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Depressão

"A tristeza é uma emoção mal compreendida", alerta o psicólogo Miguel Ricou

31 dez, 2021 - 01:00 • Ana Carrilho

A época de Natal e Ano Novo e as limitações impostas pela pandemia de Covid-19 podem ser uma “mistura explosiva” que, para muitas pessoas, se transforma numa fonte adicional de stress, cansaço, desgaste, falta de esperança e tristeza. E isso pode levar à depressão.

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A época de Natal e de Ano Novo, associada às limitações impostas pela pandemia de Covid-19, pode ser uma “mistura explosiva” que pode culminar num estado de depressão.

Para ajudar a manter a saúde sobre a doença que afeta (em maior ou menor grau) cerca de 10% dos portugueses, ou seja, um milhão de pessoas, a Ordem dos Psicólogos lançou um guia que ajuda a perceber a depressão.

De forma rápida, simples e compreensível explica o que é a doença, como afeta as pessoas e como pode ser ultrapassada. E frisa que é importante que quem precisa procure ajuda.

Em entrevista à Renascença, o presidente do Conselho de Especialidade de Psicologia Clínica e de Saúde da Ordem dos Psicólogos (OPP), Miguel Ricou, lembra também as responsabilidades da família e dos que estão mais próximos, assim como a necessidade de as pessoas terem tempo para parar e lidar com a tristeza.

O Natal e o Ano Novo são alturas simbólicas em que as pessoas estão mais sensíveis. Embora sejam vividas com alegria, porque “estamos com os nossos”, a verdade é que as ausências de quem já partiu e as expectativas frustradas pelo que não correu como estava previsto são o gatilho para a tristeza.

"Se lhe acrescentarmos a pandemia, que impede as pessoas de fazerem o que gostariam, torna-se mais complicado”, diz o psicólogo, à Renascença.

Miguel Ricou considera, por isso, que estas iniciativas da Ordem dos Psicólogos, que promovem a literacia em saúde mental, “ou antes, psicológica”, são muito importantes para as pessoas compreenderem melhor o que sentem, qual o significado, como podem gerir os sentimentos e como reagir. “Para que estas cargas emocionais, por vezes, mais fortes, mais violentas, mais difíceis, não se transformem num futuro próximo em problemas sérios de saúde mental. Esta literacia emocional é muito importante para prevenir a doença”.

Tristeza. Emoção mal vista que obriga a parar numa sociedade em correria

O responsável do Conselho da Especialidade de Psicologia Clínica e de Saúde da OPP explica que as pessoas reagem muito às emoções, sendo que que a tristeza é aquela que desequilibra mais durante a depressão.

“Uma emoção muito mal compreendida na nossa sociedade, porque nos obriga a parar, impõe uma redução no ritmo fisiológico, exige que se ande mais devagar. Surge na sequência de uma frustração, de uma perda (de alguém ou de algo importante) e o indivíduo precisa dese readaptar a uma nova realidade. Tem de parar um bocadinho, ‘lamber as feridas’, perceber o que aconteceu e o que pode fazer melhor. É para isso que a tristeza serve”, diz.

Uma paragem muito difícil num mundo em grande movimento, em que a economia tem que crescer e é, claramente, o valor máximo. “Estamos sempre a dizer coisas más sobre a tristeza, que não paga dívidas e que a pessoa tem que reagir e seguir em frente. Na prática, desvalorizamos o acontecimento que provocou a tristeza e dizemos à pessoa que não é capaz de lidar com as circunstâncias, atribuindo-lhe todas as responsabilidades por aquela sensação. A própria pessoa sente que não é capaz. E nessa altura fica triste, já não pelo aconteceu, mas porque não consegue sentir uma coisa diferente. E pode entrar num ciclo cada vez mais negativo”, explica Miguel Ricou.

O psicólogo considera que é importante ajudar as pessoas a compreender que estar triste é uma coisa normal, que pode acontecer a qualquer um e que impõe uma paragem. Por outro lado, é importante falar com outras pessoas, “distrairmo-nos de nós próprios” e se isso não acontecer ao fim de 15 dias, então é preciso fazer qualquer coisa e pedir ajuda.

A família é fundamental

“Quando vemos pessoas de quem gostamos e que estão tristes, que não conseguem sentir alegria com a nossa presença, é como se nos sentíssemos desvalorizados. E isso, por vezes, torna as pessoas menos compreensíveis com quem está triste”.

Mas para Miguel Ricou, em primeiro lugar, é importante que os familiares e amigos compreendam que a pessoa não lhes está a reagir, mas a ela própria e ao que lhe aconteceu. Depois, devem dar-lhe espaço de compreensão, “não exigir que a pessoa reaja de imediato, que tenha de “andar para a frente”.

“É evidente que é importante que se distraia, mas os outros também têm que perceber que cada vez que a pessoa tenta e não consegue, ainda se frusta mais. É um equilíbrio difícil de conseguir, mas os familiares podem ajudar dando-lhe espaço e mostrando disponibilidade nas alturas em que o indivíduo que está triste se sente um pouco melhor e em que se pode distrair e focar noutras coisas”.

Miguel Ricou sublinha ainda que o importante é não fazer com que a pessoa se sinta pior. Por outro lado, não desvalorizar os motivos da tristeza. “isso é o que não se deve fazer porque o nosso sofrimento, é nosso; a nossa realidade é a que se passa connosco e os nossos problemas são aqueles que nos magoam. O que é importante é que as pessoas tenham ajuda e se tratem”.

O guia sobre a depressão, que já está disponível na página online da Ordem dos Psicólogos, sublinha que a doença pode ser ultrapassada. Entre 80% a 90% dos doentes que recebem ajuda profissional adequada recuperam o seu bem-estar. Mas sem ajuda, a depressão pode afetar de forma profunda e negativa o dia-a-dia da pessoa e as relações com familiares, amigos e em sociedade, a forma como pensa e se comporta.

Pandemia fez disparar os casos de depressão

Segundo Miguel Ricou, os estudos já realizados apontam para um aumento de 20-30 % em relação à incidência expectável. Mas alerta que é preciso distinguir entre o que possam ser diagnósticos claros ao nível de doença mental dos que são perturbações depressivas, estados perturbadores da vida das pessoas que lhes trazem maiores dificuldades, se não houver uma intervenção.

“Por isso é que é muito importante uma intervenção ativa, às vezes só com uma conversa ou uma consulta com um psicólogo, para as pessoas poderem compreender melhor o que estão a sentir e se o que se passa pode evoluir para doença”.

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