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Portugal, a América e as Nações Unidas

Rangel e os 14 anos sem visitas presidenciais americanas. "Não somos um parceiro que suscite preocupações especiais"

08 nov, 2024 - 20:28 • José Pedro Frazão, enviado da Renascença aos EUA

No rescaldo das eleições norte-americanas, o ministro dos Negócios Estrangeiros está convicto que um corte do financiamento de Washington não vai parar as atividades da ONU. Paulo Rangel apresentou, em Nova Iorque, a candidatura de Portugal ao Conselho de Segurança e admite que o organismo possa ter dois países africanos, além de Brasil e Índia, já expressamente apoiados por Portugal.

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“Não somos um parceiro que suscite preocupações especiais” aos Estados Unidos, afirma o ministro dos Negócios Estrangeiros em entrevista à Renascença. Paulo Rangel comenta assim os 14 anos sem visitas presidenciais americanas a Portugal.

Prevenção, parceria e proteção são os termos que dominam o lema de Portugal nesta candidatura ao Conselho de Segurança das Nações Unidas. Que real resposta teve em relação à proposta de Portugal a assumir este cargo? Tem sinais que o encorajam neste sentido?

Sim. Portugal já apresentou em 2013 a sua intenção formal de vir a exercer o mandato de membro não-permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas no biénio de 2027-2028. Foram 12 anos de um trabalho sistemático e discreto junto de todos os Estados representados nas Nações Unidas, feito pelos vários governos e obviamente pelo corpo diplomático representado em Nova Iorque. Mas muita desta campanha faz-se nas capitais de cada país desde essa altura. E agora chegou o momento, a dois anos da eleição, de fazer uma campanha assumida.

Ao longo destes anos temos tido indicações muito positivas da simpatia com que é vista a candidatura de Portugal. Portanto, sinceramente, diria que estou otimista. A dois anos da eleição, a experiência ensina-nos que temos de trabalhar esta candidatura até ao fim.

Se a eleição final fosse hoje, julgo que estaria claramente garantido que chegaríamos ao Conselho de Segurança. Mas temos dois anos pela frente e há uma mudança sistemática, quase de 180 graus, nas condições geopolíticas, que está a ocorrer a todo o momento.

Cada ano ou semestre temos algo de diferente. É evidente que os pressupostos de apoio podem mudar. Agora é preciso uma campanha que seja uma campanha. Não apenas uma divulgação ou apenas esforços diplomáticos, mas uma campanha com tudo aquilo que é habitual nas campanhas para o Conselho de Segurança.

Um dos objetivos que define passa por "fazer pontes". Não lhe parece difícil fazer essas pontes no contexto atual geopolítico?

Não acho que seja difícil "fazer pontes". Há muita necessidade de fazer diplomacia no sentido mais clássico do termo, porque há posições muito diversas. É natural que sempre que há maior tensão, polarização e radicalização de posições, mesmo quando há diálogo, é mais difícil obter resultados que sejam satisfatórios

Portugal está numa posição ótima para isso, tem aquilo que se chama em inglês um "soft power", um poder suave. É um Estado que não representa ameaça para ninguém, que não tem anticorpos, que tem um grande conhecimento universal e uma presença histórica em todos os continentes, e que desenvolveu uma reputação e um prestígio muito singulares.

Isso dá-nos uma grande capacidade de mostrar que no Conselho de Segurança seremos uma voz que pode representar moderação, capacidade de diálogo e respeito pela diversidade civilizacional que compõe o nosso mundo de hoje.

Como é que Portugal se propõe contribuir para a reforma do Conselho de Segurança?

Esse é um tema dificílimo. Portugal já tem vindo há muito tempo a exprimir uma posição favorável a um alargamento do Conselho de Segurança a países como o Brasil, como a Índia, eventualmente a dois países africanos.

Que sejam Iusófonos?

Na questão dos dois países africanos, o que tem circulado nos documentos de discussão é que não haja membros permanentes, mas que sejas criados dois lugares permanentes para dois países africanos que não têm que ser sempre os mesmos. Isto não quer dizer que seja assim.

A posição que Portugal e outros países no sentido de uma reforma já existia há muito tempo. O que mudou foi que, agora, os países que têm posição permanente e até direito de veto aceitam discutir esta questão. Por exemplo, os Estados Unidos formularam uma intenção de aceitar a representação de dois países africanos permanentes. Portanto, estamos numa outra fase.

