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A pandemia e as suas lições - a visão da Igreja portuguesa

Bispo do Algarve. "Olho para o regresso do turismo com muita esperança e alguma apreensão”

20 mai, 2021 - 06:10 • Henrique Cunha

A pandemia trouxe "um aumento para cima dos 60 a 70%" na procura de ajuda junto das instituições da Igreja algarvia. O regresso a alguma normalidade dá esperança, mas D. Manuel Quintas avisa: "Seria mau esquecermo-nos do que temos passado."

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O bispo do Algarve encara a reabertura do “corredor aéreo britânico” com esperança e prudência."Os aviões passam mesmo aqui por cima do Paço”, diz D. Manuel Quintas, para quem “o turismo é uma bênção e um dom para o Algarve”.

“Cada vez que passa um avião, recordo que o turismo é um dom para a região”, reafirma.

“Nós, agora, experimentamos que, de facto, é muito difícil viver sem o turismo, organizar a economia local sem o turismo e, por isso, olho para esta abertura, para o regresso do turismo com muita esperança e também com alguma apreensão”, confessa.

D. Manuel Quintas justifica a sua apreensão com a possibilidade de um eventual recrudescimento da pandemia. "Às vezes, dizemos a brincar: que venham, mas que não tragam o vírus.”

"Experimentamos que, de facto, é muito difícil viver sem o turismo, organizar a economia local sem o turismo"

De acordo com o bispo do Algarve, os empresários da região mostram-se confiantes, mas, ao mesmo tempo, cautelosos. Nos contactos que vai mantendo com os responsáveis pelo sector, encontra em cada um “esta esperança de que não estejamos perante uma situação passageira que possa ser interrompida por alguma notícia de algum foco de contagio nalguma região das mais turísticas ou das que estão a acolher mais ingleses nesta altura”.

"Desejamos que seja um virar de página” que não possa ser rasgada pelo “risco que comporta a atitude de querer eventualmente, retomar a vida antes da pandemia, como se não tivesse havido pandemia”. "Seria mau esquecermo-nos do que temos passado”, sublinha.

Por vezes, “nós não entendemos muito bem estas exigências todas, mesmo em relação à praia, mas tem que ser assim", sustenta o bispo do Algarve.

"Mesmo que haja aspetos da vida que nós achamos que estão exagerados, é melhor prevenir que remediar”, defende.

D. Manuel Quinta entende que o sector do turismo “para além do desenvolvimento económico” faz também do Algarve “uma região pluricultural, multifacetada, uma região aberta ao mundo” e dá o exemplo de uma visita recente a uma escola “onde há 40 nacionalidades".

"Veja lá que riqueza constitui para um grupo de adolescentes que está a crescer”, declara.

"Procura de ajuda cresceu cerca de 60 a 70%”

O bispo do Algarve confessa que, desde a passada segunda-feira, dia em que aterraram no aeroporto de Faro quase três dezenas de aviões com turistas oriundos do Reino Unido, “o semblante dos habitantes parece outro”.

"Nos últimos dois anos, muita gente tem passado mal porque, de um dia para o outro, perdeu o seu emprego”, revela D. Manuel, destacando qie esta é uma situação com “reflexos desastrosos na vida das pessoas”.

A muitas destas pessoas valem as instituições particulares, um importante apoio. "Nos refeitórios sociais, nas Cáritas diocesana e paroquial, nos movimentos sócio-caritativos que atendem essas situações, notou-se um grande aumento de pedidos de ajuda."

"Seria mau esquecermo-nos do que temos passado”

Nas contas de D. Manuel Quintas “houve um aumento para cima dos 60 a 70 por cento de procura”, o que o leva a afirmar que" é difícil organizar a vida no Algarve sem turismo”.

Por agora, ainda não se notam efeitos da retoma de atividade e, de acordo com bispo do Algarve, “a situação de carência social tem-se mantido constante”. Deve-se, contido, sublinhar que "não há razão para haver gente a passar fome, pois as instituições continuam a funcionar sem problemas de maior”.

"Felizmente, a uma procura desmedida tem aparecido também uma generosidade não prevista”, indica D. Manuel Quintas, admitindo, ainda assim, que “possa haver dificuldades a outro nível, como ao nível do pagamento de rendas ou de luz”.

"Mesmo aí, a Cáritas tem ajudado porque tem fundos para isso”, afiança.

