05 nov, 2024 - 20:12 • Diogo Camilo
Há quatro anos, depois de uma derrota para Joe Biden por uma margem confortável, a morte política de Donald Trump parecia certa. O seu primeiro mandato acabou em caos, com dois pedidos de destituição da presidência dos Estados Unidos e o afastamento de alguns dos seus maiores aliados, como o seu vice-presidente Mike Pence.
Em 2024, Trump volta a ser candidato numa corrida disputada, com o mesmo discurso inflamado com que chegou à presidência em 2016 e perdeu a corrida em 2020, o mesmo mote de sempre - “tornar a América grande de novo”, um slogan com mais de 40 anos “roubado” a Ronald Reagan - e a prometer aplicar um dos lemas de vida que “roubou” do seu mentor, Roy Cohn: “Aconteça o que acontecer, proclamar vitória e nunca admitir derrota.”
Se vencer as eleições americanas e voltar à Sala Oval, será apenas a segunda vez que um ex-presidente volta à Casa Branca depois de perder uma corrida presidencial, repetindo o feito de Grover Cleveland - eleito em 1884, derrotado em 1888 e presidente novamente em 1892.
Construiu reputação como grande construtor à custa de apoios do pai, pressões do seu advogado e perdões de dívida da cidade de Nova Iorque, que desesperava por investimento e voltar a ganhar brilho. Ganhou fama com sucessivos escândalos, reclamando que tanto boa como má publicidade “são lucro” e usou variadas situações de bancarrota como proteção para investimentos futuros.
Depois de várias ameaças, virou-se para a política e concorreu à presidência dos EUA em 2016, conquistando aos poucos o Partido Republicano e polarizando o eleitorado norte-americano. Venceu Hillary Clinton e, mais importante do que isso, criou uma legião de fãs tal que, mesmo perante um primeiro mandato marcado por uma má gestão da pandemia e inúmeras gafes, a derrota para Joe Biden em 2020 foi respondida com a contestação dos resultados e até a invasão do Capitólio em Washington D.C. Nos quatro anos seguintes, até estas eleições, tornou-se impossível dissociar os republicanos da sua imagem numa eleição. E por isso cá está ele em 2024, para recuperar o que perdeu.
Na vida, como nos seus negócios e agora na política, Trump sempre soube como explorar crises - e renascer das cinzas, mesmo quando o julgavam derrotado.
Donald Trump nasceu e cresceu em Nova Iorque. Filho do meio de uma família com cinco irmãos, com mãe emigrada da Escócia e pai filho de imigrantes alemães, viveu toda a infância numa zona nobre do distrito de Queens, a um rio de distância da vistosa Manhattan.
Em criança, gostava de jogar ao Monopólio e de brincar com blocos de construção, muito por influência do pai. Fred Trump tinha um negócio de construção de casas de custo controlado para famílias de classe média nas zonas de Queens e Brooklyn, fundado com a sua mãe, e o envolvimento do pequeno Donald e dos seus irmãos rapazes foi natural desde cedo.
A infância foi confortável a nível económico, mas dura noutros níveis. Trump sénior era exigente com os seus filhos para os “ensinar a serem matadores” e Donald foi ensinado desde cedo a trabalhar, a distribuir jornais. A mãe, gravemente doente desde que Trump tinha dois anos, teve uma presença muito distante na sua vida.
“Suspeito que a relação que teve com o seu pai diz muito daquilo em que se tornou”, explica à PBS Tony Schwartz, que escreveu a biografia “A Arte do Negócio” com Trump. “O seu pai era uma figura muito feroz. Era duro, trabalhador e tinha muito pouca inteligência emocional, como se diz nos dias de hoje.”
Quem o conheceu em pequeno descreve-o como impulsivo. Para corrigir problemas disciplinares, o pai envia-o aos 13 anos para a Escola Militar de Nova Iorque, onde aprende como ser um “bully” durante cinco anos.
A crescer num ambiente competitivo, em que a violência fazia parte quando as coisas não eram feitas da maneira certa, Donald “dominou o dormitório com um punho de ferro”, como descreve o autor de outra biografia, Marc Fisher.
Trump chega à altura da faculdade com o sonho de ir estudar para a Carolina do Sul e seguir uma carreira no cinema - quiçá de realizador -, mas a “ambição em ser o filho ideal” falou mais alto. Antes dele, o irmão mais velho, Fred Jr., havia perseguido o sonho de ser piloto de aviões e acabou afastado dos negócios da família - e ridicularizado pelo pai. É ele também a razão pela qual Donald não bebe álcool - o irmão morreu com problemas de alcoolismo, em 1981.
