Joel estava em "fila de espera" no IHRU há 16 anos. Agora pode ser despejado

09 jul, 2022 - 08:40 • Fábio Monteiro

Catorze famílias ocuparam casas vazias no bairro da Quinta do Griné, em Aveiro. Nos últimos meses, cinco foram despejadas. Parque habitacional é da responsabilidade do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU)

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Em dezembro de 2019, Joel Monteiro ocupou um apartamento no bairro da Quinta do Griné, em Aveiro, numa urbanização de habitação social gerida pelo Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU). A casa estava desabitada há 12 anos. E o homem de 38 anos, casado e com cinco filhos, precisava de um teto.

Joel morava há quase duas décadas, em conjunto com todo o seu agregado familiar, no quarto de uma casa. Além disso, estava inscrito no IHRU há 16 anos - sem sair da “lista de espera”. Desesperado, tomou a iniciativa de entrar no apartamento vazio. “Quantos anos é necessário estar na lista de espera para ter resposta?”, pergunta.

Nos últimos anos, pelo menos 14 famílias, a maioria das quais também inscritas do IHRU e em circunstâncias semelhantes às da família de Joel, tomaram a mesma iniciativa: ocuparam casas do IHRU, destinadas à habitação social e rendas apoiadas, que estavam abandonadas na Quinta do Griné, “A maioria das pessoas que entraram nas casas têm familiares no bairro. Nós somos agregados ao bairro, digamos assim, há muitos anos. Vivemos aqui perto, conhecemos as pessoas”, explica Joel Monteiro à Renascença.

Segundo o morador, algumas das famílias foram até parar ao bairro depois de a Segurança Social e Comissões de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) terem ameaçado retirar-lhes a tutela dos filhos, por falta de condições nos sítios em que viviam antes. “A maioria das pessoas não ocuparam por ocupar. Existe uma história, existe um contexto, o porquê de elas ocuparem”, lembra.

Durante o período da pandemia, com os despejos proibidos, as famílias “ocupas” não tiveram problemas de maior. Algumas conseguiram legalizar as suas despesas de eletricidade e água. Nos últimos meses, todavia, o IHRU tem vindo a levar a cabo – ao nível nacional - uma série de ações de despejo de casas do parque habitacional público ocupadas.

Em alguns casos, os agregados expulsos estavam e estão na lista de espera para receber habitação do IHRU há vários anos, conforme é o caso de Joel Monteiro. A denúncia deste tipo de situação foi feita à Renascença pela associação Habita!, a plataforma STOP DESPEJOS! e o movimento Habitação Hoje!.

De acordo com um relatório do INE, existiam em 2015 cerca de 800 ocupações em todo o país. Já em abril deste ano, só no parque habitacional de Lisboa gerido pela Gebalis, ficou-se a saber que existiam 800 ocupações. Ou seja, no espaço de sete anos, “o número nacional passou a ser exclusivo de Lisboa”, nota Bernardo Alves, representante do Movimento Habitação Hoje!, em declarações à Renascença.

Sempre à espera

Das 14 famílias do bairro da Quinta do Griné que ocuparam casas, cinco foram despejadas nos últimos meses; as portas e janelas das habitações foram emparedadas. Um dos agregados, com cinco filhos, um dos quais portador de deficiência, foi “obrigado”, dias depois de ter sido expulso, a regressar ao bairro, “a retirar os tijolos e entrar novamente na casa”, conta Joel.

Revoltado, o morador diz à Renascença: “Hoje, em Aveiro, não existe uma renda de 500 euros, para um T1. É 700, 800, é por aí. E quando existe uma renda de 600 euros exigem toda a documentação e depois ainda mais alguma. Não há possibilidade de arranjar qualquer tipo de solução”.

O homem de 38 anos trabalha, tem um salário parco, mas não se recusa a pagar uma renda. Até porque é algo que quer fazer. “Se nos dessem uma habitação com uma renda como eles chamam acessível, nós pagávamos essa renda. E nós já comunicamos isso. Nós não queremos estar aqui de graça, de borla, como muitos dizem. Nós queremos pagar uma renda. Se nos fosse atribuída uma, nós pagaríamos”, garante.

Uma das casas ocupadas no bairro estava fechada há 17 anos. “Não tinha canalização. Não tinha a parte elétrica, não tinha persianas. Chegou a ser casa dos toxicodependentes”, recorda Joel. O casal com três filhos que a ocupou estava à espera de resposta do IHRU “há quase 20 anos”.

Joel remata: “O homem do casal acabou por falecer na pandemia por cauda do vírus. Ou seja, morreu sem ter resposta do IHRU.”

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