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Eleições EUA 2024

Como funciona o Colégio Eleitoral dos EUA? Por que é que existe?

02 nov, 2024 - 08:30 • João Pedro Quesado

Com origens na luta por poder dos estados pró-escravatura, o sistema eleitoral para a Presidência dos EUA tem desequilíbrios na representação da população, que já provocaram dissabores a vários candidatos que foram os mais votados em todo o país.

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É uma marca das eleições presidenciais dos Estados Unidos da América (EUA): em vez de se falar em quem vai ter mais votos para se mudar para a Casa Branca, o foco está num reduzido número de estados e no peso que estes têm no Colégio Eleitoral. A decisão da Presidência dos EUA faz-se de forma indireta, efeito do contexto e da era em que o país foi fundado.

O que é o Colégio Eleitoral?

O Colégio Eleitoral é o sistema eleitoral para a Presidência e vice-presidência dos EUA, definido pela Constituição criada em 1787.

O Colégio é composto por um grupo de intermediários, representantes dos 50 estados dos EUA e também de Washington D.C., o distrito federal da capital (graças à 23.ª emenda, aprovada em 1961).

No total, o Colégio Eleitoral é composto por 538 eleitores, o que coloca a fasquia para a eleição presidencial nos 270 votos eleitorais.

Por que é que existe?

O Colégio Eleitoral é o compromisso a que foi possível chegar durante a elaboração da Constituição dos EUA, durante a convenção de 1787, que teve lugar em Filadélfia, na Pensilvânia. Vários delegados consideravam que a Presidência devia ser definida pelo Congresso, eleito pela população; outros, liderados por Alexander Hamilton, preferiam uma eleição direta.

Parte da objeção à eleição direta surgiu dos delegados dos estados sulistas, onde cerca de um terço da população era composta por escravos. Caso a eleição fosse direta, estes estados iam ter menos representação eleitoral em comparação com os estados do Norte, acima da linha Mason-Dixon (atual fronteira do sul da Pensilvânia).

Originalmente, a Constituição estabeleceu que cada eleitor no Colégio tinha direito a dois votos. O candidato mais votado tornar-se-ia Presidente, com o segundo mais votado a ser vice-presidente. Como essa solução resultou na vice-presidência ser ocupada por opositores de quem estava na Presidência, o país aprovou, em 1804, a 12.ª emenda, obrigando os eleitores a fazer votações separadas para cada um dos cargos.

Como funciona?

A representação da população no Colégio Eleitoral segue uma lógica proporcional, pelo menos em parte. O número de votos eleitorais é resultado da soma do número de representantes de cada estado na Câmara dos Representantes (cuja distribuição dos lugares é baseada no censo mais recente) com o número de senadores – que são sempre dois por estado.

Para os cálculos de representação no Colégio Eleitoral, inicialmente foi aplicado o compromisso dos três quintos, em que apenas três em cada cinco pessoas escravizadas eram contadas para o total da população - ajudando assim a aumentar o número de votos eleitorais dos estados sulistas, apesar de os escravos não terem direito de voto. Este compromisso foi revogado pela 14.ª emenda, de 1868, após a Guerra Civil. Apesar disso, o direito de voto dos negros continuou a ser reprimido nesses estados praticamente até à década de 1960, e ainda hoje enfrenta obstáculos criados por leis eleitorais.

A soma dos senadores não desequilibra o sistema?

Sim, e não é o único fator. Além dos senadores contarem para o número de votos de cada estado no Colégio Eleitoral, nenhum estado pode ter menos do que três votos eleitorais.

Isso significa que o peso e poder eleitoral dos estados mais pequenos, com menos população, é aumentado artificialmente face ao de estados de média e grande dimensão, onde há mais eleitores.

Em termos práticos, se somarmos a população dos 22 estados menos populosos dos EUA, o resultado são 38,4 milhões de pessoas – o número mais próximo da população do maior estado, a Califórnia, onde vivem cerca de 39 milhões de pessoas. A Califórnia tem, neste momento, 54 votos eleitorais, enquanto o grupo dos 22 estados menos habitados soma 95 votos eleitorais entre eles.

O resultado é que, na Califórnia, cada voto eleitoral representa cerca de 722 mil pessoas. Já nos 22 estados mais pequenos, cada voto eleitoral representa cerca de 404 mil pessoas.

Como são escolhidos os eleitores?

Em todos os estados, o conjunto de eleitores que é enviado para o Congresso depende diretamente dos resultados do voto popular. Inicialmente, muitos estados davam às legislaturas estaduais o poder de escolher estes eleitores, mas isso mudou ao longo do século XIX.

