CERTIFICADOS COVID-19

"Recompensar quem pode escolher ser vacinado só agrava desigualdades"

30 jul, 2021 - 11:00 • Joana Gonçalves

Alyna Smith, da Plataforma Internacional de Cooperação de Migrantes Sem Documentação, apela aos Governos que intervenham para apoiar os imigrantes em situações mais frágeis.

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Do total de vacinas contra a Covid-19 administradas até ao momento, em todo o mundo, cerca de 1,1% foram inoculadas em residentes de países de baixos rendimentos.

A disparidade no acesso à vacinação pode traduzir-se num desequilíbrio dos movimentos migratórios, que prejudicará as populações de países mais pobres, onde o número de vacinas administradas é ainda residual.

Alyna Smith, especialistas na área de saúde do gabinete jurídico da Plataforma Internacional de Cooperação de Migrantes Sem Documentação (PICUM, na sigla em inglês), defende que "garantir acesso a espaços públicos como recompensa daqueles que podem escolher ser vacinados só agrava desigualdades e pouco faz para combater os motores estruturais da desigualdade e hesitação".

"Demasiadas pessoas sem documentação não têm opção de escolha", alerta a especialista, em resposta à Renascença.

Uma visão partilhada pelo diretor do Serviço Jesuíta aos Refugiados em Portugal, que confessa preocupação perante uma possível instrumentalização dos certificados digitais Covid-19.

"Penso que existe uma genuína preocupação dos responsáveis políticos europeus pela saúde pública na Europa. No entanto, se não está no plano das intenções, no plano da prática podemos estar, inconscientemente, a aumentar a dificuldade em emigrar de forma legal e segura", adianta André Costa Jorge, em entrevista à Renascença.

Para o coordenador da Plataforma de Apoio aos Refugiados (PAR), "há um desequilíbrio quer de testagem, quer de administração de vacinas, que acaba por aumentar a discriminação dos mais pobres, que migram por necessidade, que procuram proteção e que mais precisam dessa oportunidade migratória".

A solução, defende Alyna Smith, passa por aumentar o investimento do Governo, de forma a promover um trabalho com parceiros locais; criar campanhas dirigidas e adaptadas para informar os imigrantes dos potenciais da vacina e dos seus direitos; combater barreiras à inscrição e agendamento; e assegurar salvaguardas que garantam que a vacinação não tem consequências no processo de imigração.

"Há aqui uma noção de proteção da população portuguesa que compreendemos e acompanhamos, mas temos que encontrar soluções que não aumentem o acesso desigual e a exclusão das pessoas migrantes. Soluções que favoreçam as formas de migração legais e seguras", afirma o diretor do SJR Portugal.

"Quanto mais se dificulta a via legal, mais as pessoas recorrem às vias ilegais. Os responsáveis políticos têm que ter noção que uma boa ideia, uma boa proposta aplicável num contexto onde a testagem e a vacinação estão a funcionar bem, pode favorecer noutros contextos a criminalidade, que as pessoas podem ser tentadas a usar, porque não têm acesso a vias oficiais", acrescenta.

Por esse motivo, para André Costa Jorge é imperativo que se ponha fim à desigualdade na distribuição das vacinas contra o SARS-CoV-2 e se reforce a testagem nos países mais pobres.

Em Portugal, mais de 17.000 números nacionais de utente foram atribuídos a imigrantes sem este documento, para que recebam a vacina contra a Covid-19, e 160 mil já estão registados na plataforma criada em Março na qual se podem inscrever para a vacinação.

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