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Reportagem na América

Pensilvânia. Onde a campanha toca à campainha para que a vitória bata à porta de Kamala

03 nov, 2024 - 18:00 • José Pedro Frazão

Com o empate nas sondagens, o destino de Kamala na Pensilvânia pode estar nas mãos de centenas de voluntários que procuram mobilizar votantes para as urnas. Vêm de todo o lado e para todos os cantos do estado mais decisivo das presidenciais.

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Chegam apenas com a identificação e apresentam-se na sede de campanha. São como soldados que vão buscar a arma ao quartel para partir para a guerra. Não há fileiras pesadas, apenas parelhas ou, no máximo, um grupo para encher o carro nesta jornada. São a mão-de-obra voluntária e necessária no fim de semana mais crítico da campanha para as eleições mais esperadas dos últimos anos.

Vêm de todo o país para bater a milhares de portas na Pensilvânia. 'Canvass' é o verbo americano para o ato de saber se está alguém em casa e que precise de saber como se vota, onde e em quem. Quem prega por Kamala Harris afirma-se estritamente voluntário. No caso dos republicanos, o trabalho terá sido encomendado a uma empresa do universo de Elon Musk.

“Se ela ganhar será por causa deste trabalho no terreno”, diz Quentin, de 34 anos, um dos voluntários que acaba de chegar a uma das cinco sedes de campanha de Kamala em Filadélfia. Tirou um mês de férias na Associação Nacional de Radiodifusão em Washington para vir para as ruas da primeira capital da América.

O desafio deste trabalho é mobilizar quem está registado como votante no Partido Democrata e garantir que, de forma presencial ou por correio, o seu voto vai mesmo dar entrada nas mesas de voto. "Há eleitores que não conseguimos alcançar sem estes métodos tradicionais. E é para isso que servimos. Nem todos estão nas redes sociais e alguns eleitores não podem ser contactados por telefone", explica Quentin.

Os democratas acreditam que todos os votos serão decisivos na Pensilvânia. Donald Trump ganhou a Hillary Clinton por cerca de 44 mil votos. Biden reconquistou o Estado a Trump por 81 mil e agora as sondagens colocam os candidatos em empate técnico.

Basta seguir o guião

Depois de fazer a inscrição, todos os voluntários são encaminhados para uma rota pré-definida pela campanha. Recebem um mapa e um guião em papel que os ajuda a conduzir a conversa com os moradores identificados. O primeiro trabalho é confirmar que o morador é votante no partido. Os voluntários são instruídos a reafirmar que Kamala "é como nós, cresceu numa casa de classe média, filha de uma mulher trabalhadora".

Se este requisito for cumprido, passam à fase de "pressão social" onde lembram que já muita gente votou e ajudam a desenhar um "plano de voto" que inclui explicações sobre como se vota por correio ou onde é a mesa de voto correspondente aquela morada.

Os voluntários são treinados para serem persistentes, mas sem gastarem muito tempo em cada porta. Não devem entrar nas casas nem aceitar papéis ou ofertas dos eleitores, sobretudo os votos que deviam ir para o correio. Pelo meio, são incitados a recrutar outros voluntários e sobretudo a divertirem-se nesta tarefa.

A aplicação mágica que faz a diferença

Um novo mundo de tecnologia não parece travar a necessidade da conversa olhos nos olhos. Mas os voluntários democratas têm uma 'arma secreta' na palma das mãos. Chama-se Minivan e é uma aplicação que podem descarregar no seu telemóvel. Introduzido o código da rota atribuída pela campanha, vão poder aceder a toda a informação pública disponível sobre o morador de cada casa identificada.

"Cada endereço individual nesta aplicação mostrará a pessoa que estamos a tentar contactar, com base no seu registo eleitoral, idade e sexo, para que tenhamos uma ideia provável de qual será a sua ideologia e quem procuramos nessa porta", explica Dan, um dos coordenadores do porta-a-porta por Kamala em Filadélfia.

Tal como muitos voluntários, também ele veio de fora. Saiu do bairro de Brooklyn em Nova Iorque em 2023, já a pensar nesta batalha eleitoral da Pensilvânia. De manhã, trabalha de forma remota para uma empresa da Costa Oeste, o resto do tempo é para a campanha. Ele ajuda os caloiros do 'canvass' a cumprir a missão porta-a-porta.

Na sede vão entrando pessoas que nunca fizeram este trabalho. O Partido Democrata reforçou meios de campanha para mobilizar o voto da sua base eleitoral, com recurso a voluntários que vêm em carros e autocarros de estados como Nova Iorque ou Nova Jérsia. A escolha de estados vizinhos não é inocente, saber falar espanhol ou ser negro é essencial para conversas mais produtivas à beira dos prédios da Pensilvânia.

"Se tivermos muitos voluntários latino-americanos, focamo-nos nas zonas da cidade onde se fala espanhol. Temos um foco particular em áreas que talvez não tenhamos percorrido com tanta frequência como temos feito, pelo que fazemos algumas vagas de campanha em determinadas áreas. Vamos voltar a concentrar-se nalguns locais onde fizemos apenas uma ou duas rondas", revela Dan numa pausa do trabalho.

Filadélfia tem significativas populações afro-americanas e hispânicas, sobretudo de porto-riquenhos. De acordo com dados do projeto Movement, 92% dos eleitores negros votaram em Biden em Filadélfia em 2020. Outro alvo da campanha porta-a-porta, explica Dan, é a população branca com formação universitária, tendencialmente votante no partido Democrata.

Indecisos e independentes podem vir à rede

Enquanto isso, Quentin está pronto para seguir de novo para a estrada. Um grupo de quatro voluntários divide a viatura pelas rotas atribuídas. Nestas 48 horas, os democratas assumem que o foco está na mobilização da sua base eleitoral, tendo abandonado a fase de "persuasão" na última quinta-feira.

No dicionário, "canvass" é também sinónimo de debate. E ainda que a missão seja entusiasmar ainda mais os votantes em Kamala, há sempre espaço no guião para convencer alguém que ainda não decidiu em quem vota.

"Pelo que vou contactando, há ligeiramente mais indecisos do que as sondagens mostram. Nós falamos com eles e temos tido conversas produtivas com eles", conta Quentin, convencido de que esses votos vão acabar por favorecer Kamala Harris.

Todos repetem que o foco é usar o tempo disponível para confirmar que os democratas de Filadélfia votam em Kamala Harris. "Lá porque estão registados não significa que vão votar", alerta Dan, coordenador de campanha. Mas os democratas não ignoram que nos subúrbios da cidade há "eleitores do Partido Verde, alguns independentes ou de extrema-esquerda ou libertários" que podem alinhar com os democratas.

"Tentámos fazer esse esforço junto dos eleitores de Jill Stein, mais do que junto dos apoiantes de Donald Trump, porque entendemos que já se decidiram", remata Dan antes de voltar às ruas. O trabalho porta-a-porta decorre de manhã à noite, incluindo no dia de votação, desde que não façam campanha a cerca de 150 metros das mesas de voto.


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