Assim, Donald Trump entra na Universidade de Fordham, em Nova Iorque, onde durante dois anos foi uma presença discreta, até em 1966 chegar a Wharton, uma universidade das mais prestigiadas dos EUA, onde terminou o curso de Economia. Para isso contou com a ajuda na admissão, através de um funcionário ex-colega de turma do seu irmão mais velho, Freddy.
Durante este período, por quatro vezes, Trump usou o seu estatuto de estudante universitário para fugir à Guerra do Vietname. Terminado o curso, teve de usar outra desculpa e, por isso, terá recorrido a um podólogo, que compôs um relatório alertando para a condição médica de “bicos de papagaio” no calcanhar - uma formação óssea que se desenvolve na extremidade do osso.
No ano seguinte, em 1969, é instituído um sistema que passava pelo sorteio de todos os aniversários para a recruta: o de Trump foi o número 356 entre 366 dias e nunca foi chamado a servir o seu país.
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Donald começa a envolver-se no negócio do pai enquanto ainda estava na universidade, mas a ambição era maior. A porta para Manhattan abriu-se no Le Club, em 1973, quando conheceu Roy Cohn no bar frequentado pela elite do distrito nova-iorquino, a propósito de uma disputa que a família Trump tinha, em que era acusada de discriminar famílias negras nos seus apartamentos de custo controlado, em alguns casos cobrando o dobro ou o triplo do que cobravam por apartamentos a famílias brancas.
Cohn era uma figura conhecida do público norte-americano. Nos anos cinquenta esteve ao lado do senador McCarthy nos interrogatórios para desmascarar comunistas e em Nova Iorque funcionava um pouco como um “faz-tudo”, gabando-se de que os seus clientes o contratavam pela sua capacidade para assustar os inimigos.
Ao lado de Donald, e num caso em que a vitória era pouco esperada, não foi provada a acusação contra a família Trump e o processo acabou em acordo sem a admissão de culpa.
Do advogado, que o introduziu à elite nova iorquina e o ajudou a facilitar negócios, retirou também as suas três regras para o sucesso:
1. “Atacar! Atacar! Atacar!”
2. “Admitir nada e negar tudo”
3. “Aconteça o que acontecer, clamar vitória e nunca admitir a derrota. E estar disposto a fazer qualquer coisa a qualquer pessoa”
A relação entre ambos foi motivo de um filme lançado recentemente: “O Aprendiz” romantiza sobre como ambos se conheceram e a influência de Cohn na “persona” que Trump transpira atualmente.
A primeira grande construção de Donald surge em 1976, com a remodelação do então desocupado Hotel Commodore no que é agora o Hotel Grand Hyatt. Embora não tivesse dinheiro suficiente para comprar o hotel, Trump usou a sua relação pessoal com a cadeia de hóteis da Hyatt e o dinheiro e influência política do pai e de Cohn dentro do Partido Democrático para negociar um acordo pouco vantajoso para a cidade de Nova Iorque.
Com o negócio, Trump iria receber isenções de impostos de 400 milhões de dólares ao longo de 40 anos, que usou como garantia para persuadir o Commodore a vender-lhe o hotel e o grupo Hyatt a juntar-se a si para o comprar.
Por essa altura, os EUA viviam uma altura de tensão com o Irão e de Guerra Fria com a União Soviética. O novo presidente em 1980 seria o republicano Ronald Reagan, chegando à presidência com o slogan “Let’s Make America Great Again”. Soa familiar?
Uma história que mostra bem a ambição de Trump na altura foi contada por um jornalista que em 1984 recebeu uma chamada enquanto preparava a lista da Forbes 400 - que juntava as quatro centenas de americanos mais ricos daquele ano.
Do outro lado da chamada estava “John Barron”, um alter-ego usado por Trump para tentar convencê-lo de que a riqueza de Fred Trump havia passado para o filho, para que Donald surgisse mais acima na lista.
Sem se perceber quem estava do outro lado da linha, o jornalista Jonathan Greenberg acabou por aumentar a riqueza de Donald Trump para os 400 milhões de euros naquele ano, quando na realidade era muito menor.
Ao primeiro hotel juntou-se a Trump Tower e a Trump Plaza, com lojas luxuosas e pormenores extravagantes, expandindo o seu império para a Nova Jérsia, onde fez nascer três casinos, construindo reputação como grande construtor, cimentada em livro com a “Arte do Negócio” - uma espécie de biografia lançada em 1987.
