Legislativas 2022

Suspender isolamento para ir votar? O que defendem médicos, juristas, partidos e Governo

06 jan, 2022 - 23:00 • Sofia Freitas Moreira com Redação

As infeções por Covid-19 continuam a aumentar a um ritmo nunca antes visto e, apesar de a variante Omicrón não se apresentar tão perigosa como as anteriores, o número de pessoas em isolamento continua a crescer. Com eleições legislativas à porta, procuram-se soluções para garantir o exercício do direito ao voto aos milhares de cidadãos confinados.

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A menos de um mês das eleições legislativas de 30 de janeiro, são várias as questões que começam a ser levantadas sobre o direito ao voto dos milhares de cidadãos que se encontram em isolamento. As estimativas apontam para a possibilidade de mais de meio milhão de pessoas confinadas na semana das eleições.

O Governo aguarda pelo parecer jurídico da Procuradoria-Geral da República, enquanto que constitucionalistas e a Comissão Nacional de Eleições defendem que o voto é um direito “constitucionalmente garantido”.

Qual é a solução adequada para uma questão tão complexa? As opiniões são muitas e divergem. Os partidos sugerem uma extensão do horário de voto ou o desdobramento das eleições em dois dias, enquanto que, do lado oposto, os médicos de saúde pública vão contra a total suspensão do período de isolamento, pelos riscos e precedentes que a decisão acarreta.

Na quarta-feira, Marcelo Rebelo de Sousa avançou que o Governo pediu à Procuradoria-Geral da República um parecer para saber se os eleitores podem suspender o isolamento Covid-19 para votar nas eleições legislativas.

De acordo com o chefe de Estado, que cita António Costa, a ministra da Administração Interna “terá pedido ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (PGR) um parecer sobre o saber-se se o isolamento impede o exercício do direito de voto ou se é possível exercer o direito de voto, em condições de segurança, apesar do isolamento – isto é, suspendendo o isolamento para esse efeito, o que reduziria, naturalmente, o número daqueles que não poderiam se quisessem exercer o direito de voto”.

O primeiro-ministro acabou por confirmar, esta quinta-feira, o parecer solicitado à PGR. António Costa defendeu, no final do Conselho de Ministros, que o pedido surge “num momento em que estamos confrontados com uma variante que sabemos ser altamente transmissível. Sendo altamente transmissível, haverá mais pessoas afetadas”.

Portugal poderá ter mais de meio milhão de pessoas confinadas na semana das eleições, uma estimativa avançada esta semana à Renascença por Carlos Robalo Cordeiro, do Instituto Superior Técnico e membro do grupo de peritos da Ordem dos Médicos.

Robalo Cordeiro apontou ainda para a possibilidade de Portugal chegar a um pico de 100 mil casos diários de Covid-19 entre os dias 20 e 24 de janeiro.

O que dizem os constitucionalistas?

A questão não é unânime entre constitucionalistas, que divergem quanto à eventual suspensão do isolamento para votar. Bacelar de Vasconcelos considera que seria uma boa solução e Paulo Otero defende que "não é possível conciliar isolamento" e voto.

Em declarações à Renascença, o constitucionalista Jorge Bacelar Gouveia defendeu que a suspensão do isolamento nas eleições poderia já ter sido decidido no Conselho de Ministros que decorreu esta quinta-feira, algo que acabou por não acontecer.

Bacelar Gouveia considera que esta é a prova de que o Governo falhou ao não fazer uma legislação específica sobre o estado de emergência sanitária.


CNE diz que voto é “garantido”, mas Costa defende “segurança jurídica”

O porta-voz da Comissão Nacional de Eleições (CNE) defendeu, esta quinta-feira, que o direito ao voto por cidadãos em isolamento está "constitucionalmente garantido" e que nem o Conselho de Ministros ou qualquer autoridade sanitária podem limitá-lo.

João Tiago Machado remeteu a Lusa para uma deliberação de 23 de setembro de 2021, relativa às eleições autárquicas, na qual esta posição já era defendida, e em que a CNE também sustenta que se um cidadão se apresentar nas mesas de voto sem equipamento de proteção individual "não pode ser impedido de exercer o seu direito".

