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Interferência ou liberdade de expressão? Elon Musk estende os tentáculos à Europa

14 jan, 2025 - 21:08 • Diogo Camilo

Depois de ajudar Trump a chegar à presidência dos Estados Unidos, o homem mais rico do mundo usa o seu perfil no X com mais de 200 milhões de seguidores para mexer com a política no Reino Unido e na Alemanha. Primeiro-ministro da Noruega diz estar "preocupado", Giorgia Meloni chama-o de "génio" e Mário Machado pede-lhe asilo político.

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O homem mais rico do mundo está a uma semana de chegar à Casa Branca, para chefiar um novo departamento de “eficiência governamental” na administração de Donald Trump, mas ninguém o diria, olhando para o seu perfil da rede social X, onde tem mais de 200 milhões de seguidores.

É que nas últimas semanas, Elon Musk tem vindo a alargar a sua esfera de influência e deixou de usar o seu megafone no X para partilhar apenas conteúdos de apoio a Trump. Agora, critica a Comissão Europeia e pede novas eleições no Reino Unido, ao mesmo tempo que pede a libertação de um extremista britânico, entrega prémios à primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni, e entrevista a líder do partido de extrema-direita na Alemanha, Alice Weidel.

Starmer e a resposta ao escândalo de violação de crianças

Tudo começou quando a oposição no Reino Unido veio pedir a abertura de um inquérito à atuação do primeiro-ministro num caso antigo de violações, abusos e tráfico de raparigas entre 1997 e 2013, por parte de homens de origem paquistanesa.

Normalmente discreto quanto a temas internacionais, Elon Musk foi à sua rede social pedir a demissão de Keir Starmer, que, na altura do caso, era diretor do Ministério Público (ocupou o cargo entre 2008 e 2013), e acusou-o de ser “cúmplice com a violação” e daquilo que considera ser o “pior crime em massa da história do Reino Unido”.

Em resposta a Musk, na semana passada, Starmer defendeu que durante o seu tempo no Ministério Público atacou este caso em concreto desde o início, além de ter tido o maior número de casos de abuso sexual de crianças a seguirem para julgamento.

Não foi Musk a desenterrar o tema, mas o dono do X amplificou a dimensão do caso, pedindo que Starmer se demita e que haja novas eleições no Reino Unido.

A juntar a tudo isto, o Financial Times avançou na quinta-feira que o homem mais rico do mundo teve reuniões privadas com aliados para discutir como seria possível retirar Keir Starmer do cargo de primeiro-ministro do Reino Unido antes das próximas eleições legislativas, que seriam apenas em 2029.

O jornal refere que Musk terá avaliado formas de desestabilizar o governo do Partido Trabalhista e, em contrapartida, procurava potenciais movimentos políticos que pudesse apoiar para forçar uma mudança de executivo, depois de referir a uma das fontes uma visão de que “a civilização ocidental está a ser ameaçada”.

Do outro lado, a unidade contra-terrorismo britânica está a investigar que risco o Reino Unido enfrenta com os tweets partilhados por Elon Musk.

O ataque de desinformação a uma ministra britânica

Entre os alvos do empresário esteve também a subsecretária de Estado responsável pela proteção e violência contra mulheres e raparigas, Jess Phillips, a quem Elon Musk chamou de "apologista do genocídio da violação" e "bruxa má", chegando a sugerir que deveria ser presa.

A governante tinha recusado o inquérito a um caso de exploração sexual de menores em Oldham, nos arredores de Manchester, entre 2011 e 2014, defendendo que o município deveria encomendar um inquérito local, como aconteceu noutros casos no país.

Musk criticou a decisão, através de várias publicações na rede social X, onde pedia para que fosse realizado um inquérito nacional, apesar de o anterior governo conservador ter recusado um pedido semelhante em 2022.

Os pedidos de libertação de um ativista anti-Islão

Se Musk se esforça quando está contra alguém, também se esforça quando está a favor. Neste caso, o alvo da sua boa vontade é Stephen Yaxley-Lennon, mais conhecido por Tommy Robinson, um extremista por quem Elon Musk tem feito campanha nas redes sociais, pedindo a a sua libertação.

