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Pedrógão cinco anos depois. “Muitas das casas recuperadas nunca chegaram a ser habitadas”

17 jun, 2022 - 15:02 • João Carlos Malta (texto e fotos)

A presidente da Associação de Vítimas dos Incêndios de Pedrógão Grande, Dina Duarte, assume que há casas reconstruídas depois dos fogos de 2017 que permanecem vazias. Os muitos milhões que chegaram à região, defende, não tiveram tradução na vida das pessoas.

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Há várias casas que foram recuperadas na sequência da destruição provocada pelo incêndio de 17 de junho de 2017, na zona de Pedrógão Grande, que nunca chegaram a ser habitadas depois de serem reconstruídas com apoio de fundos públicos e privados.

“Algumas dessas casas foram abandonadas. Foram feitas, mas os seus proprietários faleceram ou foram para lares. Muitas das casas recuperadas nunca chegaram a ser habitadas. Estão fechadas”, reconhece, à Renascença, a presidente da Associação de Vítimas dos Incêndios de Pedrógão Grande, Dina Duarte.

Em resultado desta tragédia, perderam-se 491 casas, das quais 169 eram de primeira habitação, 205 de segunda habitação e 117 estavam em estado devoluto.

A mesma responsável tem um olhar negativo sobre a forma como os muitos milhões que foram investidos na recuperação da região no pós-17 de junho se repercutiram na criação de riqueza. Sublinha que não são visíveis no dia a dia das populações.

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"Algumas dessas casas foram abandonadas. Foram feitas, mas os seus proprietários faleceram ou foram para lares. Muitas das casas recuperadas nunca chegaram a ser habitadas", Dina Duarte.

É verdade que algum desse dinheiro foi aplicado no edificado destruído, mas não houve alguém que “pegasse no dinheiro e investisse na sua própria terra, para que ele ganhasse outra visibilidade”.

Muitos anúncios, poucas inaugurações

Houve muitas propostas e anúncios de investimentos logo após a tragédia, mas nada passou do papel para o terreno. “Não há investimento visível”, concretiza Dina.

Nada se concretizou. Porquê? Dina encontra uma explicação: “A quente tudo se faz, os empresários vieram com um objetivo e, ou eram acolhidos e criadas as condições para que tudo acontecesse de uma forma quase que instantânea, ou então…”

Dina pensa que os empresários são movidos por “uma solidariedade instantânea, têm emoção a fervilhar no sangue. Quando passa um mês dois meses, três meses…”

E depois aconteceu outubro de 2017, em que na região Centro morreram mais 50 pessoas em resultado de inúmeros incêndios. “A solidariedade dissipou-se”, lembra Dina.

A machada final deu-se com o escândalo na atribuição de fundos que está a ser dirimido em tribunal.

Na sequência destes casos, Dina acredita que “todos perdemos com a imagem que foi dada de Pedrógão”. “A imagem das vítimas, da tragédia, perdeu-se quando alguns se aproveitaram. Isso é negativo e fica na memória do português”, lamenta.

Na região, e quando casas de segunda habitação foram construídas de imediato, houve quem estivesse três anos à espera da reconstrução da casa em que morava e que fora destruída pelas chamas.

É o caso de Eva Fernandes, de 36 anos, que vive numa casa térrea junto à EN 236-1 (via em que perderam a vida 47 das 66 vítimas mortais do incêndio) com mais seis pessoas da família.

Ainda tentaram ficar na casa que ficou sem teto com o recurso a uma lona, mas a chuva encarregou-se de dizer que aquela não era a solução.

“Não aguentámos, porque conforme a água caía lá em cima da placa, caía depois nos móveis”, lembra.

Tiveram de ser alojados numa casa camarária de Castanheira de Pera durante os anos de recuperação da habitação. “Foi difícil, porque a nossa casa é a nossa casa. Lá também não tinha grandes condições para a gente estar”, defende.

Agora vivem numa casa melhor, com mais condições. Mas revolta-se que tenha de ter sido uma empresa de Aveiro a financiar a reconstrução da moradia, e que nem o Estado central nem a autarquia local os tenha ajudado.

Julgamento? “Não deveria ser só a arraia miúda”

Em tribunal, decorre agora o julgamento em que se estão a apurar responsabilidades sobre o que aconteceu há cinco anos, tanto na prevenção como no combate. Entre os 13 arguidos, estão o comandante dos Bombeiros Voluntários de Pedrógão Grande, Augusto Arnaut, responsável pelas operações de socorro, e dois funcionários da antiga EDP Distribuição (atual E-REDES), José Geria e Casimiro Pedro.

Há ainda três funcionários da Ascendi e os ex-presidentes das câmaras de Castanheira de Pera e Pedrógão Grande, Fernando Lopes e Valdemar Alves, respetivamente, o antigo vice-presidente da Câmara de Pedrógão Grande José Graça e a então responsável pelo Gabinete Florestal deste município, Margarida Gonçalves, estão igualmente entre os arguidos, assim como o presidente da Câmara de Figueiró dos Vinhos, Jorge Abreu.

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“Todos perdemos com a imagem que foi dada de Pedrógão. A imagem das vítimas, da tragédia, perdeu-se quando alguns se aproveitaram", Dina Duarte.

Dina assume que alguns dos familiares das vítimas têm desejo de que sejam aplicadas penas. “Há famílias que perderam toda a gente, que tinham a mesa cheia e que de repente é só ela e o marido”.

“Há o desejo de que alguém seja responsabilizado, mas estarão lá todos? Todas as linhas de comando?”, pergunta Dina.

“Para haver justiça teria de se fazer essa leitura completa, não deveria ser só a arraia miúda. Se calhar teríamos de fazer um julgamento à séria. Esperávamos que não sejam sempre os mesmos. Quando olhamos para aquele grupo de arguidos percebemos que devia haver outras hierarquias que deviam estar ali representadas”, sintetiza.

Para o futuro, Dina Duarte espera que se aprenda com o que aconteceu “e que qualquer responsável público que assuma uma presidência, uma direção de serviços, uma secretária de Estado, um ministério que tenha a ver com a floresta perceba a dimensão do que tem em mãos. Se não for ativo podem morrer pessoas pela sua inação”, remata.

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