No final do Conselho de Ministros desta sexta-feira, António Costa defendeu que “haver uma informação, um parecer da PGR, será muito importante, porque dá segurança jurídica a todos sobre a transparência do ato eleitoral e o cumprimento das regras”.

“Hoje, eu vi, por exemplo, uma manchete de um jornal que diz: o Governo se quiser pode alterar. Pois pode, mas não deve, porque o Governo deve garantir a todos que é isento na administração deste processo eleitoral”, justificou.

Em relação ao momento em que o Governo espera receber a resposta da PGR, António Costa alegou que essa é uma questão que ultrapassa o Governo.

Quais as sugestões dos partidos?

Pouco depois das declarações de António Costa, a coordenadora do Bloco de Esquerda (BE) sugeriu a possibilidade de extensão do horário de voto, com uma hora particular para que quem esteja em isolamento possa exercer o seu direito.

"O voto antecipado é importante, mas há outras medidas que podem ser estudadas, como a extensão de horário de voto com uma hora particular para quem possa estar em isolamento", afirmou Catarina Martins.

Já o presidente do CDS-PP defendeu que o ato eleitoral das legislativas deveria ser desdobrado pelos dias 29 e 30 de janeiro, manifestando-se disponível para a convocação de um plenário da Assembleia da República que possa alterar a lei.

“O dia de reflexão não tem grande utilidade na vida das pessoas, os eleitores já chegam a esse dia com opinião formada, não acrescenta nada”, afirmou, estando aberto a que se pudesse separar os confinados num dia e os não infetados no outro, ou até mesmo para um “sistema misto” em que ambos votariam nos dois dias, com mecanismos de segurança.

Além do voto antecipado, já previsto na lei, o líder do CDS-PP sugeriu que possa haver uma articulação com o poder autárquico para que os infetados possam exercer o voto “de forma descentralizada sem colocar em risco a comunidade” ou, no caso das pessoas em instituições, que se possa recorrer às forças de segurança para fazer a recolha dos votos.

Médicos alertam para “precedente perigoso”

Em contrapartida, a Associação de Médicos de Saúde Pública considera a suspensão do isolamento uma medida imprudente e perigosa. O vice-presidente da Associação, Gustavo Tato Borges, alerta para os eventuais riscos de transmissão caso as exceções para isolados avancem.

“Se os casos positivos não podem sair porque são um risco, os outros que estão em casa que podem também desenvolver a doença também são um risco, ainda que menor. Penso que não faz sentido, é imprudente e é um precedente que vão abrir que será algo perigoso”, sublinha.

E caso o Governo decida mesmo suspender o isolamento nas legislativas de 30 de janeiro, Gustavo Tato Borges alerta que pode estar em causa o sigilo eleitoral, além do risco de transmissão da doença. “Numa mesa dedicada a pessoas em isolamento aparecia só uma pessoa, e já sabemos em quem ela votou e não votou.”

Para o médico, só é possível evitar o risco de transmissão e a quebra do secretismo eleitoral se os eleitores em isolamento puderem votar a partir de casa, uma solução que poderia contar com a ajuda das juntas de freguesia.

Na semana passada, Paulo de Morais defendeu um adiamento da ida às urnas.

Em declarações à Renascença na qualidade de matemático, o ex-candidato presidencial Paulo de Morais antecipa que “o facto de haver centenas de milhar de portugueses em confinamento ou, mesmo, infetados com Covid, vai distorcer completamente o resultado das eleições”.

Pelo segundo dia consecutivo, Portugal registou mais de 39 mil casos diários de Covid-19, indica o boletim desta quinta-feira da Direção-Geral da Saúde.

Depois do máximo de 39.570 novas infeções verificadas na quarta-feira, as autoridades confirmaram esta quinta-feira 39.074 casos, o segundo maior número desde o início da pandemia.

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  • ADISAN
    07 jan, 2022 Mealhada 13:02
    Uma vez que posso correr o risco de me encontrar com o virus, que neste dia parece que vai andar à solta, resolvi não ir votar. Conseguir resistir até agora, também agora não vou arriscar.

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