O ativista anti-Islão foi condenado a uma pena de prisão de 18 meses por repetir alegações falsas contra um adolescente sírio refugiado e é visto, por uma parte da sociedade, como uma espécie de herói no Reino Unido, pelas suas visões anti-imigração.

“Por que está Tommy Robinson em solitária na prisão por dizer a verdade? Devia ser libertado e aqueles que encobriram esta desgraça deviam ocupar o seu lugar na cela”, escreveu Musk, divulgando um documentário no qual o extremista britânico diz ter sido “silenciado pelo Estado”, e que já tem mais de 146 milhões de visualizações na rede social X, tendo sido partilhado por mais de 100 milhões de utilizadores, incluindo Musk.

O extremista, que esteve banido do Twitter por discurso de ódio, voltou à plataforma depois de Musk adquirir a rede social e renomeá-la como X. Além do crime pelo qual está atualmente detido, Tommy Robinson já esteve preso por assalto, em 2005, e fraude, em 2014.

Em 2009, fundou a organização de extrema-direita e islamofóbica, English Defence League, que esteve ativa até 2013.

Mário Machado pede asilo político a Musk

Aproveitando o espírito ativista de Musk, um dia depois de o magnata começar a apelar à libertação de Tommy Robinson, também o português Mário Machado veio pedir a ajuda do dono do X.

“Elon Musk, serei detido em fevereiro de 2025 por ter escrito um tweet de sete palavras num tom irónico e sarcástico contra ativistas da esquerda. Será possível pedir à embaixada dos EUA em Lisboa asilo político depois da tomada de posse de Trump?”, questionou o extremista português, condenado a dois anos e 10 meses de prisão por incitamento ao ódio.

Na rede social X, Mário Machado e outro arguido apelaram à "prostituição forçada" de mulheres dos partidos de esquerda.

O neonazi e antigo dirigente da Nova Ordem Social foi também dirigente do grupo de supremacia branca Hammerskins e antigo dirigente da Frente Nacional.

O apoio à AfD e o rótulo “falso” de extrema-direita

Na Alemanha, Musk começou por chamar o chanceler alemão de “idiota incompetente”, pedindo a sua demissão, após o ataque numa feira de Natal em Magdeburgo, que vitimou seis pessoas, a 20 de dezembro.

Pouco mais de uma semana depois, o dono do X e “primeiro-amigo” de Trump anunciou o seu apoio ao partido de extrema-direita, o Alternativa para a Alemanha (AfD), num artigo de opinião. O timing não é inocente: com o fim da “coligação semáforo”, entre SPD, Verdes e liberais do FDP, estão marcadas novas eleições no país para o dia 23 de fevereiro.

No Welt am Sonntag, o homem mais rico do mundo aclamou que apenas o AfD “pode salvar a Alemanha” e que o rótulo de extrema-direita é “claramente falso”.

“A líder do partido, Alice Weidel, tem uma parceira do mesmo sexo do Sri Lanka. Isso não soa a Hitler ou soa? Por favor”, escreveu Musk.

O artigo de opinião levou a editora de opinião do jornal a demitir-se no dia seguinte.

Para o investigador Ricardo Ferreira Reis, Elon Musk tem vindo a garantir a estes partidos e personalidades da extrema-direita não só “validação em termos de discurso, mas principalmente validação financeira”, deixando-os salvaguardados de dificuldades financeiras.

À Renascença, o professor da Católica Lisbon Business and Economics afirma que o homem mais rico do mundo pode reforçar o peso eleitoral da AfD nas próximas eleições alemãs e que os países europeus não podem dar espaço para a imposição de narrativas extremistas.

“O ambiente político europeu não se pode pôr a jeito de ser fragilizado por argumentos tão fáceis como aqueles que Elon Musk consegue pôr em cima da mesa”, considera.

