14 nov, 2024 - 22:38 • Maria João Costa
Elias Sanbar recorre ao conhecimento e experiência de uma organização como os Médicos sem Fronteiras para descrever o que se passa em Gaza hoje.
Usa palavras como “violência” e “selvajaria” antes de explicar que “os Médicos Sem Fronteiras, que já trabalharam em 70 zonas de guerra, em todo o mundo, nunca viram o que veem em Gaza!” afirma.
Este diplomata palestiniano, que está em Lisboa a convite do Festival de Cinema LEFFEST e do produtor Paulo Branco, que quis organizar no evento uma secção dedicada à cultura palestiniana, é perentório quando questionado sobre que noticias lhe chegam diariamente do terreno.
Se, no início do conflito, as mães escreviam nos corpos das crianças os seus nomes para poderem ser identificadas caso fossem mortas, hoje são os médicos que o fazem.
“Dizem agora que nos hospitais há muitas crianças feridas e doentes, em cujos braços é escrito: ‘Esta criança não tem mais ninguém no mundo. Toda a sua família desapareceu. Não há ninguém para contactar’”, relata.
“Estes escritos expressam todo o horror, a falta de humanidade nesta história. Isto não é possível. Isto não é aceitável!”, reclama Elias Sanbar.
Este antigo embaixador da Palestina na UNESCO, nascido em Haifa, reconhece que o ataque de 7 de outubro do ano passado levado a cabo pelo Hamas, que voltou a incendiar os ânimos e desencadeou o ataque de Israel a Gaza, foi um crime de guerra, mas teme que a resposta desproporcionada, na sua opinião, também o seja.
“Houve um crime de guerra. A partir do dia 9, Israel respondeu a esse crime de guerra, e estamos agora no 13.º mês, com crimes de guerra quase a cada hora. Portanto, há uma espécie de represália e de vingança contra um povo. O objetivo não é apenas pagar esse primeiro ataque de 7 de outubro. O objetivo é forçar a população palestiniana a sair. É uma situação que é idêntica, equivalente, à expulsão do povo palestiniano em 1948” aponta.
Este escritor e historiador tem experiência na via do diálogo. No passado participou em negociações sobre refugiados, entre israelitas e palestinianos. Contudo, acha que hoje não há diálogo possível, mesmo quando diz Israel quer passar essa mensagem.
“Aquilo que construímos foi destruído por esta guerra. Quando tem 40 mil crianças mortas, você não pode ter uma opinião palestina que diga: 'bom, vamos ver o que vamos fazer com eles'. Há um enorme fosso que nasceu desta barbárie e que continua”, explica.
Elias Sanbar questiona: “A paz é possível? Eu digo que sim, mas em quanto tempo? Não sei. Em que condições? Não sei, e em que estado de espírito?”. Perguntas para as quais não encontra resposta, mas há uma palavra que este palestiniano diz que todos percebem e que descreve o que tem faltado e que é “misericórdia”.
“O que dizem hoje os palestinianos? Estou a falar de pessoas simples, de cidadãos. Não estou a falar de pessoas que lhe vão dar uma teoria, um estudo sobre a situação. O que dizem quando veem o massacre e a maldade, a violência contra civis, o que dizem? Dizem, como é querem que vivamos com o povo israelita que não tem misericórdia? É a misericórdia”, sublinha.
Este diplomata, que já deu aulas no Líbano, lamenta que os israelitas estejam “habitados pelo ódio” e se vinguem “de forma cega contra as crianças”. “Não há misericórdia”, volta a repetir. “Estas pessoas são impiedosas e sem misericórdia” remata.
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Em Portugal, nas iniciativas promovidas pelo LEFFEST, mas também nas ruas, diz ter encontrado apoio à causa palestiniana. Questionado sobre o futuro, Elias Sanbar mostra-se preocupado com a nova administração norte-americana de Donald Trump.
No entanto, conhecendo bem os palestinianos diz que sabe que não vão desistir. “Apesar de tudo o que pagam, de todos os sacrifícios, e os milhares de crianças que foram assassinadas, o povo palestiniano levanta-se e continua a exigir os seus direitos”, explica à Renascença, numa entrevista sentado num dos mais luxosos hotéis de Lisboa.
“É um povo admirável, porque acredita que vai alcançar os seus direitos e a igualdade. Não há direitos, sem igualdade. Isso é a primeira coisa que me dá esperança. A segunda, é que a questão e o conflito palestiniano começaram há mais de um século, passamos por períodos muito difíceis, várias vezes foi anunciado o nosso desaparecimento, mas não desparecemos”, indica.
Mas Elias Sanbar acrescenta mais uma questão e uma certeza: “Eu sei quem são os meus, e sei com que simplicidade e força se batem pelos seus direitos. É isso que me faz acreditar. Depois, uma terceira coisa, para onde é que querem que vamos? Se acham que vamos dizer, ‘muito bem, obrigada, adeus, vamos desaparecer da paisagem’, não vamos, não o fazemos há mais de um século!”
As certezas de um palestiniano num conflito que tem tudo de incertezas no que toca ao minuto seguinte.