Em 48 estados e na capital, Washington D.C., todos os votos eleitorais são atribuídos ao vencedor do voto popular naquele estado. A exceção são o Maine e o Nebrasca, em que dois votos eleitorais vão para o vencedor do voto popular, e um voto eleitoral vai para o vencedor em cada um dos círculos eleitorais para a Câmara dos Representantes.

Quem são estes eleitores?

Os eleitores do Colégio Eleitoral são escolhidos pelos partidos de cada estado, que escolhem pessoas leais para o seu conjunto de eleitores. O conjunto de eleitores que depois representa o estado é determinado pelo voto popular desse estado, conforme as regras de cada um.

Estes eleitores reúnem na segunda-feira depois da segunda quarta-feira de dezembro para votar nos seus respetivos estados. Estes votos são depois contados e certificados pelo Congresso dos EUA a 6 de janeiro, já com os membros eleitos nas eleições de novembro, numa sessão conjunta do Senado e da Câmara dos Representantes, presidida pelo vice-presidente.

É essa sessão que oficializa os resultados eleitorais, e é o último passo antes da tomada de posse, a 20 de janeiro.

Os eleitores podem não votar em quem ganhou o estado deles?

Sim, e ficam conhecidos como eleitores infiéis. Mas isso acontece raramente - até 2016, só havia 90 casos de eleitores infiéis em todas as eleições presidenciais.

Apesar da expectativa de que estes eleitores respeitem os resultados eleitorais do estado, a Constituição dos EUA não os obriga a fazê-lo. Por isso, 33 estados e Washington D.C. aprovaram leis a obrigar os eleitores a respeitar os resultados e votar pelo candidato a que estão ligados.

Contudo, apenas 5 estados preveem penalizações para os eleitores infiéis, e apenas 14 estabelecem a possibilidade de estes serem removidos, ou de os votos serem cancelados.

Em 2020 surgiu um outro conceito, o dos eleitores falsos, aprovados por republicanos apoiantes de Trump em sete estados à revelia dos resultados do apuramento da votação. Muitas dessas pessoas foram acusadas de crimes eleitorais, e ainda há investigações a decorrer.

O que acontece em caso de empate?

Em caso de empate no Colégio Eleitoral, realiza-se uma eleição por contingente no Congresso. Ou seja: os representantes de cada estado juntam-se, votam no candidato preferido, e isso determina o voto do estado. O candidato com o apoio de mais estados é o eleito para a Casa Branca.

Que salvaguardas há contra tentativas de manipular os resultados?

Basta olhar para 2020 para perceber como uma tentativa de manipulação e inversão dos resultados eleitorais pode acontecer. O marco foi a invasão ao Capitólio a 6 de janeiro de 2021, numa tentativa de interromper a certificação da eleição de Joe Biden – ao mesmo tempo que vários republicanos apresentavam objeções aos votos eleitorais de estados conquistados pelo democrata.

Foi a pensar nisso que, em 2023, foi aprovada a Lei de Reforma da Contagem Eleitoral. Entre outras coisas, essa lei clarifica quais são os responsáveis políticos estaduais com poder para nomear eleitores, e impede alterações a esse processo após o dia das eleições - efetivamente bloqueando as legislaturas dos estados de tentar reverter resultados de que não gostam.

A nova lei também aumentou o mínimo de apoio necessário para serem apresentadas objeções aos votos eleitorais durante a certificação da eleição no Congresso – em vez de bastar um senador e um representante, é agora preciso ter o apoio de um quinto de cada uma das câmaras legislativas.

É possível o Colégio Eleitoral acabar?

Sim. Uma das formas é através de uma emenda à Constituição, alterando-a para mudar o sistema eleitoral para a Presidência e vice-presidência. Mas esses esforços, apesar de terem chegado perto da linha da meta na década de 1960, acabaram sempre bloqueados de alguma forma - ora por senadores dos estados do sul, ora pelos republicanos em geral.

Por isso, em meados dos anos 2000, foi criado o Pacto Interestadual do Voto Popular Nacional, um acordo com o objetivo de garantir que o ocupante da Sala Oval da Casa Branca é o candidato que recebeu mais votos em todo o país.

Mas o pacto apenas funciona quando um conjunto de estados que representem uma maioria absoluta no Colégio Eleitoral o tiverem ratificado – assegurando sempre um mínimo de 270 votos eleitorais ao vencedor do voto popular a nível nacional. Para chegar a esse ponto, é preciso recolher mais 61 votos eleitorais.

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