Hitler comunista? Roubo não é crime na Califórnia? A entrevista a Alice Weidel

Anunciada pelo próprio na plataforma, a entrevista de Elon Musk à líder da AfD aconteceu no X a um mês e meio das eleições na Alemanha e contou com algo pouco habitual em entrevistas: o apoio do entrevistador à entrevistada, ao longo da conversa.

Entre afirmações polémicas sobre a apresentação da AfD como um partido não extremista, o roubo “não ser crime” na Califórnia ou a necessidade de uma civilização humana em Marte, Musk e Weidel falaram também sobre como Adolf Hitler “não era de direita”, mas sim um “comunista”.

“[O partido Nazi] nacionalizou a indústria. O grande sucesso dessa terrível era foi rotular Adolf Hitler de direita e conservador. Era exatamente o oposto. Não era conservador. Era comunista e socialista”, afirmou Weidel, repetindo a mesma declaração no dia seguinte, em entrevista ao canal televisivo alemão n-tv: “Não retiro o que disse. Adolf Hitler era de esquerda.”

O revisionismo histórico por parte da líder do partido de extrema-direita não é novo, mas tem vindo a ser repetido e nunca tinha sido afirmado numa plataforma tão grande como foi a de uma entrevista no canal de uma das contas mais seguidas da rede social X.

A entrevista de Musk e as leis europeias

A entrevista de Musk a Weidel esteve sob o olhar atento da Comissão Europeia, devido à disseminação de desinformação em altura de campanha para as eleições alemãs.

A juntar a isso, a rede social X está a ser investigada desde dezembro de 2023 pelo Regulamento dos Serviços Digitais da UE devido à propagação do discurso de ódio e à manipulação intencional para influenciar eleições.

Um dos candidatos às eleições alemãs, Damian Boeselager, fez um pedido escrito à Comissão Europeia para que seja examinada a “interferência” de Musk nas últimas eleições europeias, realizadas em junho, e investigada a legalidade da aparente promoção das publicações do dono da rede social no X, à luz do Regulamento dos Serviços Digitais da UE.

A denúncia tem em conta uma investigação da página Plataformer, de fevereiro de 2023, que avançava que o algoritmo do X tinha sido reconfigurado para que os tweets de Musk fossem promovidos para aparecer mais vezes no painel de cada utilizador.

Em resposta, Musk criticou a Comissão Europeia, referindo que o funcionamento do bloco europeu é “anti-democrático” e exigindo um maior poder para o Parlamento Europeu.

Gronelândia como parte dos EUA e os “ditadores” da Roménia

E Musk não dirigiu as suas opiniões apenas para Reino Unido, Alemanha e Comissão Europeia. Sobre a intenção de Trump anexar a Gronelândia, o homem mais rico do mundo afirmou que o território que pertence à Dinamarca é “bem-vindo” no território da América.

“Se o povo da Gronelândia quer ser parte da América, e que espero que queira, seria muito bem-vindo”, escreveu no X, em resposta a uma publicação do filho de Donald Trump, que visitou o território na passada semana.

Dias antes, Trump havia declarado não excluir o uso de força militar para tornar a Gronelândia parte dos EUA.

Já na Roménia, e após o Tribunal Constitucional ter cancelado a eleição presidencial por provas de interferência da Rússia, Musk chamou “ditadores” aos juízes.

“Como pode um juiz cancelar uma eleição e não ser considerado um ditador?”, questionou, depois da decisão que anulou a eleição de Calin Georgescu, devido a informações que alegavam que a Rússia tinha levado a cabo uma campanha em grande escala para promoção desse candidato.

Perante tantos envolvimentos políticos de Musk, o primeiro-ministro norueguês veio mostrar-se "preocupado" e pediu aos políticos que se distanciem de Musk, caso este se queira envolver na política norueguesa.

"Considero preocupante que um homem com um enorme acesso às redes sociais e incríveis recursos económicos se envolva tão diretamente em assuntos internacionais de outros países", afirmou Jonas Gahr Stoere na passada semana.

Meloni, “ainda mais bonita por dentro do que por fora”

No meio de críticas a meia Europa, Musk tem em Giorgia Meloni, a primeira-ministra de Itália, uma amiga. O primeiro encontro entre ambos aconteceu em junho de 2023, quando Musk visitou a residência do chefe de Governo italiano, o Palazzo Chigi.