Mas nem tudo foram sucessos. Ao longo dos anos, as empresas de Trump entraram em bancarrota por seis vezes, um mecanismo usado como proteção para que continuassem em atividade sem terem de arcar com dívidas. Foi o que aconteceu com o Trump Taj Mahal, que em 1990 considerou ser a “oitava maravilha do mundo”. Pouco mais de um ano depois, o negócio foi por água abaixo, com os outros dois casinos a seguirem-se em 1992. No mesmo ano também caiu o negócio do Hotel Plaza, em Nova Iorque - o mesmo do filme “Sozinho em Casa 2”.
É nesta altura que ganha também a etiqueta de celebridade, tornando-se capa de tablóide inúmeras vezes devido ao seu divórcio com Ivana Trump, com quem casou em 1977 e de quem teve três filhos: Donald Jr., Ivanka e Eric. Viria a ter mais dois filhos - Tiffany, com Marla Maples - e Barron - com a atual mulher, Melania.
Para si, boa ou má publicidade é “lucro” e essa sede de aparecer torna-se cada vez mais notória. Seja através de filmes - como o “Sozinho em Casa 2: Perdido em Nova Iorque” - da televisão - com a sua série “O Aprendiz”, que rodou entre 2004 e 2015 - ou outras formas pouco ortodoxas - como aparições em wrestling ou a compra do concurso Miss Universo -, Trump construiu a sua imagem e tornou-se um rosto reconhecível por todos os EUA.
De maneira a proteger-se de futuros fiascos, Donald cria a Trump Hotels and Casino Resorts, o que lhe permite vender parte dos ativos ao público, ficando a controlar 56% das ações. Em 2004, sem conseguir pagar empréstimos e sem lucros, reduz a sua posição para 27% e deixa de ter um papel ativo nas empresas.
Dos hotéis e resorts por todo o mundo, tal como noutros produtos como sapatilhas, bifes e até vodka, só mantém o nome.
Perfil
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Donald já tinha dado a entender em entrevistas nos anos 90 que a presidência era um desejo. Em 2012, chegou a considerar concorrer contra Barack Obama, mas a oportunidade chegou seis anos depois.
Em 2016, chegou como "outsider", conquistou aos poucos o Partido Republicano e o eleitorado. Venceu Hillary Clinton, uma candidata experiente, mas o seu mandato na Casa Branca foi turbulento e marcado por muitas gafes, um pedido de destituição por alegada interferência nas eleições de 2020 - sem luz verde no Senado - e uma má gestão da pandemia da Covid-19.
Mesmo depois daquilo que pode ser considerado, aos olhos de hoje, uma vitória confortável - Biden venceu Trump com mais de 70 votos eleitorais de vantagem -, o ex-presidente não admitiu a derrota e encorajou apoiantes a contestarem os resultados à força.
O incentivo resultou na invasão do Capitólio de 6 de janeiro, que tinha como objetivo pressionar o Congresso e o seu vice-presidente, Mike Pence, a não elegerem Biden como presidente, e resultou na morte de seis pessoas e no segundo pedido de “impeachment” de Trump por incitamento à insurreição, que voltou a não passar no Senado.
A contestação aos resultados das eleições valeu-lhe um dos quatro processos que estão atualmente em andamento contra si: o de conspiração para interferir com a transferência pacífica de poder para Biden, sendo acusado de “disseminar mentiras” nos dois meses após o ato eleitoral de 3 de novembro de 2020. O julgamento estava agendado para março deste ano, mas foi adiado.
O ex-presidente é também acusado de interferência nas eleições no estado da Geórgia, onde Biden venceu por pouco, por ter ligado ao secretário de estado, Brad Raffensperger, em janeiro de 2021, pressionando-o para “encontrar 11.780 votos”.
Trump tem ainda de responder num processo em que é acusado de ter ficado com documentos confidenciais após deixar a Casa Branca, descobertos em buscas ao resort de luxo que também serve de sua residência, o clube de Mar-a-Lago, na Flórida.
No último, Trump foi considerado culpado de 34 crimes de fraude em Nova Iorque, por inflacionar a sua riqueza e património imobiliário, que incluíram a falsificação de registos para encobrir o pagamento de 130 mil dólares que o seu advogado Michael Cohen entregou à atriz de filmes para adultos Stormy Daniels, antes das eleições de 2016.
Em todos os processos, Trump declarou-se inocente. “Admitir nada e negar tudo”, como diria o seu mentor.
[artigo corrigido às 7h55 do dia 6 de novembro]