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Reportagem

Carlota tem Esclerose Múltipla desde os 16 anos. "Cresci demais para a minha idade"

07 abr, 2022 - 10:00 • Liliana Carona

É uma doença crónica, inflamatória e degenerativa, que afeta o sistema nervoso central. Surge frequentemente entre os 20 e os 40 anos e tem maior incidência nas mulheres do que nos homens. Mas há casos raros em que a doença se manifesta antes. Carlota Caramelo, natural de Vinhó, no concelho de Gouveia, é um desses casos. Hoje, com 20 anos, encontra respostas e motivos para sorrir com "A Minha Rica Amiga", a página do Instagram onde regista em imagens o seu dia-a-dia.

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Aos 20 anos, Carlota Caramelo conhece bem os sintomas mais comuns da Esclerose Múltipla (EM) e fala com o à vontade de quem aceita e enfrenta esta doença há quatro anos. Mas não foi sempre assim. Quando ouviu o diagnóstico da boca do médico, o seu corpo gelou.

“Nestes quase quatro anos, o meu maior suporte foi a minha mãe, sempre do meu lado”, apressa-se a sublinhar, mas valorizando, também, o apoio do namorado.

Revela que já foi convidada para ir à televisão para falar da doença. “Disto eu sei tudo. Fui à televisão e toda a gente se admirou com a minha calma”, conta Carlota, mostrando no telemóvel os diferentes tons de cabelo.

“Mudo muitas vezes a minha cor de cabelo, azul, roxo, loiro, cor-de-rosa”, recorda, aproveitando o momento para falar de outro perfil no Instagram.

“A minha rica amiga”, é o nome da página que criou há dois anos, na expectativa do seu caso raro ter eco de outras vozes juvenis. “No hospital, em Coimbra, só encontrava mulheres. Só encontrei um rapaz com 25 anos. Da minha idade não encontrei ninguém e foi aí que criei a página, onde conheci online outros casos da minha idade. Depois tive muitas pessoas a dizerem-me que passam pelo mesmo. E encontrei pessoas da minha idade com quem posso falar abertamente e que me entendem”, conta a jovem, acrescentando que também criou a página para “divulgar a sua história e ajudar alguém”.

Porquê este nome? “Porque a esclerose múltipla vai ser a minha amiga para o resto da minha vida.”

Carlota garante que ganhou amizades no percurso e que as melhores amigas “são as enfermeiras, com quem se vai cruzando e partilhando as novas tatuagens ou a nova cor de cabelo”.

No início? “Muito medo”

Quando fez a primeira publicação no Instagram “teve uma dimensão incrível”. “No início senti muito medo porque era nova e vi que ia ficar comigo para o resto da minha vida, mas agora não tanto, porque sei que a medicina está mais avançada e sempre que precisar de ajuda sei que vão estar lá para mim”, reconhece a jovem, jovem natural de Vinhó, mas a viver e a trabalhar em Gouveia.

Nesta entrevista não esconde que gostava de sair para o estrangeiro e lamenta que os exames no final do secundário não tenham corrido da melhor forma. “Não consegui fazer os exames, por crises que tive e correu mal. Quando estava no 12.º ano sonhava ir para farmácia ou imagem médica e radioterapia, mas tinha sempre grandes crises de ansiedade e não conseguia passar dali”, relembra.

“Ao início não aceitei. Mas a doença permitiu-me conhecer muita gente e desenvolveu-me muito mais. Normalmente, conheço gente mais velha, casos assim de 16 anos, são raros”, garante.

Carlota recua até agosto de 2018. “Vai fazer quatro anos. Sempre fui muito saudável, mas numas férias, em França, senti-me diferente e comecei a ver duplicado de uma vista, a ver mal quando olhava em frente. A minha mãe estranhou e fui para as urgências em Viseu. Pensavam que tinha um tumor de cima do nervo ótico, mas mandaram-me logo para Coimbra e foi aí numa ressonância magnética que detetaram lesões no meu cérebro, principalmente do lado esquerdo, onde a vista estava a ser afetada. Fizeram-me uma punção lombar que me custou bastante, fiquei logo internada no Pediátrico e a 24 de agosto deram-me o diagnóstico”, relata.

Tinha 16 anos e pensou que bastava fazer uma medicação. "Mas depois a minha mãe falou comigo e aí caiu-me a ficha. O primeiro ano foi muito difícil, tive muitos surtos. Cresci demais para a minha idade”, assume.

Surtos e sintomas controlados com medicação

O primeiro surto que Carlota Caramelo teve definiu-se “na visão dupla” e, mais tarde, “na escola, um professor alertou-me que tinha a cara desfigurada - a boca caída e um olho também - e comecei a sentir formigueiros no braço esquerdo”, recorda, explicando que sempre foi acompanhada em Coimbra, pois a unidade na Guarda não tem neurologia especificada para isto.

"Tive depois um surto de incontinência. Também já fiquei sem sentir as pernas e tive de ficar em cadeira de rodas, mas na última vez fiquei mesmo paralisada. Queriam-me internar e eu não quis, sou teimosa. Quando tenho um pico de stress dá logo sinal”, desabafa.

Carlota já fez várias ressonâncias que confirmam as lesões no cérebro e na medula, mas desdramatiza. “A médica diz que tenho de ter cuidados, tomar a medicação certa, não me stressar tanto, ter uma alimentação correta, e se fizer tudo isso, tenho uma vida normal, como qualquer outra pessoa. Também não posso andar ao sol, nem beber álcool, tenho de descansar muito, beber muita água, comer saudável. Dizem que se eu continuar a ter estes cuidados posso ter uma vida normal, casar e ter filhos. O que eles mais me pedem é para não me stressar, que é para a doença não agravar e não acabar numa cadeira de rodas ou numa cama de hospital”, observa.

“Nos dois primeiros anos fazia um injetável a mim própria de 15 em 15 dias, mas esse deixou de fazer efeito e agora faço o intravenoso, todos os meses, em Coimbra, o Natalizumabe e antigamente era o Plegridy, parecia nome de comida de cão”, revela.

Do futuro, Carlota não quer falar. “Não sei onde estarei daqui a 10 anos, vivo o presente e não gosto muito de pensar no futuro. Adoro música brasileira, sertaneja, não parece, pois não?”.

Nestas declarações alerta para o desconhecimento sobre uma doença que nem todos veem. “Fui muito criticada porque não era visível. Toda a gente me dizia que estava a fingir. Só eu sei o que passei quando estive internada. No dia da minha alta, quando fiz a punção lombar e saí de cadeira de rodas. Para depois ouvir que não tinha nada... sofri muito”, confessa a jovem.

Assinala-se a 4 de dezembro o Dia Nacional da Pessoa com Esclerose Múltipla. Data foi instituída pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 119/2006, de 21 de setembro, e visa chamar a atenção da sociedade para a doença, em especial para a importância do diagnóstico precoce e do tratamento adequado.

Outro dos objetivos deste dia passa por alertar para as necessidades das pessoas com esclerose múltipla e das suas vivências, onde o espeito e inclusão são os dois motes para este dia.

O Dia Mundial da Esclerose Múltipla (EM) é assinalado oficialmente a 30 de maio e junta a comunidade global de EM com o intuito de partilhar histórias, sensibilizar o público e fazer campanha com todas as pessoas afetadas pela esclerose múltipla (EM).

O tema para o Dia Mundial da EM de 2020-2022 é: conexões. A campanha Conexões EM centra-se em desenvolver conexões à comunidade, conexão com o próprio e conexões a cuidados de qualidade.

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