Seis meses depois, foi um convidado especial no Atreju, um festival da juventude do partido de Meloni, o Irmãos de Itália (FdI), em Roma.

Em outubro do ano passado, Musk foi convidado a entregar um prémio a Meloni nos Global Citizen Awards da Atlantic Council, uma organização de interesses internacionais, pelas suas contribuições para as relações transatlânticas. Na gala, o homem mais rico descreveu a italiana como “ainda mais bonita por dentro do que por fora”.

E um mês depois, na vitória de Trump nas eleições norte-americanas, Meloni escreveu no X que esteve em contacto com Musk e que via a nova presidência como um “ativo valioso tanto para os EUA como para Itália”.

Na semana passada, Meloni defendeu o envolvimento de Musk na política europeia durante uma conferência de imprensa, referindo que o empresário está a usar o seu direito de liberdade de expressão e rejeitou que se tratem de “interferências”.

“O problema está em quando pessoas ricas usam os seus recursos para financiar partidos ou associações por todo o mundo para influenciar escolhas políticas de nações. Não é isso que Musk está a fazer”, considerou, atacando George Soros.

E partiu depois ao ataque: “O problema é Elon Musk ser influente e rico ou não ser de esquerda?”, questionou, descrevendo Musk como um “génio”.

As palavras meigas de Meloni surgem numa altura em que o governo italiano equaciona um acordo com a Starlink, empresa de Musk, para o fornecimento de sistemas de telecomunicação, avaliado em 1,5 mil milhões de euros, que tem sido amplamente criticado pela oposição.

“Avalio os investimentos estrangeiros através da lente do interesse nacional, não através de amizades ou de ideais políticos de investidores”, defendeu Meloni.

Comprar o TikTok? É "pura ficção"

A notícia surgiu esta terça-feira através de fontes próximas do processo à Bloomberg, mas rapidamente foi desmentida. Depois do X, Elon Musk surge como um potencial comprador da rede social TikTok nos Estados Unidos, numa altura em que corre o risco de ser banida do país.

A decisão, que está no Supremo Tribunal norte-americano, poderá ser conhecida em breve e responsáveis chineses preferem que a rede social continue em poder da empresa ByteDance.

Em reação, o TikTok considerou a possibilidade como "pura ficção". "Não se pode esperar que façamos comentários sobre algo que é pura ficção", reagiu a empresa, num comentário citado pela agência de notícias Efe.

O encerramento do TikTok nos EUA pode ocorrer apenas um dia antes do regresso de Trump ao cargo, a 20 de janeiro.

Enquanto no primeiro mandato (2017-2021) o republicano tentou proibir a rede social, desta vez pediu ao Supremo Tribunal dos EUA que impedisse a entrada em vigor da lei até à tomada de posse, depois de ter prometido na campanha que iria "salvar o TikTok".

Musk, que se tornou um dos aliados mais próximos de Trump, tem interesses significativos na China, onde está localizada a principal base de produção global da sua empresa Tesla.

O magnata já defendeu, em abril passado, que "o TikTok não deve ser proibido nos EUA". "Fazê-lo iria contra a liberdade de expressão, e não é isso que os EUA defendem", disse.

O Estado chinês tem ações de classe preferenciais na ByteDance que lhe dá direito de veto sobre qualquer decisão.

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  • Joaquim
    15 jan, 2025 Paços 00:40
    Não sei de que é que a Europa está à espera para cortar relações com os EUA antes que seja humilhada! Ou então criar um exercito próprio, e participar com ele na NATO, em vez da participação individual de cada país! Com esse exercito próprio, não ficaria tão dependente dos EUA e evitaria pressões, vergonha e humilhação por parte dos EUA de Trump! Sei que o Trump não quer isso, mas nós não existimos para lhe fazer as vontades todas! Ou é só para isso que servimos? Está à espera de ser humilhada? Cortar relações com os EUA imediatamente!

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