os recordes de 2019, mas outras estão bem longe. Há assimetrias e não se pode ter um discurso esquizofrénico, diz em entrevista à Renascença Alexandre Marto Pereira, CEO do Fatima Hotels Group.

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“Há uma recuperação claríssima (do turismo) que acho que surpreendeu toda a gente, mas nestes dois anos de pandemia, as empresas ficaram descapitalizadas, enfrentaram enormes dificuldades e algumas não sobreviveram. Às vezes parece que as pessoas têm um discurso um pouco esquizofrénico: há meia dúzia de meses gritavam por socorro e pouco depois da pandemia ter desaparecido, parece que estão com uma atividade extremamente exuberante e positiva. A recuperação é extremamente recente e heterogénea, não tem os mesmos níveis de operação em todo o país”, frisa Alexandre Marto Pereira que também é vice-presidente da AHP – Associação da Hotelaria de Portugal.

A AHETA – Associação de Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve -anunciou que a ocupação hoteleira de julho na região já ultrapassou a do mesmo mês de 2019, que foi o melhor ano turístico nacional.

Também o Norte, os Açores e a Madeira conseguiram os melhores resultados de sempre. “A Madeira é um caso de sucesso extraordinário, geriram a pandemia extremamente bem na relação com os diversos mercados. No meio desta pressão toda é o destino que está claramente a recuperar de forma saudável, com mais turistas portugueses e estrangeiros, diversificando os mercados emissores (nomeadamente, checo e polaco), subindo os preços médios e o número de noites. Os madeirenses estão de parabéns”, diz Alexandre Marto Pereira.

Para Fátima a recuperação está a ser lenta

Não é o que se passa em Fátima, o destino nacional que mais sofreu com a pandemia e os confinamentos. Cerca de 70% dos hóspedes que a hotelaria da cidade recebe são estrangeiros e boa parte, de países longínquos. Muitos deles ainda não retomaram plenamente as ligações aéreas.

Segundo os últimos dados do INE, em maio, o número de noites nacionais subiu 18%, “o que é muito positivo, significa que os portugueses já estão a ficar em Fátima, o que antes acontecia menos. Mas as dormidas dos não residentes ainda estão 47% abaixo dos valores do mesmo mês em 2019. Em junho os números já deverão ser melhores, mas é tudo mais lento”, refere o CEO do Fatima Hotels Group, que agrega uma dezena de hotéis independentes da cidade do concelho de Ourém.

Nos anos anteriores à pandemia, cresceu fortemente o número de visitantes asiáticos ao santuário mariano. Só da Coreia do Sul chegavam cerca de 100 mil pessoas/ano. Este ano Alexandre Marto Pereira aponta para cerca de 10 mil coreanos em Fátima. Ou seja, ainda há uma quebra na ordem dos 90%.

“Os mercados asiáticos ainda não recuperaram. Por outro lado, embora já estejam em fase de relançamento, ainda há relativamente poucas viagens de grupos, de caracter religioso ou cultural porque é preciso salvaguardar todas as condições de segurança, incluindo sanitária”.

O cancelamento ou alteração de voos em diversos aeroportos mundiais já levou também a que alguns grupos desistissem da viagem a Portugal.

Uma terceira condicionante para a recuperação de Fátima relaciona-se com o perfil do visitante-tipo: pessoas mais velhas, eventualmente já reformadas e para quem a decisão de viajar é mais lenta e ponderada, evitando riscos.

JMJ23 traz confiança

“Creio que 2023 vai ser um ano muito bom (se não houver alguma surpresa) mas 2022 não será ainda. Estou confiante em 2023 porque vai ter a Jornada Mundial da Juventude. É o maior evento de sempre organizado em Portugal, estamos a falar de cerca de 1,5 milhões de jovens, vai ser muito importante para Fátima e para o país. Não apenas pela Jornada, mas também pela presença do Papa. Vai deixar um lastro muito forte que terá efeitos em 2023, mas ainda mais nos anos seguintes”, diz Alexandre Marto Pereira com visível entusiasmo.

