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Eleições nos EUA

Trump venceu. O que pode a Europa esperar na economia, defesa e ambiente até 2029?

08 nov, 2024 - 15:15 • João Pedro Quesado

A vitória de Donald Trump não foi inesperada, mas nem por isso terá menos impacto na União Europeia. As várias diferenças de filosofia e a política isolacionista de "América Primeiro" apresenta riscos para os países deste lado do Atlântico.

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A vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais de 2024 nos Estados Unidos da América (EUA) confirmou os receios europeus sobre o ano eleitoral. Se Kamala Harris podia representar uma continuidade na parceria entre os dois lados do Oceano Atlântico, o regresso de Trump promete ser o oposto disso.

Com diferenças gritantes para a União Europeia nos vários capítulos da sociedade moderna, o 45.º e 47.º Presidente dos EUA promete ter impacto diferentes na vida dos europeus.

Europa sozinha na defesa?

Desde que anunciou formalmente a candidatura presidencial para as eleições de 2024 – a 15 de novembro de 2022 – que Donald Trump prometeu regressar à agenda “América Primeiro” no âmbito da política externa.

Crítico da ajuda militar dos EUA à Ucrânia, Donald Trump tem repetidamente afirmado que vai pôr fim ao conflito provocado pela invasão russa “em 24 horas”. O método não é especificado, mas Trump já sugeriu várias vezes que teria evitado a guerra com um acordo em que Ucrânia cederia os territórios do leste do país à Rússia.

Antes desse passo, o novo Presidente eleito pode usar a mesma manobra de 2019, retendo o fornecimento de ajuda já aprovada pelo Congresso dos EUA. Nesse ano, Trump bloqueou ajuda a Kiev enquanto tentava coagir Volodymyr Zelensky para este anunciar uma investigação crime contra Joe Biden – um episódio que levou ao primeiro processo de destituição do cargo contra Trump.

A falta de evolução no conflito na Ucrânia, sem grandes investidas por parte da Rússia enquanto Kiev procura aguentar o território que controla atualmente (mesmo depois da investida numa parte do território russo), pode ser um sinal do conforto de Vladimir Putin em esperar pelo resultado das eleições norte-americanas para obter uma posição mais favorável.

Outra consequência de um segundo mandato de Donald Trump pode também ser um esvaziamento da NATO, quer através de uma saída dos EUA do pacto de defesa comum, quer através da redução do financiamento norte-americano.

Por um lado, isso pode forçar os países da UE a aprofundar a integração também no capítulo da defesa, mesmo que aconteça fora da arquitetura da União Europeia. Por outro lado, vários países podem preferir garantir compras de armas de fabrico norte-americano para se manter nas boas graças da nova Casa Branca.

As ações passadas de Trump também servem de oráculo no que toca a Israel, à Faixa de Gaza, ao Líbano e o resto da região do Médio Oriente. O republicano disse que Israel deve “acabar com o problema” e disse que o seu governo vai “esmagar” manifestações pró-Palestina e “atrasar o movimento 25 ou 30 anos”.

Um comércio de taxas alfandegárias

O lema “América Primeiro” também apresenta a política comercial de Donald Trump, que já prometeu aplicar taxas alfandegárias aos produtos importados para os EUA, entre 10% e 20% (e de 60% para produtos chineses). Caso o plano seja posto em prática, a Goldman Sachs prevê que o euro perca até 10% do valor face ao dólar.

Essa perspetiva não é uma novidade para a UE. Da primeira vez que esteve na Casa Branca, entre 2017 e 2021, Donald Trump impôs taxas alfandegárias de 25% sobre as importações de aço europeu, e 10% para as importações de alumínio, num total de 6,4 mil milhões de euros (pagos pelos consumidores norte-americanos, tornando os produtos com base em matérias-primas europeias mais caros). A UE retaliou com taxas sobre produtos dos EUA no valor de 2,8 mil milhões de euros.

Essas taxas foram suspensas em 2022, de forma mútua, e negociações consequentes com a administração Biden resultaram num sistema de taxas para produtos importados acima dos volumes considerados historicamente normais. As taxas estão suspensas até 31 de março de 2025, mas podem facilmente ser retomadas caso a nova administração Trump faça o prometido.

Há outras disputas comerciais por resolver entre UE e Estados Unidos, nos capítulos dos subsídios para veículos elétricos e no regresso do tribunal da Organização Mundial do Comércio.

Também os subsídios dados por cada um dos blocos à Airbus (do lado europeu) e à Boeing (do lado americano) podem voltar à lista de disputas, principalmente quando a Boeing está em desvantagem no mercado e ainda a recuperar das consequências de uma série de acidentes provocados por falhas de engenharia nas suas aeronaves de passageiros.

Os planos para deportar imigrantes de forma massiva podem ainda causar mais pressão inflacionária nos EUA, devido à falta de mão de obra, subindo os preços e colocando pressão sobre a Reserva Federal para manter taxas de juro altas, ou subir. Nesse caso, o Banco Central Europeu poderia ser pressionado a seguir o mesmo caminho, prejudicando a economia.

