22 ago, 2020 - 08:05 • João Carlos Malta
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Não são situações comparáveis, quer pela dimensão quer pela mortalidade que provocaram, mas há algo que faz a Gripe A aproximar-se da Covid-19. Foi a última vez que Portugal realizou um processo de vacinação massiva para uma doença pulmonar.
Em 2009, o mundo enfrentava a epidemia da H1N1, também uma doença do foro respiratório. O Serviço Nacional de Saúde (SNS) avançou para a tentativa de vacinar 30% da população. Não foi o que aconteceu. Conheça as polémicas e os objetivos que não foram atingidos naquele processo que começou há 11 anos.
Na altura, morreram 124 pessoas, muito longe das 1.792 mortes que a Covid-19 já fez no país até 21 de agosto. Agora que Portugal prepara um novo processo de vacinação que o primeiro-ministro, António Costa, quer universal e gratuito, recorde os ensinamentos que o processo da Gripe A deixou. "Uma campanha aquém das expetativas", assumia em 2010 a DGS, que na altura apontou a desvalorização da doença e uma valorização infundada dos riscos da vacina como causas para o falhanço da meta.
Optou-se por uma estratégia de risco (vacinação de 30% da população), em função da qual se elaborou o plano e a metodologia da campanha de vacinação.
O facto de, posteriormente, se perceber que só seria necessária uma dose da vacina na maioria das situações, levou o Ministério da Saúde a desenvolver negociações com a firma GSK no sentido de reduzir a encomenda inicial de 6 milhões de doses que já estavam, à data, claramente acima das necessidades, de acordo com a estratégia de vacinação nacional (vacinação de grupos de risco).
No documento intitulado “Relatório da Pandemia da Gripe em Portugal” (leia aqui em formato PDF), a DGS assume que a campanha de vacinação ficou “aquém das expectativas”.
A diretora-geral da Saúde, Graça Freitas, abre a p(...)
Foram administradas, até junho de 2010, cerca de 700 mil vacinas, correspondendo a aproximadamente 20% dos 3 milhões de pessoas que deveriam ter sido vacinadas (a algumas pessoas, nomeadamente crianças, foram administradas duas doses).
Um dado positivo: a campanha decorreu num curto período de tempo, sem qualquer impacto no Programa Nacional de Vacinação (PNV) ou na administração de outras vacinas.
O documento diz que “é possível admitir que 20% da população estará protegida, quer pela doença, quer devido a infeções inaparentes, quer, ainda, pela vacinação”.
Sim. A DGS diz no relatório que, apesar da redução da atividade gripal, "importa referir que o novo vírus H1N1 que provocou a pandemia irá continuar a circular".
"Por isso, justifica-se plenamente a necessidade de prosseguir a vacinação que está em desenvolvimento. A vacina é a forma mais eficaz de minimizar as complicações graves decorrentes da gripe A. Como tal, é nosso objetivo continuar a vacinar o maior número de pessoas elegíveis", podia ler-se no relatório de balanço do processo de vacinação.
A DGS continuou a recomendar a vacinação dos profissionais de saúde, "para a sua própria proteção, para a proteção dos doentes que tratam e, ainda, para reduzir o absentismo quando ocorrer uma nova epidemia causada pelo vírus A (H1N1) 2009".
A resposta social manteve-se em alerta de baixa intensidade mesmo após a ocorrência do primeiro óbito, que se verificou na última semana de setembro daquele ano. Ao mesmo tempo a atividade gripal nas escolas aumentou, atingindo, em certas zonas do país uma expressão visível. Foi neste período que a vacina pandémica foi licenciada na Europa e que em Portugal se marcou a data para o início da campanha de vacinação.
Sim. Ao nível social houve uma forte controvérsia em relação à nova vacina, designadamente no que diz respeito à vacinação das grávidas, tendo havido sucessivas tentativas em associar a vacinação com a morte de fetos cujas mães haviam sido vacinadas. Um significativo número de médicos e enfermeiros não aderiu à campanha, o que pode ter tido consequências nas taxas de vacinação contra a gripe A (H1N1) e ocasionado um maior número de rumores sobre esta matéria.
No final de outubro e em novembro, os movimentos contra a vacinação alcançaram notoriedade inesperada, o que segundo a DGS deveria "motivar uma análise sociológica ulterior".
A 14 de novembro de 2009, ocorre uma morte fetal numa mulher que tinha sido vacinada com a vacina pandémica “três dias antes”.
Apesar de não se ter verificado qualquer relação causal entre os dois factos, este acontecimento, amplamente divulgado pelos media, juntamente com depoimentos de alguns médicos e enfermeiros com dúvidas sobre a vacina e ainda algumas declarações na internet de pessoas supostamente informadas, provocaram dúvidas nos cidadãos e uma adesão à vacinação inferior à esperada.
