01 nov, 2024 - 08:15 • Diogo Camilo
Seis em cada dez norte-americanos estão preocupados ou muito preocupados com uma fraude eleitoral nas presidenciais da próxima terça-feira, dia 5 de novembro. No entanto, os casos conhecidos de tentativas de adulterar o resultado das eleições nos Estados Unidos são poucos - e têm consequências graves, se forem descobertos.
A questão tem sido alimentada pelo discurso do candidato republicano, Donald Trump, com 88% dos seus eleitores a acreditarem que não podem confiar nas eleições da próxima semana - contra 29% dos eleitores da democrata Kamala Harris que acreditam no mesmo, segundo uma sondagem divulgada pela PBS na semana passada.
Por isso, a Renascença reuniu algumas das formas de como seria possível “roubar” as eleições nos EUA, do porquê de serem pouco prováveis e da pouca influência que podem ter no resultado final, mesmo que não sejam descobertas.
Tal como em Portugal, é possível votar antecipadamente nos EUA, sendo também possível votar por via postal, através de uma carta com o boletim de voto no interior - como acontece com o voto estrangeiro nas eleições portuguesas. Este é um modo muito mais popular nos Estados Unidos que em Portugal, tendo sido responsável por 43% dos votos registados nas eleições de 2020 - muito por culpa da pandemia da Covid-19.
Nas últimas eleições, apenas cerca de 30% dos 158 milhões de votos registados aconteceram presencialmente no dia das eleições, com outros 26% a terem sido feitos presencialmente, mas de maneira antecipada.
Eleições nos EUA
Donald Trump deve fazer crescer a quota de votos o(...)
Primeiro que tudo, para votar nos EUA é preciso registar-se primeiro como eleitor. Para isso é necessário o nome, mostrando identificação (carta de condução ou número de Segurança Social) e uma morada legítima. A grande maioria dos estados permite o registo online e metade deles tem registo automático, após a renovação de documentos de identificação.
Não é o caso da Dacota do Norte, onde não é necessário qualquer registo. Para votar neste estado norte-americano, apenas é necessário ter pelo menos 18 anos e ter vivido na região nos 30 dias antes do dia de eleições.
Cada estado tem prazos diferentes: 22 dos estados permitem o registo até ao dia das eleições, mas outros são mais restritos e apenas permitem que os eleitores votem se tiverem feito o registo duas semanas antes de 5 de novembro, como o Texas ou a Flórida.
E há ainda o risco de poder ser retirado das listas, em caso de inatividade, como acontece em 20 estados norte-americanos - entre eles a Carolina do Norte, Geórgia ou Wisconsin, estados decisivos para os resultados das eleições deste ano.
Em comícios e nas redes sociais, Donald Trump e outras figuras como Elon Musk lançam suspeitas de que imigrantes ilegais estão a entrar nos EUA para votarem nas eleições de novembro.
Já aconteceu, mas são muito poucos os exemplos. De acordo com uma análise do Washington Post, entre 2002 e 2023, foram encontrados apenas 85 casos envolvendo alegações de não-cidadãos a votar.
Isto porque imigrantes dificilmente arriscam a sua situação legal nos EUA para participar em eleições, dadas as penas graves a que podem ser condenados, caso sejam apanhados.
O tempo de prisão para quem clama a nacionalidade norte-americana falsamente vai até aos cinco anos, a que acresce um ano por votar em eleições federais sem poder.
Além disso, e apesar de em alguns estados os imigrantes poderem ter um número de Segurança Social e carta de condução, as identificações e as moradas são confirmadas com outras agências norte-americanas para eliminar mortes, realocações ou pessoas que simplesmente não existem.
Há até ferramentas como o Centro de Informações de Registo Eletrónico (ERIC) que ajuda os estados a partilharem dados entre eles sobre eleitores e a remover eleitores inelegíveis ou falecidos.
Presidenciais EUA
Os cenários são improváveis mas não impossíveis, d(...)
O voto por carta é muito popular nos EUA, com oito estados norte-americanos - como a Califórnia ou o Havai - e o território de Washington DC a permitirem que as suas eleições sejam conduzidas apenas por correspondência.
As cartas com os boletins são enviadas com bastante antecedência, para que eleitores tenham o seu “período eleitoral” para decidir. O voto é colocado no boletim, o boletim num envelope confidencial e este envelope é colocado noutro envelope exterior, na qual é assinada uma declaração e onde está um código de barras único, que é específico para cada eleitor.
Isto acontece para que, quando os votos são enviados, tenham que corresponder às cartas que foram enviadas inicialmente. Assim, é impossível duplicar o boletim e o voto.
Depois das eleições de 2020, Trump e os republicanos lançaram suspeitas de milhares de votos fraudulentos em nome de eleitores falecidos, em estados como Arizona, Nevada, Pensilvânia, Michigan e Geórgia.
No Arizona, e após investigação a denúncias de 282 boletins de pessoas já mortas, foi encontrado apenas um caso que nem foi contado como voto.
No estado do Michigan foram investigadas mais de 200 denúncias, mas encontrados apenas dois casos de possível fraude: o de um filho que foi confundido com o pai falecido e o de uma mulher de 92 anos que entregou o seu voto, mas que morreu quatro dias antes das eleições.
E mesmo nisto, as leis variam de estado para estado: enquanto no Michigan este voto não conta, em 10 estados - como a Flórida e o Havaí - o voto é tão válido como qualquer outro de uma pessoa viva.
A partir do momento em que se regista o voto por carta, não é possível votar num local de voto.
Se o eleitor requisitar um voto por carta mas não o enviar, precisará de devolver o boletim para poder votar presencialmente.