O hoteleiro lembra o que se tem passado na sequência das Jornadas Mundiais da Juventude, já realizadas em diversos países: “há uma percentagem relevantíssima de jovens que vai à Jornada, em ambiente de festa e ainda solteiros e que anos depois regressa, noutro registo, já com família, para redescobrir o país, noutro ritmo”.

O tempo diplomático é mais lento do que o das empresas

O setor do turismo em Portugal precisa de cerca de 45-50 mil pessoas e devido à falta de mão-de-obra, será necessário recorrer à imigração.

No fim de julho o governo aprovou legislação que vai facilitar a concessão de vistos de trabalho ou para procura de emprego, especialmente de cidadãos de países de língua portuguesa. Entretanto, está planeada uma missão empresarial a diversos PALOP´s em Outubro com o objetivo de agilizar o recrutamento.

Alexandre Marto Pereira não tem dúvidas que este devia ter sido um processo mais célere. “Avançou-se qualquer coisa, do ponto de vista simbólico, com este acordo com a CPLP. Mas acho que o tempo diplomático não é o tempo dos empresários e não sei até que ponto é que os consolados e a máquina diplomática portuguesa se conseguem identificar com esta necessidade económica, da hotelaria e outros setores”.

O hoteleiro diz compreender todos os cuidados necessários em relação à segurança, mas também sublinha que tudo isso foi acautelado neste acordo, que levou muito tempo a ser alcançado. E chama a atenção que, entretanto, a hotelaria – cumpridora da lei em vigor – se vê muitas vezes ultrapassada por oferta de mão de obra ilegal, que não usa, mas que é utilizada noutras atividades, penalizando os imigrantes com situação regularizada, as empresas cumpridoras e especialmente os que trabalham ilegalmente, sem quaisquer direitos. “Esta legislação pretende alterar essa realidade e espero que a máquina do Estado consiga pô-la em ação”.

Premiar comportamentos amigos do ambiente dá melhores resultados

Responder à crescente necessidade de sustentabilidade ambiental é outro dos desafios com que a hotelaria se confronta. Por enquanto, a maior parte das alternativas ecológicas implica custos acrescidos para os clientes. E a adesão é mais difícil. “Genericamente, as pessoas não estão preparadas para pagar”.

Por isso, no LUMEN Hotel, da United Hotels Portugal (que inclui este hotel em Lisboa e os dez do Fatima Hotels Group), a decisão foi a de premiar os hóspedes que optem por atitudes mais amigas do ambiente.

“No check-in perguntamos ao hóspede se quer ou não que se limpe o quarto diariamente. É muito mais do que a mudança das toalhas. Se aceitar, nós oferecemos-lhe 5 euros/noite e por quarto para gastar noutras áreas do hotel, como o bar ou restaurante E a adesão dos clientes é gigantesca. Cerca de um terço. O curioso é que boa parte das pessoas nem sequer usa o prémio. Fá-lo porque estão cada vez mais sensíveis a esta questão ambiental. Percebem que há poupança de recursos, água e energia e recebemos muitos elogios por esta prática”, diz Alexandre Marto Pereira.

Ainda assim, depende do perfil do cliente: se for um casal com filhos pequenos, é provável que tenha poucas condições para aceitar a oferta. Mas noutros casos, em que passam pouco tempo no quarto, é razoável, diz o hoteleiro.

Uma prática possível neste novo hotel da capital, muito focado no cliente norte-americano, que tem estadias médias de 4 dias. “Há quem opte pela limpeza dia sim, dia não ou nem isso”. Nos hotéis de Fátima, em que a estadia ronda 1,3-1,4 dias, não é viável.

Ainda assim, Alexandre Marto Pereira diz não ter dúvidas que este é um caminho que outras unidades vão fazer mais cedo ou mais tarde. “É uma solução de eficiência: o planeta ganha, o hotel e o hóspede também, não há nenhum inconveniente. Portanto, acho que é inevitável que outros hotéis importem este tipo de soluções que, aliás, já existem noutros países”.

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