A complexidade em estabelecer a associação causa-efeito, isto é, “a imputação causal, foi, em grande parte, ignorada pela imprensa”, diz o relatório da DGS.
Este fenómeno, escreve a autoridade de saúde em Portugal, verificou-se na quase totalidade dos países desenvolvidos (os que tinham vacina) e, assegura, os “movimentos anti-vacinação” não tinham nenhuma base científica para a sua argumentação.
O relatório da DGS diz que houve um fenómeno de “inversão da perceção do risco”, ocorrendo em simultâneo uma desvalorização da doença e uma valorização infundada dos riscos da vacina.
Todos os dados e pormenores já conhecidos sobre o (...)
Os cidadãos deixaram de ter receio da doença e passaram a ter receio das hipotéticas reações adversas da vacina. O relatório da DGS refere que "a apresentação (frascos multidose de 10) e distribuição da vacina (pequenas quantidades inicialmente), da responsabilidade da firma produtora, não facilitaram o processo".
Sim. A vacina, segundo a DGS defendia em 2010, apresenta um bom perfil de segurança e as reacções adversas detetadas pelos sistemas de farmacovigilância nacional (Infarmed) e internacionais não revelam diferenças relevantes em relação à vacina sazonal.
A disponibilidade de vacinas no país foi totalmente condicionada pela capacidade de produção e distribuição da empresa GSK, tendo sido estabelecido um calendário de distribuição faseada para 2009 e para o início de 2010. O faseamento das entregas obrigou a que fossem definidos subgrupos prioritários para vacinação.
A primeira remessa de vacinas foi de apenas alguns milhares de doses e, portanto, tornou-se necessário definir, dentro do grupo A, os primeiros cidadãos a vacinar (prioritários), em função da sua vulnerabilidade e/ou do seu papel vital na resposta à pandemia.
Na primeira fase do grupo A, destacaram-se grávidas dos 2.º e 3.º trimestres de gravidez com patologia associada e os profissionais de saúde.
Em relação ao grupo B, considerou-se, posteriormente em 13 de novembro, adequado incluir todas as crianças, com ou sem patologia, com idades entre os 6 e 24 meses, por existir evidência de que este grupo tem risco acrescido para complicações. Para proteger o maior número de pessoas elegíveis, o mais rapidamente possível, no dia 16 de novembro, teve início a vacinação do grupo B mantendo-se a vacinação do Grupo A.
Dentro do grupo B, as crianças, com ou sem patologia, com idades entre os 6 e os 24 meses, tinham prioridade. Em cada mês, houve cerca de 9 mil grávidas que transitam do 1.º para o 2.º trimestre da gravidez sendo também prioritárias para vacinação. Houve indicações claras no sentido de promover a vacinação sendo preferível esgotar temporariamente as vacinas do que ter doses por administrar.
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As pessoas integradas num determinado grupo que não se vacinassem na altura recomendada poderiam fazê-lo posteriormente. Para evitar desperdício de doses e vacinar o mais rapidamente possível as pessoas prioritárias, para esgotar as 10 doses do frasco, vacinavam-se outras pessoas do grupo B ou mesmo do grupo C.
O esquema cronológico recomendado inicialmente previa a administração de duas doses por pessoa, administradas com um intervalo mínimo de quatro semanas. Posteriormente, a pela Agência Europeia do Medicamento reviu esta recomendação e, atualmente, apenas as crianças até aos 10 anos de idade e as pessoas imunodeprimidas têm indicação para fazer duas doses; para as restantes pessoas está recomendada apenas uma dose.
As vacinas foram distribuídas às ARS e Direcções Regionais de Saúde dos Açores e da Madeira e por estas aos agrupamentos de centros de saúde (ACES), centros de saúde, aos hospitais e a serviços de saúde de outras instituições.
A administração das vacinas foi feita principalmente em cuidados de saúde primários, mas também em hospitais, no âmbito da saúde ocupacional e da vacinação dos doentes de risco internados e, ainda, por determinadas entidades(como por exemplo forças policiais) às quais o Ministério da Saúde cedeu as vacinas para que estas organizassem a vacinação dos seus efectivos.
A vacinação dos doentes dos grupos-alvo, nos centros de saúde, foi feita mediante apresentação de uma declaração médica que atestava a sua pertença a um dos grupos (A, B ou C). Esta declaração não era uma recomendação da vacina, mas apenas uma certificação para efeitos de inclusão num grupo elegível para vacinação. A decisão de ser vacinado ou não foi e é da responsabilidade do cidadão.
Foram aprovadas, para uso na Europa, pela Agência Europeia do Medicamento (EMEA) e pela Comissão Europeia, em setembro de 2009. A vacina Pandemrix foi desenvolvida pela firma GSK.