28 out, 2024 - 08:00 • José Pedro Frazão
Paul tem o rosto mais volumoso do quarteirão do Madison Square Garden. Não é propriamente redondo, tem até vincos de magreza na face que espreita debaixo de um chapéu de aba. Vem do Bronx, teve uma vida dura, mas não se intrometeu nas extensas filas que este Domingo dobraram as Sétima e Oitava Avenidas com a 33 Oeste em Nova Iorque.
Apesar de existir na vida real, Paul Rivera não passa de um rosto do cartaz gigantesco que promove um hospital privado que o salvou de uma fibrose pulmonar com um transplante pulmonar - em Portugal, diga-se, é matéria de ponta no serviço público de saúde.
"Toda a gente gosta de um regresso", pode ler-se na publicidade da fachada do arranha-céus, porventura um ato secundário de criatividade perante o mais mediático cabeça-de-cartaz do Domingo nova-iorquino. Também Donald Trump, regressado à ribalta política na sua cidade e na corrida presidencial, se fez afixar num poster mais pequeno, desfraldado na vizinha Penn Station, onde aponta às estrelas com um "Sonhem alto outra vez" exclamado bem em azul neon.
Com ordem para chegar a partir do meio-dia, cinco horas antes da hora anunciada do discurso do candidato republicano, as filas foram contornando pacientemente a mais famosa arena de espetáculos da cidade. Maioritariamente brancos, em doses paritárias de género, em duplas ou grupos maiores, quase todos vieram com o boné MAGA - "Make America Great Again".
O Madison Square Garden encheu-se de apoiantes de Trump, mas não apenas de nova-iorquinos.
Christopher, de 35 anos, elegante no casaco e confiante na vitória de Trump, garante que há palavras que levam o vento a soprar de feição para os republicanos. Economia e Moralidade são os dois chavões que reabrem a porta da Casa Branca a Trump, na visão deste gestor de marketing digital que veio da Georgia.
"Muitas coisas que a extrema-esquerda está a promover não agradam à grande maioria. Muitas vezes há uma maioria silenciosa que, neste momento, começa a levantar-se e a apoiar Trump. Ele vai ganhar estas eleições", assegura sem pestanejar, como se o candidato republicano fosse água destinada a passar debaixo de todas as pontes. "Acreditamos em tudo o que ele diz que vai fazer, porque já o fez", resume.
Nova Iorque não está a balançar nas sondagens como a Georgia, onde há quase mês e meio Trump agarrou a liderança das preferências que podem valer 16 importantes votos no Colégio Eleitoral. "A última eleição não foi justa na Geórgia. Sou um homem que trabalha com números e estive a contá-los condado a condado. Biden ganhou milagrosamente 90% dos votos restantes? Não acredito", insiste Christopher enquanto caminha lentamente para a entrada na arena nova-iorquina.
O que é que tem Donald Trump que é diferente dos outros republicanos que não conseguiram sequer a nomeação? Dave, 59 anos, que veio do Connecticut para o comício nova-iorquino, diz que Trump arrastou eleitorado que não se sentia representado no quadro político.
"Não acho que os republicanos tenham feito sempre um trabalho perfeito. Mas ter alguém de fora, que traz pessoas que não estavam na política, está a fazer a diferença neste país. Ele é um 'outsider", diz quem também já experimentou outras simpatias políticas. Dave e a família romperam com os Democratas - " antigamente eles eram a favor das pessoas e já não o são - e chegaram com o empresário ao campo republicano. Os apoiantes de Trump assinalam que o seu candidato é sinónimo de florescimento da economia, de imigração regulada e respeito pelos valores americanos.
Para outros, ele é simplesmente a escolha possível. Ainda assim, suficiente para Caleb, de 36 anos, ter largado a esquerda e o voto em Jill Stein e no Partido Verde para vir gritar de megafone por Trump numa esquina do Madison Square Garden.
