Reportagem

Limpeza de terrenos. "​A erva está sempre a crescer, está a ver?"

04 mai, 2022 - 06:40 • Liliana Carona

GNR identifica 10.981 casos de potencial perigo de possível incumprimento na gestão dos combustíveis em todo o país. Falta de mão-de-obra, dificuldades económicas e chuva tardia são algumas das justificações dadas pelos proprietários em falta. Em 2021, a taxa de cumprimento rondou os 86%.

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Há duas fases distintas na limpeza das florestas e terrenos: a primeira é de sensibilização e a segunda de fiscalização.

“Este ano, a GNR sinalizou 10.981 casos de potencial perigo de possível incumprimento na gestão dos combustíveis. Já no ano passado foram 14.047 casos, 2.074 estavam em incumprimento, e houve uma taxa de cumprimento na ordem dos 86%. Estamos a fazer cada vez menos sinalizações e contraordenações graças à sensibilização. Em 2019 estávamos com 31 mil casos de sinalizações e em 2022 reduzimos para 11 mil”, revela o Capitão Óscar Capelo, chefe da secção do SEPNA - Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente, do comando territorial da GNR da Guarda.

Durante uma fiscalização, no concelho de Seia, os militares voltaram a parar na propriedade de 4,5 hectares, de Manuel Vale. O serralheiro, reformado, hoje com 82 anos, escuta com atenção a advertência para limpar as giestas próximas das duas casas de que é proprietário e apresenta justificações. “Olhe aquilo abaixo é tudo meu, está tudo limpo, aqui de roda das casas, sou eu que limpo, aos 82 anos, sou eu que limpo, todos os dias. Já cortei tudo, venha ver. Isto está sempre a crescer”, lamenta, apontado outros motivos para ter as giestas a menos de 50 metros de distância das duas moradias.

“Tenho de arranjar alguém que me ajude. Vou ter de pagar, então quem é que paga? Deviam era pagar-me a mim. Vocês estão a trabalhar para evitar os perigos, mas quem é que faz estes serviços? Quem é o jovem que quer trabalhar nisto? Eu ainda sou a única pessoa que vai fazendo a limpeza aqui”, garante, apressando-se a explicar que não teme a multa.

"Se for obrigatório que remédio tenho eu se não pagar, mas ainda não foi há um mês que limpei. Nunca pensei que exigissem isto, estou sempre todos os dias aqui a limpar e agora exigem-me 50 metros para trás. Sabe qual é a minha reforma, com 29 anos de desconto, 260€. Onde há dinheiro para pagar? Que remédio tenho eu, se não for eu a limpar”, conclui.

Difícil é saber quem são os proprietários

O Cabo da GNR Paulo Cardoso, do destacamento territorial da GNR de Gouveia, diz que uma das maiores dificuldades é perceber a quem pertencem os terrenos. “Na maioria das vezes temos os contactos, através do registo predial, mas há dificuldade em saber quem são os proprietários. A população é idosa e os herdeiros não sabem. É muito difícil fazer este tipo de trabalho”, considera o militar da GNR, repetindo orientações ao proprietário Manuel Vale.

“Aquele pinheiro com quatro metros tem de estar desramado, se vier um incêndio é mais fácil chegar às copas e o que diz a lei, é que são 50 metros em torno de casa, é obrigado a fazer uma gestão de combustível e neste caso das giestas, que são muito invasivas. Vai ter de fazer a limpeza num espaço maior. O Sr. Manuel, até ao dia 30 de abril podia ter feito voluntariamente, e a partir de dia 1 de maio, já existem contraordenações associadas, e as multas podem ir dos 140€ por aí acima. Nós ao levantarmos o processo, ao ser feita a limpeza, pode ser aplicada a coima, ou ser atenuada, portanto quanto mais depressa fizer, melhor”, informa.

Manuel Vale, garante que os terrenos são limpos duas a três vezes por ano, mas declara “eu vou cortar mais, pronto”. O proprietário realça que limpou os terrenos várias vezes, mas a chuva tardia, fez crescer a vegetação novamente.

Justificações que já não são aceites no período de fiscalização que está a decorrer. Esta não é a primeira passagem de elementos da GNR pelas propriedades de Manuel Vale. O Capitão Óscar Capelo, chefe da secção do SEPNA, do comando territorial da GNR da Guarda, mostra num smartphone, uma aplicação que monitoriza. “Temos uma aplicação que a GNR usa, onde o ponto já está referenciado. Um incumprimento em março que passou a cumprimento agora. Não chega a haver incumprimento, a gestão dos combustíveis está feita", exemplifica. "Usamos sistemas de monitorização e georreferenciação. Um smartphone com uma aplicação onde inserimos os dados, que compila toda a informação no terreno”, explica o Capitão Óscar Capelo.

Coimas dos 140 aos 5.000 euros para pessoas singulares

Entre 21 de fevereiro e o final do mês abril, foram sinalizadas as situações potenciais de perigo. “Falámos com os proprietários e os presidentes de junta. Explicámos que na gestão, dentro das faixas de combustível, deve haver um desrame das árvores, as que sejam superiores a 8 metros devem ser desramadas, inferiores, desrama-se apenas a parte inferior. Muitos proprietários pensam que é limpar tudo, mas é gerir”, sublinha o Capitão Óscar Capelo, chefe da secção do SEPNA - Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente, do comando territorial da GNR da Guarda.

As coimas oscilam, quando se trata de pessoas singulares, entre os 140 aos 5.000 euros, e dos 800 a 60 mil euros para pessoas coletivas e estas têm sempre de realizar os trabalhos e não o fazendo, deverá atuar a câmara municipal que depois pedirá o ressarcimento aos proprietários. “O apelo que deixamos, é que estamos sempre a tempo de fazer essa gestão de combustível. Apesar de já ter iniciado a fiscalização, estamos sempre a tempo”, insiste o Capitão Óscar Capelo, adiantando que “no próximo mês fiscalizarão as redes rodoviárias e ferroviárias e o transporte de eletricidade e gás natural”.

Nesta fase de fiscalização tem também início a rede nacional dos postos de vigia, ativos no dia 7 de maio, guarnecidos com operadores, com vigilância mais assídua do espaço florestal.

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