21 jan, 2025 - 00:52 • José Pedro Frazão
Augusto Santos Silva, ex-presidente da Assembleia da República, mostra-se muito preocupado com as ambições territoriais expressas pelo novo Presidente norte-americano. Durante a emissão especial digital da Renascença, a propósito da posse de Donald Tump, o antigo chefe da diplomacia portuguesa aconselha a Europa a aliar-se ao Reino Unido na gestão de uma relação transatlântica vital para todos, até para os Estados Unidos.
Donald Trump aparece com este discurso da questão das tarifas, mas também um ponto de interrogação em relação à Rússia, pois a questão da Ucrânia nem sequer foi tocada no seu discurso. Como é que a Europa se deve preparar para lidar com Trump agora na sua segunda versão?
A Europa deve ter uma abordagem institucional e prudente. Deve entrar em contacto com a nova administração Trump o mais depressa possível, sem nenhuma precipitação, mas com rapidez indispensável, vista a densidade das relações que existem entre os dois blocos. Isso faz-se evidentemente no contexto da NATO, mas também no quadro bilateral das relações entre a União Europeia e os Estados Unidos.
É muito importante que nessa relação a União Europeia conte com o Reino Unido. Esta triangulação, Estados Unidos-Reino Unido-União Europeia, é muito importante para nós. Creio que é também muito importante para os britânicos e, por muito que custe ao Presidente Trump admitir, é também vital para os Estados Unidos.
O discurso de Trump foi muito virado para as questões internas. Foi um discurso muito repetitivo, prometendo uma nova "era dourada", megalómana, o excessivo de um narcisista puro. A meu ver, a frase mais perturbadora foi a aquela em que Trump diz que os Estados Unidos são uma nação que cresce, que vão continuar a crescer e a expandir-se territorialmente.
Isso é uma situação muito preocupante. A ideia de expansão territorial dos Estados Unidos, que depois é particularizada com a referência expressa ao Canal do Panamá, mas também, no subtexto dessa frase, volta a questão da Gronelândia.
O tema da Gronelândia é para levar a sério?
É já o Presidente dos Estados Unidos que o diz, quando apresenta os EUA como o melhor país do mundo, vão ficar ainda maiores consigo. Refere-se expressamente não só à população, à economia, à riqueza produzida, à tecnologia, à importância no mundo, mas também ao território.
Regressando à Europa, este discurso não é particularmente preocupante, porque as referências que o Presidente Trump faz às suas prometidas guerras comerciais são muito poucas e um pouco ambíguas. Naquela enumeração das medidas radicais que irá tomar, não consta ainda nenhuma medida concreta que se possa dizer tenha por alvo a Europa no plano comercial.
Agora, temos que estar preparados para uma teoria económica que é, para ser parco nas palavras, bastante singular. Ao arrepio de tudo o que aconteceu nos últimos anos, faz depender o crescimento económico de um país de uma política comercial agressiva para com os seus parceiros.
No plano bilateral, os últimos Presidentes norte-americanos não visitaram o nosso país, com a exceção mais recente de Barack Obama. Com as alterações tecnológicas que muitos analistas vêm associando a uma certa desvalorização da Base das Lajes, Portugal deve temer um desaparecimento ou uma diluição dessa agenda bilateral?
Deixando, por enquanto, de lado a questão das eventuais deportações, diria que Portugal não é seguramente uma preocupação para os Estados Unidos e os Estados Unidos não são uma preocupação para Portugal. Do ponto de vista da relação Estado-a-Estado, Portugal está relativamente tranquilo com a nova administração Trump. Com a primeira administração Trump, as coisas correram com bastante normalidade, aliás num período em que as nossas relações bilaterais se intensificaram a vários níveis. Não creio que haja motivo para grande preocupação da nossa parte.
As nossas relações com os Estados Unidos, que se fazem também no quadro da União Europeia, são também muito fortes, antigas e consolidadas no plano bilateral. A geografia ajuda, com a importância dos Açores. Os interesses norte-americanos do ponto de vista da defesa do Atlântico Norte, também com os Açores, especificamente o acordo bilateral de cooperação na área da defesa, também ajudam.
O crescimento do investimento português nos Estados Unidos e do investimento e do turismo norte-americano em Portugal também ajudam. E, sobretudo, talvez mais de um milhão de pessoas que residem nos Estados Unidos e que têm a nacionalidade portuguesa e são descendentes portugueses. Todos estes fatores tornam a relação bilateral muito sólida.
Por outro lado, Portugal é um parceiro norte-americano de sempre, desde a independência dos Estados Unidos. Portugal foi o primeiro país neutral a reconhecer a independência americana, é o país em que há mais tempo está em funcionamento um consular norte-americano no mundo. É um aliado de todas as horas e, portanto, não são os riscos diretos para os interesses portugueses que nós devemos temer na administração Trump. São riscos indiretos que ocorrem deste isolacionismo extremo do Presidente Trump.
E a questão das deportações não se coloca?
Sim, claro. É um caso particular que devemos acompanhar com muito cuidado, visto que há muitos portugueses que residem, trabalham nos Estados Unidos e levam lá a sua vida, tranquilamente, há décadas, que ainda têm problemas de regularização documental.
Não creio que estejam na iminência de serem deportados maciçamente nestes primeiros dias, mas estou certo de que a nossa Embaixada nos Estados Unidos e o nosso Governo, com a descrição necessária, já estão a trabalhar para assegurar os interesses desses portugueses e cuidar deles.