Covid-19

Vacinar dos 0 aos 5 anos? Manuel Carmo Gomes não exclui essa hipótese

10 dez, 2021 - 19:42 • João Carlos Malta

Membro da Comissão Técnica de Vacinação para a Covid-19 faz depender a decisão de “um estudo rigoroso” bem como da “situação epidemiológica” que o país atravessar se a questão se colocar.

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Manuel Carmo Gomes, epidemiologista e membro da Comissão Técnica de Vacinação para a Covid-19, em declarações à Renascença não exclui a possibilidade de se avançar no futuro para a vacinação das crianças dos 0-5 anos.

Mas faz depender a decisão de dois fatores: um estudo muito rigoroso e a situação da pandemia no país.

“Nos 5-11 anos, tal como nos 0-5 anos não damos opiniões com leviandade, sobre se vamos cobrir esse grupo vacinal. Não se fazem decisões sobre vacinação em massa, sem se fazer um estudo muito cuidadoso da literatura e avaliar se possível o balanço do risco benefício. Teremos que ver a informação disponível, na altura. Depende da situação epidemiológica”, concretiza.

Carmo Gomes diz que este vírus traz tanta incerteza e surpresas, que até tem um caderno em que aponta cada vez em que acontecem coisas imprevisíveis. A vontade e o desejo do médico é de que a discussão de vacinar bebés nem se coloque, mas para isso não aconteça será determinante a evolução da doença.

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"Não se fazem decisões sobre vacinação em massa, sem se fazer um estudo muito cuidadoso da literatura e avaliar se possível o balanço do risco benefício. Teremos que ver a informação disponível, na altura. Depende da situação epidemiológica"

E o especialista em vacinação alerta para o perigo e desconhecimento da nova variante, a Ómicron.

Em relação à decisão de generalizar a vacinação dos 5 anos 11 anos, Manuel Carmo Gomes sustenta a decisão com números. O médico diz que do universo de 640 mil crianças que estão nesta faixa etária, 300 mil ainda não terão sido infetadas, mas tendo em conta a alta transmissibilidade do vírus, sê-lo-ão mais cedo ou mais tarde.

“Se nós lhe aplicarmos a taxa de internamento estimada de hospitalização característica desta idade, que em Portugal até é mais baixa do que no resto da Europa e varia entre 0,1% a 0,3%, isto dá garantia de que teremos 600 a 900 crianças a darem entrada em internamento hospitalar por causa da Covid. Esta é a principal razão da preocupação”, argumenta.

O mesmo especialista afirma que a isto, se soma o facto de desconhecermos neste momento quais as consequências a médio ou longo prazo da doença.

“Não sabemos se quem contrai a infeção não faz uma espécie de casamento para o resto da vida com o vírus. Há muitos vírus que quando somos infetados ficam connosco o resto da vida: a varicela, o papiloma vírus, o herpes simplex, o hpv, a hepatite C, entre outras”, enumera.

Alerta ainda para a incerteza sobre se estas crianças podem vir a ficar infetadas e ter reinfeções mais tarde. “Estes são os riscos de que nitidamente não sabemos, mas também não podemos fingir que não existem”, considera.

Do outro lado da medalha, estão os riscos da vacinação, e Carmo Gomes esmiúça o caso das miocardites.

“Têm uma taxa de incidência estimada, para idades dos 12 aos 15 anos, que anda na zona dos 1 a 3 em 100 mil doses. Isto são estimativas da UE com centenas de milhares de doses já dadas. Mas estes 1 a 3 por 100 mil são em casos em que foi dada a dose de adultos. Às crianças dos 5 aos 11 vamos dar uma dose pediátrica que tem um terço da formulação da dose RNA da dose de adulto. Terá uma taxa muito inferior”, garante.

O medo das consequências da vacinação

Um argumento que é muitas vezes usado por quem rejeita a vacinação, sobretudo nas crianças, é o desconhecimento do que estas podem causar no médio e no longo prazo. Carmo Gomes reconhece que a comunidade científica ainda não sabe quais são as consequências nem da infeção com Covid, nem da vacinação.