Ou, em alternativa - como é possível em alguns estados como a Califórnia -, entregar o envelope selado no local de voto do respetivo condado do eleitor, em dia de eleições.
A maioria dos estados começa a contar os votos dos boletins antes do dia das eleições, como os de voto por carta ou voto antecipado, enquanto noutro isso é ilegal.
Esse é o caso da Pensilvânia, por exemplo, onde a contagem começa apenas na manhã do dia de eleições e, por isso, o final da contagem em condados com maior população é mais tardio.
Mesmo depois de anunciado o resultado nas televisões das projeções para um determinado estado, existe ainda um período de confirmação dos votos. Este acontece em todos os estados e deverá acontecer até 25 de novembro, até os resultados de cada condado serem certificados e, por consequência, o resultado nacional.
Esta é outra possibilidade com muito pouca taxa de sucesso e que tens repercussões graves. Para além da pena de prisão ser grande - as penas de prisão podem chegar aos sete anos - para a adulteração de apenas um voto, no local de voto estão representantes dos dois partidos (Democratas e Republicanos), além de inspetores que têm como função garantir a normalidade do processo eleitoral e que não há erros nas listas de eleitores.
Uma investigação da Associated Press às eleições de 2020 encontrou menos de 500 casos suspeitos nos seis estados decisivos, que representaram apenas 0,15% da margem de vitória de Biden nestes.
Entre estes estava o caso de Ralph Thurman, um republicano de 72 anos que foi condenado a três anos de prisão, com pena suspensa, depois de tentar votar duas vezes no estado da Pensilvânia: depois de votar no seu local de voto, regressou uma hora depois a usar óculos de sol e um chapéu a tentar votar em nome do seu filho. Depois de ser confrontado com quem estava a trabalhar no local, Thurman fugiu.
A página Heritage Foundation conta apenas 1.561 casos provados de fraude eleitoral nos últimos 45 anos, que resultaram em cerca de 1.300 condenações.
Reportagem nos Estados Unidos
Anna é porto-riquenha e quer mais negros a votar e(...)
Este é um método muito usado nos EUA e considerado seguro, já que a contagem de votos à mão é mais falível e leva a mais erros que a contagem de votos eletrónica.
As máquinas de voto são testadas previamente, para saber se os votos são contados corretamente, não estão ligadas à internet e até é possível aos eleitores deslocarem-se aos locais de voto e observar como estão a ser testadas.
Como é tudo, não é 100% perfeito. Mas é aí que entra o sistema de “recibos” que quase todas (98%) as máquinas atualmente têm: depois de votar, é imprimido um boletim que mostra a escolha feita, enquanto o boletim original é guardado em caso de auditoria. Mesmo que a máquina seja "hackeada" e a escolha mostrada não seja a feita pelo eleitor, é possível observar isso e relatar o erro e votar novamente.
O boletim é colocado depois numa segunda máquina, que o observa e regista o voto.
Atualmente, sete em cada dez eleitores vivem em condados que têm máquinas eletrónicas e boletins para votar à mão, enquanto 25% vivem em locais onde apenas existem máquinas eletrónicas, com recibo, e 5% vivem em locais de voto onde as máquinas de voto não têm recibo em papel - o estado do Louisiana e alguns condados do Texas.
Notícia Renascença
Em entrevista exclusiva à Renascença, a primeira a(...)
Há o caso de uma oficial que estava numa mesa de voto no Colorado que foi condenada a nove anos de prisão por adulterar máquinas de voto nas últimas eleições de 2020.
Tina Peters, republicana, permitiu que uma pessoa não autorizada tivesse acesso ao equipamento e aos registos do condado de Mesa, além de mentir a outros funcionários sobre a identidade deste homem.
No entanto, existe ainda uma auditoria de 2% ou dois mil votos para fazer a dupla confirmação dos resultados registados, além da contagem manual dos votos registados eletronicamente.
A auditoria às máquinas de voto eletrónicas permite também a verificação de supostos subornos ou alterações feitas por funcionários do local de voto, uma vez que captam se existem mais votos nos resultados do que aqueles que foram registados.
Quando as urnas fecham, os resultados de cada máquina de voto eletrónico são imprimidos, confirmados pelos funcionários e publicados online e afixados em papel no local de voto. São depois transportados até à autarquia local e depois até à autoridade de cada estado.
Além dos cenários em que o cidadão comum pode tentar votar nas eleições norte-americanas por mais do que uma vez ou sem estar registado, há outras situações já reportadas que podem influenciar - ainda que ligeiramente - os resultados.
Na última semana foram conhecidos casos de marcos de correio e depósitos de boletins, usados para quem desejar deixar o seu voto por correspondência, incendiados em três estados diferentes - Arizona, Washington e Oregon. Estes dois últimos estados votam exclusivamente por carta, enquanto o Arizona foi alvo de narrativas de conspiração nas eleições de 2020.
No estado da Geórgia, chegou a ser avançado que um veículo do Serviço Postal dos EUA com boletins tinha sido incendiado, mas foi confirmado que não se encontravam quaisquer boletins por correspondência no seu interior.
E depois há incentivos ao voto um pouco mais duvidosos. Elon Musk, o homem mais rico do mundo e dono da Tesla e do X (antigo Twitter), anunciou na semana passada que vai sortear um milhão de dólares por dia a eleitores registados que assinem uma petição em favor de uma ação pró-Trump num esforço para convencer os seus fãs nos estados decisivos a votarem.
A ideia valeu-lhe uma ida a tribunal esta quinta-feira, depois de avançada uma queixa pela Procuradoria-Geral de Filadélfia, no estado da Pensilvânia, que indica que Musk está a tentar interferir nas eleições e influenciar eleitores a votarem em Trump.