"Ele é, de longe, o melhor candidato nesta eleição. Eu era muito crítico dele e não concordo com muito do que diz sobre muitas coisas, mas ele é claramente o melhor candidato". Perguntamos porquê e a resposta é simples como um slogan político. "Ele é o presidente da Paz, Kamala traz a Terceira Guerra Mundial". A defesa de um Presidente que não desencadeou guerras é uma peça central do argumentário do campo republicano.
Se muitos se queixam do tom belicoso de Trump, não é algo que tire o sono a Caleb. " Não julgo políticos pelo que dizem - porque dizem todo o tipo de coisas - mas pelo que fazem. Trump tem o seu estilo, não concordo necessariamente com o que diz, mas sim com o que fez. E o que ele fez na Península Coreana é algo que apoio".
Quando Caleb projetava a voz em favor de Trump, eis que surge um homem, a solo, a desafiar o orador. Insulta-o e responde com palavras de ordem a cada slogan de Caleb, que se queixa de ser chamado de nazi por este homem que atravessou a fila de apoiantes de Trump com um boné encarnado de apoio a Kamala Harris e uma t-shirt que associa Trump aos nazis.
"Não falo com apoiantes de Trump. Eles não têm importância, foram sujeitos a lavagem ao cérebro", diz-nos minutos depois. "Não se pode falar com quem não tem factos. Eu não estou a falar com eles, estou a perturbá-los", diz Greg de 56 anos.
Ao longo das centenas de metros de fila com apoiantes de Trump, vários partidários de Kamala Harris, quase sempre sem adereços de campanha, foram disparando críticas a quem esperava a sua vez para entrar no Madison Square Garden. Nalguns casos, esse contato tornou-se mais tenso, como quando uma mulher começou a filmar uma das entrevistas da Renascença com apoiantes de Trump com o seu telemóvel, soltando interjeições críticas ao que ia escutando.
O ponto mais tenso surgiu quando esta mulher não identificada quis afastar uma das entrevistadas quando esta a começou a filmar, acusando-a de "regurgitar porcaria". "Não me toque no telefone", gritou a apoiante de Trump e de imediato foram trocados insultos enquanto esta mulher, crítica do antigo Presidente, decidia desaparecer na multidão.
O campo anti-Trump foi colocado pela polícia no passeio contrário à fila de acesso ao Madison Square Garden, embora por vezes os apoiantes de ambas as partes levassem insultos e cartazes para a zona adversária. Foi assim que um homem de kippa judaica colorida e decorada com a cara de Trump fixou-se a poucos centímetros, quase nariz a nariz, dos que chamavam fascista ao homem que ia discursar na sala de espetáculos nova-iorquina.
Apesar da tensão, não se registaram incidentes, o que se pode explicar pelas barreiras de segurança colocadas nas escadarias do terminal de comboios. Centenas de críticos de Trump entoaram palavras de ordem como "Trump Criminoso", "Psicopata" ou " Trump devia estar na cadeia e não no Madison Square Garden", entre outros cartazes criativos e nalguns casos de linguagem ofensiva.
Alheias a quase tudo, cerca de meia dúzia de bancas de venda de artigos pró-Trump, sobretudo camisolas e bandeiras, foram fazendo o seu negócio, reproduzindo as principais frases de campanha e até a resposta de Trump quando foi atingido num comício do estado vizinho e decisivo da Pennsylvania. " Lutem, lutem , lutem", disse Trump combalido, num slogan que foi molde de muitas camisolas vermelhas ou brancas que se vendiam a 10 dólares à porta da principal arena da cidade neste último Domingo de outubro. Lá dentro Trump fazia prova de vida como poucas vezes conseguiu na sua própria cidade. como uma lança em terra onde tem uma torre. E agora, um comício, para tentar emoldurar, pelo menos na sua campanha.
A Renascença nos Estados Unidos com o apoio da TAP Air Portugal.