17 jun, 2020 - 07:00 • João Carlos Malta (texto), Joana Bourgard (fotos)
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Não são focos da doença. Os casos da Covid-19 são raros ou inexistentes. Mas numa economia débil − e dependente de poucas atividades como a floresta ou as diversões dos feirantes − a travagem do país contribuiu para o solavanco que a região do Pinhal Interior está a viver, mais concretamente os municípios de Castanheira de Pera e de Pedrogão Grande. O turismo podia ser uma tábua de salvação, mas há o receio de que traga o vírus às costas. Ainda para mais quando as últimas estatísticas nacionais revelam que um em cada três habitantes têm mais de 65 anos.
Por enquanto, vão sendo as pequenas poupanças, e a estrutura pequena e familiar de muitos negócios, a almofada para o impacto de uma segunda crise em apenas três anos. Depois dos fogos de 2017, esta é uma nova crise em muito pouco tempo.
Na autarquia de Pedrógão Grande, o presidente da Câmara Valdemar Alves diz estar a preparar um plano para fazer um levantamento dos prejuízos, e assim “poder chegar às pessoas”.
A tese é do presidente da Câmara de Boticas. O con(...)
Os mais afetados estão identificados. “Temos uma comunidade que vive das pistas de carrosséis, e que têm aqui a associação nacional do setor. Eles estavam para arrancar para as romarias e para as festas, principalmente do Norte e tudo foi cancelado. São pessoas que gastaram uns milhares largos de euros e isto foi uma facada muito grande. E ainda está a ser”, define Valdemar.
O autarca calcula que 1.500 pessoas vivam da atividade na região, e metade seja oriunda de Pedrógão.
No concelho vizinho de Castanheira de Pera, a empresária Sandra Carvalho, gestora da Serração Castanheirense, fala de “uma segunda guerra” depois dos incêndios que arrasaram a região.
A produção está reduzida a metade. A madeira não pode sair do país e acumula-se nos estaleiros da empresa. “Neste momento estamos a trabalhar a 50%. Espanha está fechada, e as empresas para quem trabalhamos em Portugal, e que exportam, estão a condicionar a entrada de mercadoria”, explica.
A gestora concede que janeiro e fevereiro “são normalmente meses mais calmos”, mas este ano “foram muito mais calmos”. “Estamos uma semana a trabalhar e outra parados”, revela.
Covid-19
Ministro Augusto Santos Silva sublinha que quem de(...)
Sandra fala de uma segunda guerra, porque a primeira, a dos fogos, é “um capítulo que ainda não conseguiu ser fechado”. Muitos dos apoios de auxílio para a compra de máquinas destruídas pelo incêndio, segundo a gestora, três anos depois ainda não chegaram.
“Era uma altura em que nos fazia muito jeito que isto ficasse resolvido. Muitas vezes, nem conseguimos falar com as pessoas”, referindo-se aos organismos do Estado que tutelaram o financiamento às empresas que sofreram prejuízos com os fogos.
Ali não recorreram ao "lay-off" e aproveitaram estes três meses para limpar terrenos e cortar madeira. A isso juntaram algumas férias em atraso. Os troncos a acumularem-se até podem ser um perigo para futuros fogos, mas Sandra Carvalho pensa que não há solução.
“Isto não é Lisboa ou o Porto, aqui andamos um bocado e estamos na floresta. É de facto de risco. Mas é-o tendo a madeira aqui em parque ou na floresta”, sentencia.
A APFLOR − associação que junta mais de 600 proprietários florestais da região do Pinhal Interior − dá corpo a esta realidade. O presidente Jorge Fernandes explica que a exploração da floresta não se ressentiu. Mas a jusante aparece o problema. “Há serrações que estão paradas. Não têm onde a entregar”, revela.
E sinaliza outra dimensão da retração económica. “Em relação ao eucalipto, as fábricas estão com os parques cheios, também devem estar a produzir menos, e a limitar a receção de madeiras”, frisa Jorge Fernandes, que fala de problemas de gestão no dia-a-dia destas unidades fabris.
Na floresta, Bráulio Henriques conquistou uma segunda atividade. Este gerente de uma empresa de informática, há meia dúzia de anos descobriu a paixão pelas abelhas. Depois dos fogos de 2017 perdeu a quase totalidade das caixas em que as colmeias produziam o mel de urze que é um dos ex-libris locais.
Bráulio começa por explicar que na produção, o vírus não mexeu. “A poluição é menor, a biodiversidade até tem mais hipóteses de recuperar”, crê.
O problema é outro. “A cadeia de escoamento dos produtos está a ser afetada. Vendia mel para lojas e restaurantes, que estiveram fechados”, identifica.
Apesar de ter começado a explorar novas formas de comercialização, através da venda direta pela internet, a quebra de receita nas vendas a lojas é de 90%. “O que vai acontecer é ficar com o armazém cheio. A produção fica cá, se não há escoamento. O mel tem uma coisa boa, aguenta-se muito tempo. Podemos tê-lo durante muitos anos em armazém que ele mantém todas as propriedades”, declara.