O bispo do Algarve tem a esperança de que “agora, em junho e julho, comecem a surgir os empregos sazonais, sobretudo na hotelaria e na restauração, e muita gente possa começar a trabalhar e a partir daí começar a organizar a sua vida”.

Lição n.º 1: “Região não pode estar dependente apenas de um setor”

“Nós tantas vezes dizíamos 'o que seria do Algarve se não houvesse turismo?'. Estávamos longe de imaginar que teríamos de viver estes dois anos com essas limitações e essa privação”, lembra D. Manuel.

"De facto, todos nós vemos que uma região não pode depender de apenas um sector, como é o caso do turismo, aqui no Algarve”. O bispo entende que a região “até pela sua configuração geográfica, possa ter uma ligação forte ao turismo”, mas “é preciso encontrar alternativas que possam compensar as oscilações do sector”.

"Felizmente, a uma procura desmedida tem aparecido também uma generosidade não prevista”

“Espero e desejo que quem tem esse poder, quem decide a nível governamental facilite o aparecimento de investidores noutras áreas, que sejam apoiados, orientados”, diz o bispo, para quem “sectores com a agricultura e a pesca podem desempenhar um papel atrativo”.

Lição n.º 2: “Retomar a vida como se não houvesse pandemia é um erro”

“Temos que aprender em primeiro lugar, o erro colossal que seria retomar a vida como se não tivesse havido pandemia e, em segundo lugar, que quem está vacinado não pode aligeirar nos comportamentos pensando que está totalmente isento de contágio, ou de poder contagiar outros”.

Para o bispo, a pandemia também nos ensinou a entender “o valor da pessoa e da sua dignidade como valor sem discussão, a pessoa humana acima de tudo em todas as situações e circunstâncias”.

“Isto pode ajudar-nos a relativizar outras opções que às vezes nos empenhavam muito, às vezes até nos digladiávamos por elas."

Lição n.º 3: “Aprender a relativizar”

D. Manuel Quintas diz que “a pandemia também está a ter uma ação purificadora em relação àquilo que podem ser os princípios que nos orientam, que nos inspiram e em relação às novas opções e critérios de relacionamento uns com os outros”.

O atual contexto deve também fazer olhar “para o presente e para o futuro doutra maneira, permitindo, quiçá, relativizar certas ideologias que nos separam tanto e que nos transformam quase em antagonistas".

“Penso que isto nos ajuda a relativizar um bocadinho mais tudo o que se passa à nossa volta, tendo presente valores que são essenciais e que estão ligados à defesa da pessoa, à defesa da vida e à defesa da sua dignidade em todas as situações e circunstâncias”, acrescenta.

Lição n.º 4: “Está tudo interligado”

No início da pandemia, o bispo do Algarve admite que “a grande dificuldade foi o facto de termos todos que assumir opções e uma vida que não é a vida norma, termos saído da normalidade em relação à nossa vida cultural, social e religiosa”.

Todas as áreas sociais e de atividade foram afetadas por igual, porque “uma coisa está ligada à outra e, a nível laboral, social, cultural, académico, religioso e até da vida de lazer e das viagens, está tudo interligado, nenhum destes campos está desligado”.

"A pandemia está a ter uma ação purificadora em relação àquilo que podem ser os princípios que nos orientam”

No plano religioso, o bispo assinala “o facto de no ano passado termos estado tantos domingos - 11, no total, e este ano mais oito - sem eucaristia dominial presencial”.

“Isso foi muito difícil de gerir”, assim como “em determinados momentos", o facto de "a pandemia e o confinamento não ter permitido às pessoas despedir-se dos entes queridos”, porque “não há palavras que possam substituir um gesto”.

O bispo não teme efeitos negativos do elevado número - 19 - de domingos sem eucaristia dominical com a presença de fiéis. D. Manuel Quintas admite que “ainda não temos tempo para avaliar”, mas refere que “as pessoas estão desejosas de regressar à vida religiosa, à vida espiritual”. Revela ter recebido “o testemunho de muitos padres sobre pessoas que até aproveitaram este tempo para se reconciliarem".

“Há muito tempo que não se reconciliavam com o sacramento da confissão e esta pandemia levou-os um bocadinho a redimensionar a sua vida, os seus princípios e opções.”

"Mesmo que haja aspetos da vida que nós achamos que estão exagerados, é melhor prevenir que remediar”

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