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Balanço do ano

Luta contra a corrupção é “fundamental” para aumentar a felicidade em Portugal

31 dez, 2021 - 13:21 • Fábio Monteiro

“Mais cedo ou mais tarde, um Governo português vai ter um Ministério da Felicidade”, garante o filósofo e consultor organizacional Jorge Humberto Dias. Em entrevista à Renascença, o especialista em felicidade defende que, apesar da pandemia, a perceção dos portugueses relativamente à corrupção melhorou. E acrescenta que estes também se tornaram mais generosos.

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Jorge Humberto Dias é um filósofo que se preocupa com a felicidade – das pessoas, dentro das empresas e do país em geral. Talvez não seja surpreendente, então, que com 2021 a terminar, prefira dar destaque ao que de positivo aconteceu.

Em entrevista à Renascença, o investigador e consultor defende que, apesar da pandemia, a perceção dos portugueses relativamente à corrupção melhorou.

“O tema da corrupção é fundamental. Portugal não aumenta os seus níveis de felicidade porque o que está por detrás é a questão da confiança. Todos sabemos que, quando não há confiança, não há relação que sobreviva. Nem na vida pessoal, na vida profissional e organizacional, quanto mais na gestão de um país”, diz o coordenador do projeto de investigação "Perspetivas sobre a Felicidade. Contributos para Portugal no Relatório Mundial de Felicidade das Nações Unidas”.

Do ano transato, o filósofo destaca a criação do primeiro pelouro sobre felicidade numa autarquia em Portugal: em Pombal, no distrito de Leiria, consequência das eleições autárquicas. E ainda revela: “Portugal está a criar a primeira norma de gestão em bem-estar e felicidade organizacional.”

Em 2020, Portugal ficou no 58.º lugar do Ranking Mundial de Felicidade, das Nações Unidas, uma posição acima da do ano anterior. Agora que 2021 está prestes a acabar, acredita que os portugueses estão mais ou menos felizes?

Diria que não há diferenças significativas, o que tendo em conta as condições adversas que enfrentamos, até pode ser visto como algo bastante positivo. Mas, claro, depende da definição de felicidade que tivermos em conta. Normalmente, é algo bastante genérico.

Se olharmos para a importância dos projetos na vida das pessoas, penso que a época pandémica não veio alterar grande coisa. Aliás, nalguns casos até veio facilitar, como é o caso do mercado laboral. Existem pessoas que queriam ir ao México, à Rússia, à China e não podiam por várias razões - de distância, financeiras, etc. Agora, foi possível estreitar laços e fazer colaborações online. Isso foi altamente positivo", acrescenta.

A felicidade é um conceito profundamente subjetivo.

A definição de felicidade envolve três grandes tópicos: o primeiro é a avaliação. Felicidade envolve uma avaliação. Faço uma avaliação entre o que correu bem e aquilo que correu menos bem. Portanto, é um ato avaliativo.

Depois, avalio o quê: projetos. Os projetos que as pessoas fazem, as ações que as pessoas praticam. Portanto é também uma definição para a ação, para a dinâmica.

O terceiro tópico é a consciência: ou seja, só posso ser feliz num estado de consciência, a dormir não posso ser feliz ou eu não sei sequer se estou a ser feliz. Resumindo, três tópicos: avaliação, projetos e consciência. Esta é a minha definição.

A definição do Ranking Mundial de Felicidade é bastante diferente. Os critérios que servem para dizer se um país é mais ou menos feliz são pouco etéreos: o PIB per capita, a esperança média de vida, os mecanismos de apoio social, a perceção de corrupção, a liberdade das escolhas de vida e ainda a generosidade. Como acha que evoluíram?

Ainda é demasiado cedo para fazer uma avaliação. No entanto, arrisco dizer que houve melhorias nalgumas áreas. A pandemia trouxe muitas mudanças. Mesmo quando desaparecer ou, pelo menos, minorar, há hábitos que vão continuar.

Nós, culturalmente, e há muitos autores que o referem, temos uma tendência para olhar para o negativo. Até faz lembrar aquilo que aprendi na universidade: o negativo é que faz notícia. É verdade, não é? Mas o positivo está, de facto, bastante presente. Há mais projetos contra a corrupção - um dos pontos em que Portugal tem estado muito mal, ao longo dos anos, nos vários relatórios sobre felicidade. E penso que também estamos um bocadinho mais generosos.

2021 foi um ano prolífico no tema da corrupção. Tivemos as detenções de João Rendeiro, Manuel Pinho, Joe Berardo…

E isso é bastante positivo. Mais que não seja por ter colocado o tema na agenda, na praça pública, para que se fale.

Sei que já existem planos referenciais, indicações governamentais, para que os professores nas suas aulas falem sobre estas temáticas [corrupção]. É fundamental que as pessoas tenham pensamento crítico e estejam atentas a estes processos. Há indicadores temáticos para que os alunos debatam e aprendam conceitos relacionados com a questão da corrupção. Não creio que sejam casos concretos, talvez mais antigos, da literatura, isso talvez. Atuais penso que não, porque não são ainda propriamente casos fechados. Mas indicações de como intervir, evitar que estas coisas aconteçam.