Por outro lado, se Trump seguir a lógica de alguns dos seus conselheiros e revogar medidas do grande programa de investimentos de Joe Biden – que coloca 500 mil milhões de dólares do estado federal norte-americano em projetos da indústria tecnológica (como o fabrico de semicondutores e processadores), hidrogénio e energias renováveis -, estas indústrias podem sentir-se motivadas a virar agulhas para a União Europeia.

Marcha-atrás ambiental

Trump promete regressar ao caminho trilhado entre 2017 e 2021, e voltar a retirar os EUA do Acordo de Paris – que compromete os 196 países signatários a limitar o aumento das temperaturas médias globais a 1,5 graus Celsius acima dos níveis pré-industriais.

Enquanto os EUA já são responsáveis por mais de um décimo da poluição responsável pelo aumento da temperatura global, uma análise aponta que uma nova presidência de Trump pode acrescentar, através da retirada de compromissos ambientais e favorecimento dos combustíveis fósseis, até 4 mil milhões de toneladas às emissões dos Estados Unidos até 2030.

Esse valor é equivalente à soma das emissões anuais dos EUA e Japão, e anula os esforços do resto do mundo na produção de energia limpa. O valor dos danos globais no clima – que incluem um aumento dos desastres naturais, como as inundações de Valência - pode ascender a mais de 900 mil milhões de dólares.

A baixa estima que Trump tem pela luta pela sustentabilidade também pode aumentar o fosso entre a regulação ambiental dos dois lados do Atlântico (pressionando a UE a reduzir as exigências que faz às empresas) e bloquear esforços multilaterais para novos acordos sobre temas como a produção de plástico.

Mais diferenças no digital

Esse aumento de diferenças entre UE e EUA também se fará sentir no capítulo da tecnologia, onde a União Europeia tem produzido regulação abrangente - através da Lei de Serviços Digitais, Lei de Mercados Digitais e da Lei da Inteligência Artificial.

Em primeiro lugar, os dois blocos podem deixar de se coordenar neste tema, se Trump puser fim ao Conselho de Comércio e Tecnologia EUA-UE criado em 2021.

Sem posições claras neste tema, é preciso olhar para o lado de Donald Trump para tentar perceber o que pode acontecer. Uma figura que tem surgido ao lado de Trump, e que até passou a noite eleitoral com o Presidente-eleito, é Elon Musk, dono da rede social X.

Musk e o X têm estado na mira da União Europeia por não cumprir as novas regulações europeias, nomeadamente no âmbito da moderação de conteúdo. Caso a disputa chegue às multas previstas na lei, Musk pode pressionar o seu novo aliado a movimentar-se para pressionar a UE a mudar de ideias.

Também a Google tem estado sob pressão dos dois lados do Atlântico, com processos judiciais nos EUA (já desde a primeira administração Trump) que podem acabar com juízes a determinar a separação de partes do negócio da empresa. Trump parece estar contra essa tendência, apontando que a “China tem medo da Google” - algo que o republicano quererá manter.

E os Estados Unidos?

Um dos temas da segunda campanha de Donald Trump foi a ideia de retribuição. E se a primeira presidência foi marcada, principalmente no início, por caos, lutas internas, notícias sobre não encontrar interruptores e não saber fazer chamadas de conferência, e ordens executivas fáceis de revogar pelos tribunais, o regresso à Casa Branca promete ser diferente.

O Projeto 2025, criado pela Heritage Foundation para planear a transição e segundo mandato de Trump, especifica muitas medidas. As mais marcantes resumem-se como um desmantelamento da separação de poderes e expansão sem precedentes dos poderes presidenciais.

Além da deportação de imigrantes, Trump quer substituir empregados da administração pública federal por pessoas leais à sua causa, usar o exército para a manutenção da lei e ordem dentro dos Estados Unidos (revogando a Lei Posse Comitatus, de 1878), e colocar agências que devem ser independentes, como as que regulam as comunicações e concorrência, sob a sua autoridade direta.

Além disso, há o controlo sobre o Departamento de Justiça, que pode ser usado para investigar e perseguir rivais políticos - e, no caso de Trump, potencialmente para pôr fim a processos judiciais que o investiguem. O facto é que o consenso jurídico norte-americano, que dá imunidade civil e criminal aos Presidentes enquanto estão na Casa Branca, já chegará para interromper as investigações que o atormentavam desde 2021.

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  • ze
    08 nov, 2024 aldeia 22:08
    A "europa" deve começar a mudar de politicas, deve voltar a fazer tudo para ser forte económicamente,para não precisar dos USA,desenvolver a industria, o comercio,criar riqueza e ter esperança no futuro que construirem,
  • Joaquim
    08 nov, 2024 Paços 19:45
    Pode aprender que não pode ficar tão dependente dos EUA! E que por cada medida protecionista do mercado americano que ele imponha à Europa, ela deve responder exatamente na mesma moeda!

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