Mas logo depois adverte: “Agora há uma coisa que nós sabemos, como é que a vacina funciona e toda a parte da biologia molecular da vacina, e qualquer médico que não se tenha esquecido, lembra-se disso. Não sabemos tão bem a cascata de infeções e complicações que uma infeção Covid dá. Este vírus pode chegar a qualquer parte do corpo, desde o sistema nervoso, ao sistema renal, aos pulmões. Não sabemos se não ficamos com o vírus para o resto da vida”.

Por isso, diz, "quando pomos na balança as nossas dúvidas em relação à Covid e à vacinação, não tem comparação".

Ainda em relação aos alegados perigos da vacinação, o especialista faz jus da experiência de 20 anos que tem na área para dizer que “todos nós sabemos que as complicações graves das vacinas surgem numa janela temporal de 4 a 6 semanas”.

“A maioria delas surge nas primeiras duas semanas. Já decorreram muitas semanas, desde que estamos a dar milhões de vacinas à população mundial para termos alguma segurança para dizer que aquilo que nós compreendemos do funcionamento da vacina realmente não parece ter complicações de médio ou longo prazo. Não temos certeza absoluta, temos de reconhecer, não passou tempo suficiente para isso”, concretiza.

Em resumo, diz que a “nossa experiência em vacinologia é a de que não virmos a ter grandes surpresas”.

As explicações de Carmo Gomes levam a crer que os dados científicos são claros para sustentar s benefícios da vacinação, mas ainda assim há muitas vozes que se levantam contra as vacinas. Porquê? “Não confundamos quem está em maioria nisto. A literatura mundial é esmagadora sobre estes assuntos. Há sempre vozes que discordam”, desvaloriza.

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"Teremos 600 a 900 crianças a darem entrada em internamento hospitalar por causa da Covid. Esta é a principal razão da preocupação".

E aproveita para criticar os órgãos de comunicação social. “Os media dão peso igual a setores da sociedade científica que numericamente são muito minoritários. Não é por acaso que temos unanimidade em todas as comissões de vacinação da Europa”, valoriza.

Carmo Gomes rejeita ainda a ideia de que a vacinação para crianças dos 5 aos 11 anos seja para proteger aos adultos. “Isso não colhe, mas é evidente que haverá um benefício para a sociedade de vacinar as crianças”, vaticina.

O médico e professor diz que estas vacinas dão proteção muito elevada contra doença grave, e que esse facto é garantido. Se também é verdade que dão proteção inferior contra a transmissão, este não é igual a zero.

“Uma pessoa que foi vacinada há 4 ou 5 meses ainda tem proteção contra infeção. Essa proteção decai com o tempo. É errado dizer que a vacinação não impede a transmissão”, afiança.

A vacinação, insiste o médico, reduz significativamente a probabilidade de se ser infetado e de transmitir o vírus, e mesmo as pessoas que não obstante de estarem vacinadas são infetadas, têm uma carga viral mais baixa.

Acabemos com o mito de que as vacinas não fazem nada em relação à transmissão. Existe ampla literatura pública em relação a este assunto. As pessoas só não querem ler porque não estão para isso. É mais fácil falar e informar-se nas redes sociais, do que ler a literatura científica”, critica.

5-11 o motor da 5ª vaga

Manuel Carmo Gomes diz que as crianças dos 5 aos 11 anos têm sido “o motor dos contágios” desta 5ª vaga. A média dos últimos sete dias, concretiza, é de 470 casos por dia. Muito acima do grupo dos 12-17 anos, com 135 casos diários, e que “até tem um tipo de convivência superior”.

Tem uma taxa de crescimento da incidência que é de longe superior a outras idades, porque as outras idades estão vacinadas. Este é o impacto da vacinação sobre a circulação do vírus na sociedade”, sublinha.

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"Não sabemos se não ficamos com o vírus para o resto da vida"

Por fim, o epidemiologista fornece alguns números que ajudaram a cimentar a decisão da Comissão Técnica de Vacinação. Desde que a epidemia começou, já tivemos 70 mil infeções em crianças dos 5 aos 11 anos, de que resultaram 217 internamentos, e 20 entradas em cuidados intensivos.

Dessas crianças que foram internadas, mais de 90 % tiveram mais de 24 horas no hospital. Houve muito poucos óbitos, um aos 0, um com 1 ano, e um aos 5 anos.

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