O tema da corrupção é fundamental. Portugal não aumenta os seus níveis de felicidade porque o que está por detrás é a questão da confiança. Todos sabemos que, quando não há confiança, não há relação que sobreviva. Nem na vida pessoal, na vida profissional e organizacional, quanto mais na gestão de um país.

E a evolução no critério da generosidade?

Nos últimos relatórios, Portugal não ficou bem classificado, porque, provavelmente, durante muitos anos, foi sempre um país com imensas dificuldades, com uma classe média com enormes desafios. Penso que as pessoas eram mais solidárias e menos generosas. Neste momento, penso que Portugal está a ser mais generoso e pode manter na mesma o seu espírito de solidariedade, mas são coisas diferentes. Por isso é que ficou mal classificado.

A diferença é: solidariedade é quando dou aquilo que me sobra. Portanto, se não me sobra nada, não vou dar nada a ninguém. A generosidade é quando dou mesmo aquilo que me faz falta. Ou seja, quando faço um sacrifício um pouco maior e consigo partilhar o pouco que possa ter com outros que também possam necessitar. Vejo cada vez mais projetos em Portugal onde a generosidade está a aparecer.

Tinha preparada uma proposta para si: destacar os acontecimentos, notícias, que contribuíram para tornar 2021 um ano menos feliz. Estava a contar com coisas negativas, mas, pelo andar da entrevista, já sei que não vai por aí. Faço-lhe, então, o desafio contrário: de positivo, o que destaca?

Achei como muito positivo, como resultado das eleições autárquicas, ter surgido o primeiro pelouro numa autarquia sobre felicidade em Portugal: em Pombal, Leiria. Ora, isto parece que não é muito importante, mas é fundamental. Portugal tem feito um caminho que acho que ainda ninguém no mundo deu conta, mas está-se a tornar um dos exemplos nos estudos de felicidade.

Outro exemplo: Portugal está a criar a primeira norma de gestão em bem-estar e felicidade organizacional. Nós já temos muitas normas, desde a responsabilidade social, à parte da ecologia, sustentabilidade, etc, mas não tínhamos, não existia no mundo, nenhuma norma sobre felicidade. Portugal está a fazer a primeira. Ora, se Portugal conseguir, será depois um pequeno passo para que essa norma nacional se torne também uma norma internacional. Seria excelente.

Portugal pode dar um contributo para que que os governos de todos os países da Europa, por exemplo, possam começar a ter planos nacionais de felicidade. E a governar os países não do ponto de vista do PIB per capita, mas a partir de critérios de felicidade mais concretos.

Falando de política. Daqui a menos de um mês, Portugal vai a eleições. Da mesma forma que os trabalhadores infelizes de uma empresa raramente estão do lado da direção, uma população infeliz vota contra quem está no poder?

Fazendo uma analogia com o desporto, os grandes líderes estão a perceber que só conseguem ganhar campeonatos, se olharem para as pessoas, se cuidarem das pessoas. Penso que na política é a mesma coisa.

Cada vez mais será difícil ganhar eleições só porque se pertence a um partido, ou só porque se tem um determinado núcleo de colegas. Por isso, é cada vez mais importante ter uma estratégia que valorize o bem-estar e felicidade dos cidadãos. E nesse sentido, se as pessoas não sentem que há um propósito, debandam.

Voltamos à questão da confiança. Como as pessoas não confiam nos nossos governantes e nos nossos políticos, então nem se dão ao trabalho de ir votar. A abstenção é sempre muito alta no nosso país.

Uma população mais feliz é, por inerência, uma população que vota mais.

Sim. Aliás, temos evidência disso nas organizações, já há estudos científicos sobre isso. Quando mais as pessoas são felizes, mais se envolvem. Os ingleses usam a expressão engagement. Mais participam, mais produzem, dão mais resultados à organização. Ora, no caso de um país, é a mesma coisa.

O próximo Governo devia, portanto, ponderar a ideia de criar um ministério da Felicidade?

É um tema que já se fala. Ainda não analisei todos os programas [políticos], mas se olharmos para a cena internacional, temos países em que isso já acontece. E penso que Portugal, mais cedo ou mais tarde, vai chegar a esse ponto. Não sei se já nestas eleições, mas o tema apareceu nas autárquicas. Ele foi falado, embora ainda não com a prioridade que nós gostaríamos. Mas o facto de já estar na agenda é positivo.

O Dubai já tem esse ministério. A Nova Zelândia, a Escócia, a Alemanha, muitos outros países estão a estudar o tema.

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  • Leonor Haydée Viegas
    05 jan, 2022 Lisboa 13:42
    Parabéns pela entrevista! Gostei bastante.

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