A poucos quilómetros dali, no Hotel Lagar do Lago, junto a piscina das Rocas, em Castanheira de Pera, o proprietário Joaquim Conceição não tem papas na língua. “O meu negócio é zero”, relata. “Desde 12 ou 13 de março, nem um café, fechámos totalmente”, explica. São quatro meses sem trabalhar, mas as despesas continuam. “Recebemos a conta de 300 euros da luz”, especifica.
Os três empregados ficaram em casa. “Estamos a pensar em abrir em julho”, revela. Além das dormidas há ali também espaço para casamentos e batizados, e ainda um salão que recebe visitantes de excursões. Outra dimensão do negócio parado.
“Os autocarros turísticos não puderam abrir. Não podiam trazer 50 pessoas, só 15, e também não vêm”, avança. A situação é desoladora. “Para dormir, neste espaço de tempo todo [desde 16 de março], apareceu uma vez um cliente”, recorda.
Nos incêndios de 2017, Joaquim perdeu muito. Ficou sem o filho Gonçalo, bombeiro em Castanheira de Pera, que faleceu no combate às chamas. Com isso os negócios também sofreram, pois o descendente já assumia, muitas vezes, a liderança de alguns dos negócios do pai, como o restaurante do hotel.
E as promessas de revitalização do Interior, segundo Joaquim, esfumaram-se no tempo. O empresário do ramo hoteleiro fala de falta de investimento. Tirando a praia das Rocas − que traz cerca de duas mil pessoas por ano no verão − nada mais no concelho é atrativo para os turistas. Fala-se agora da construção de uns passadiços.
Apesar de os meses de inverno serem tradicionalmente mais parados, se não fosse a pandemia, em junho já “tinha serviços, os autocarros, e os batizados”. “Normalmente, não dorme muita gente, mas dormem dois ou três, faz-se um batizado, faz-se um passeio turístico e vai dando para as despesas”, afirma.
O desconfinamento deve devolver já no próximo mês os clientes ao Hotel Lagar, mas se Castanheira de Pera regista até agora zero casos, o temor de quem vem de fora começa a crescer. Isso põe o empresário numa situação paradoxal.
“Isso já nos pensámos, estamos aqui tão bem. Vêm as pessoas para a praia, vêm para dormir, e depois? Mas tem de se fazer, senão não se trabalha. Se formos a pensar assim, nunca mais se abrem as portas”, refere.
Regressando a Pedrógão Grande, o autarca local, Valdemar Alves, também está preocupado com o tema.
“Temo, temo, temo bastante”, responde assim à pergunta se tem receio de que o cenário de poucos infetados possa mudar no verão. “Se bem que a nossa população não está muito aberta. Estão muito preocupados e não vão ser muito recetivos a quem venha de fora, principalmente os idosos, as pessoas que vivem da reforma”, identifica.
No entanto, o edil considera que o turismo é muito importante para a restauração e para a hotelaria, para de seguida deixar um recado: “está na consciência de cada um, daqueles que vêm saberem o que vêm fazer”.
Valdemar dá como exemplo o caso de um emigrante infetado que veio de França para visitar a mãe, num município vizinho. A idosa frequentava o mesmo centro de hemodiálise que muitos habitantes da vila. O caso pôs em sobressalto os idosos locais, e o autarca lança um aviso: “espero que as pessoas não venham infetar os seus familiares”.
Valdemar Alves diz que está preocupado com quem “possa vir a partir de dia 10 de Junho”. “As pessoas veem muita televisão. Tudo o que se passou em Itália e Espanha foi muito doloroso para os nossos idosos”, recorda, elogiando a capacidade que estes tiveram de se recolher.
O presidente da Associação Empresarial Penado Granada, António Domingues, também se revela temeroso em relação à possibilidade de um surto, uma zona em que os idosos representam uma fatia de leão.
“Nem quero imaginar o que seria uma crise de Covid-19, ainda para mais numa região tão envelhecida. Tenho uma projeção estatística que mostra que, se chegasse à nossa zona, íamos ter possivelmente taxas de mortalidade muito elevadas”, assume.
Domingues concede que não foram registados "muitos casos em Pedrógão”, e que a situação está estabilizada, mas alerta para os próximos meses em que a região vai receber "um maior número de visitantes, pessoas de origem pedroguense e estrangeiros que procuram a nossa região”.
São as previsões do Governo para este ano e consta(...)
Em relação ao impacto económico, o presidente da Associação Empresarial Penado Granada reconhece que o tecido empresarial é pequeno, mas que a crise que fará o PIB recuar quase 7% no país, tem também consequências na região. No entanto, acredita que foram ligeiras.
“Não estamos a falar de uma realidade de empresas macro, mas de pequenos comércios. Ficaram sem rendimento, mas devido à idade dos proprietários tinham o seu fundo de maneio. Não posso dizer que Pedrógão tenha passado grandes dificuldades. Estamos a falar de uma região pequena”, remata.