Dia Mundial de Luta contra o Cancro

"Há uma onda de cancros a aparecer". Ordem dos Médicos reconhece recuperação nos rastreios, mas "não foi satisfatória"

04 fev, 2022 - 22:31 • André Rodrigues

Ministra da Saúde anunciou que o diagnóstico precoce de doentes com cancro voltou aos níveis pré-pandemia em 2021. Luís Costa, que preside ao colégio de Oncologia da Ordem dos Médicos e é, também, diretor do Serviço de Oncologia do Hospital de Santa Maria, avisa que essa evolução "não conta a verdade toda". Para este especialista, a estabilidade governativa dos próximos anos e o PRR serão fundamentais para reorganizar os serviços de saúde na deteção atempada dos cancros. Em particular, os centros de saúde que têm estado quase exclusivamente dedicados ao combate à Covid-19.

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O presidente do colégio da especialidade de Oncologia da Ordem dos Médicos (OM) considera "insuficiente" a recuperação nos diagnósticos precoces dos doentes com cancro em 2021.

Esta sexta-feira, a ministra da Saúde, Marta Temido anunciou que o rastreio das doenças oncológicas regressou, no ano passado, aos valores dos anos anteriores à pandemia e que o número de cirurgias cresceu 19% em relação a 2019.

Os valores foram revelados na apresentação dos Resultados dos Rastreios Oncológicos de Base Populacional relativos a 2019 e 2020, no âmbito das comemorações do Dia Mundial de Luta Contra o Cancro.

Em declarações à Renascença, Luís Costa, que é, também, diretor do Serviço de Oncologia do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, reconhece que houve uma recuperação, mas que isso "não conta a verdade toda".

"Há uma onda de cancros não diagnosticados que estão a aparecer para serem tratados. Se me pergunta se em 2021 houve alguma recuperação relativamente a 2020, houve, mas não foi satisfatória".

'Trace Covid' fora dos centros de saúde

Este especialista diz não ser possível fazer-se diagnóstico precoce recorrendo apenas aos programas de rastreio: "é fundamental que os cuidados de saúde primários estejam em pleno funcionamento", alerta.

Só que a pandemia direcionou o trabalho de médicos e enfermeiros de família para o acompanhamento remoto dos doentes com Covid-19 - o chamado 'trace Covid'.

Luís Costa considera, por isso, urgente "restaurar, quanto antes, não só os programas de rastreio, mas também os cuidados de saúde primários, porque, sem eles, não é possível poder fazer o diagnóstico precoce da doença oncológica" e encaminhar os doentes atempadamente para os hospitais da especialidade.

"É preciso libertar os cuidados de saúde primários da tarefa Covid, há outras pessoas que podem absorver essa tarefa", sugere.

Por outro lado, o responsável pelo colégio de Oncologia da OM diz ser necessário "verificar, região a região, que recursos humanos temos disponíveis nos hospitais, porque um doente oncológico precisa de cirurgia, precisa de radioterapia, precisa de oncologia, precisa de imagiologia. É necessário saber se estamos em condições de responder a essa onda de doentes que, neste momento, está claramente a aparecer nos serviços".

Estabilidade governativa... e PRR, "porque não"?

Apesar do cenário descrito, o oncologista Luís Costa considera que a mais que provável estabilidade governativa dos próximos anos, a par com a disponibilidade dos recursos financeiros do PRR, poderá representar uma oportunidade decisiva para reorganizar os cuidados de saúde.

E deixa o recado à atenção do novo Governo: "vai haver mais estabilidade governativa e há um Programa de Recuperação e Resiliência (PRR) que, supostamente, permitirá que o país tenha melhores condições para o futuro; porque não aproveitar isso para, de uma vez por todas, resolver a questão dos cuidados primários de saúde e de uma oferta adequada para o diagnóstico precoce do cancro e para os programas de rastreio?"

Se essa oportunidade for desperdiçada, "aquilo que vai acontecer é que vai aumentar a mortalidade por cancro em doenças que eram, potencialmente, curáveis, como sejam o cancro colorretal, o cancro da mama ou o cancro do colo do útero".

Diferente é a situação, por exemplo, no cancro do pulmão, "que não é objeto de rastreio e é uma doença que, do ponto de vista biológico, é mais agressiva".

Isto significa que, "quando os doentes têm os primeiros sintomas, se não forem diagnosticados mais cedo, não há migração de estadio, mas há, certamente, uma migração para um estado clínico pior, com impacto na mortalidade e mais custos para o sistema de saúde, porque as doenças mais avançadas absorvem mais dinheiro para serem tratadas".

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