Se isto vai traduzir-se em alguma reforma efetiva, isso é outra questão. Agora, nunca tínhamos chegado ao ponto em que Estados que tinham os seus lugares garantidos estavam disponíveis para fazer um alargamento desse tipo. Parece-me bastante difícil eliminar o direito de veto dos cinco atuais membros do Conselho de Segurança.

Com o exemplo que tivemos do primeiro mandato de Trump na Casa Branca, não teme uma desvalorização das Nações Unidas com a nova administração americana?

As Nações Unidas têm passado por momentos ativos, presentes e visíveis e por outros momentos de menor influência. Isso não é uma coisa nova. Por exemplo, durante a Guerra Fria, todos os assuntos que indireta ou diretamente mobilizassem alguma das duas superpotências, terminavam num impasse sistemático. O que não quer dizer que não se pudessem resolver muitos conflitos, mas sempre que havia uma afetação de um interesse relevante desses Estados, tudo paralisava.

A questão é o financiamento da ONU.

Veremos qual será a atitude da nova administração americana a partir de agora. Penso que as Nações Unidas já contavam que, no caso de haver uma administração menos entusiástica do papel desta organização, terem um plano de contingência. Portanto, elas não vão ficar paralisadas em caso nenhum, mesmo que haja alguns cortes. Mas evidentemente que isso dificultará as suas tarefas, se assim for.

Encorajaremos os Estados Unidos, enquanto parceiros bilaterais, que veem os Estados Unidos como um parceiro estratégico com o qual queremos manter uma relação muito positiva - e sempre tivemos esta posição, qualquer que fosse a administração que saísse destas eleições - a que continuem a apostar nas Nações Unidas.

Nem Biden nem Trump visitaram Portugal nos seus mandatos como Presidentes. Portugal é o aliado europeu geograficamente mais próximo dos Estados Unidos. O Presidente da República tem uma palavra nesta nesta matéria, mas é ou não tempo de haver a presença de um Presidente americano de novo em Portugal?

Veremos. O Presidente Marcelo Rebelo de Sousa visitou a Casa Branca durante o seu mandato, não vejo aí nenhuma especificidade que mereça comentário. Teremos provavelmente também em 2026 um novo Presidente da República e, portanto, também haverá essa nova condição.

Portugal é um parceiro fiável dos Estados Unidos e por isso também não é um parceiro que suscite preocupações especiais.

É por isso que os presidentes americanos não têm ido a Portugal?

Por vezes, as visitas são feitas aos parceiros com os quais até se costuma ter uma boa relação, mas que representam alguns problemas. Como ministro dos Estados Estrangeiros, vejo muitas vezes que quando as coisas estão a correr muito bem, não existem imensos sinais ou manifestações muito vistosas de relacionamento mais intenso, porque justamente as coisas funcionam normalmente.

Posso garantir que, sempre que houve mudança da administração americana - nomeadamente quando isso também significou uma mudança de partido e de orientação política e não apenas de perfil do Presidente norte-americano - Portugal preparou muito bem o ciclo seguinte. Logo no dia seguinte às eleições americanas, o primeiro-ministro esteve na Cimeira da Comunidade Política Europeia, com imensos contactos com parceiros europeus e obviamente esta foi uma questão presente.

Vim a Nova Iorque fazer a apresentação da candidatura ao Conselho de Segurança e tive contactos com responsáveis norte-americanos e muitos outros países aqui acreditados, mais ao nível dos embaixadores das Nações Unidas, para fazermos um conjunto de consultas que possam preparar um novo ciclo de relacionamento bilateral entre Portugal e os Estados Unidos.

Estamos sempre a trabalhar para que as coisas corram no relacionamento bilateral. Temos todas as condições para dar continuidade aos laços de segurança e defesa, que são fundamentais. Há uma enorme aproximação económica entre as duas partes, apesar da sua diferença de dimensão. E há uma relação tradicional fundamental para a nossa ciência, para a nossa universidade e para a nossa investigação. Na relação científica e cultural, as universidades americanas continuam a ter uma relação muito forte com a academia portuguesa, com os investidores e as empresas portuguesas. Nós temos que manter esses laços e reforçá-los na medida possível. É nisso que estamos a trabalhar.
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