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Eleições em Moçambique. Bispo reafirma "fraude" e pede recontagem para "repor a verdade"

23 out, 2024 - 21:30 • Pedro Mesquita

Em entrevista à Renascença, o secretário da Conferência Episcopal, D. António Juliasse, diz que as irregularidades foram observadas direta e indiretamente por elementos ligados à Igreja.

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Eleições em Moçambique. Bispo reafirma fraude e pede recontagem para "repor a verdade"
D. António Juliasse em declarações ao jornalista Pedro Mesquita

A escassas horas da prevista divulgação dos resultados das eleições gerais em Moçambique, o secretário da Conferência Episcopal, D. António Juliasse, explica à Renascença que a ocorrência de alegadas fraudes grosseiras, já denunciada pelos bispos em comunicado, foi verificada direta, e indiretamente, pela Igreja moçambicana.

"Depois da contagem, nalguns lugares onde os líderes da oposição mostravam um avanço maior, o delegado de mesa da parte do partido do Governo, abandona o lugar e, no dia seguinte, os resultados que estão colados no boletim são diferentes", afirma o também bispo de Pemba.

O secretário da Conferência Episcopal de Moçambique explica que a existência de alegadas fraudes terá sido detetada diretamente por elementos da Igreja, que acompanharam a votação e contagem, na qualidade de observadores: "Sim, sim... vários sacerdotes estão dentro. Através das Comissões Diocesanas de Justiça e Paz, também fizeram observações".

Questionado sobre se existiu uma observação direta da existência das supostas “fraudes grosseiras”, apontadas pelos bispos, D. António Juliasse responde que sim, que "houve uma observação direta. Direta e indireta também, através de todo o consórcio 'Mais Integridade' (...) "com várias indicações de ter havido enchimentos, até de ter havido a falsificação dos resultados finais".

A Conferência Episcopal de Moçambique alerta, no comunicado divulgado na terça-feira, que "certificar uma mentira é fraude". Mas o que seria certificar a verdade? D. António Juliasse explica que "seria rever a contagem e repor a verdade".

Sr. D. António Juliasse, o comunicado divulgado nas últimas horas pela Conferência Episcopal de Moçambique, sobre as eleições gerais de dia 9, é particularmente forte, assumindo de forma inequívoca que terão existido “fraudes grosseiras”. Porque é que os bispos sentiram necessidade de divulgar um comunicado tão forte, a dois dias da prevista divulgação dos resultados?

Na verdade, não é a primeira vez. O que houve, desta vez, foi a necessidade de sermos mais diretos e mais contundentes.

Utilizando a sua expressão “contundentes”, e ao olhar para o comunicado da Conferência Episcopal leio, por exemplo, esta frase: “Infelizmente, mais uma vez, verificaram-se fraudes grosseiras. Repetiram-se enchimentos de urnas, editais forjados e tantas outras formas de encobrir a verdade”. Com que base é que a Conferência Episcopal de Moçambique assume, de forma tão taxativa, que se verificaram “mais uma vez, fraudes grosseiras”?

A Igreja Católica tem participado nas observações das eleições. Houve um período em que participou através da Comissão de Justiça e Paz, mas ultimamente, para poder obter resultados maiores em termos de cobertura e também de sistematização de dados, tem participado através de um consórcio que se chama “Mais Integridade”, sob a liderança da Comissão Episcopal de Justiça e Paz.

Esse consórcio, de que me fala, e que observou estas eleições, também integra bispos e prelados?

Sim, sim... Vários sacerdotes estão dentro. Através das Comissões Diocesanas de Justiça e Paz, também fizeram observações.

Ou seja, houve uma observação direta da existência de “fraudes grosseiras”, como lhe chamam?

Sim, sim. Houve uma observação direta. Direta e indireta também, através de todo o consórcio “Mais Integridade”.

Os senhores bispos dizem que “certificar uma mentira é fraude”. O que seria certificar a verdade?

Seria a rever à contagem e repor a verdade.

Mas, à partida, acreditam que desta vez não terá vencido o líder, a personalidade indicada pela Frelimo?

Do jeito como as coisas são feitas, com várias indicações de ter havido enchimentos, até de ter havido a falsificação dos resultados finais... porque, depois da contagem, nalguns lugares onde os líderes da oposição mostravam um avanço maior, o delegado de mesa da parte do partido do Governo, abandona o lugar e, no dia seguinte, os resultados que estão colados no boletim são diferentes.

Isso mostra que é muito difícil dizer com clareza quem ganhou. Portanto, nós não estamos a dizer aqui que quem ganhou foi um, e que o outro perdeu. Só estamos a dizer que desta forma não dá. Não se podem certificar mentiras.

Está a dizer-me que amanhã, quinta-feira, não deviam, ainda, ser divulgados os resultados das eleições gerais?

Os bispos opinaram assim.

Receia que Moçambique esteja à beira do abismo, perante a existência destas alegadas fraudes denunciadas, nomeadamente, pelos senhores bispos?

Eu, pessoalmente, não receio que o país esteja à beira de uma violência generalizada, mas todos nós sabemos que o mal-estar pode ser facilmente usado, e instrumentalizado, para uma violência maior. E nós estamos a apelar às consciências para que não cheguemos a tanto.

Relativamente ao assassinato de dois elementos ligados a um candidato da oposição, os senhores bispos dizem que “fazem relembrar à evidência, e com semelhanças no método, outros assassinatos de figuras políticas, ou da sociedade civil", também ligados a partidos de oposição. A quem estão a referir-se?

O que nós temos notado é que, depois de eleições, e havendo contestação em relação aos resultados, vai acontecendo uma escalada de violência, em que os líderes da oposição são caçados. Por quem, ninguém sabe. Mas os métodos são os mesmos, e as circunstâncias são as mesmas.

Os casos mais conhecidos são aqueles que aconteceram com o presidente da Renamo. Várias vezes, depois das eleições, o presidente da Renamo teve de se refugiar, até na montanha da Gorongosa. Quer dizer, e depois também temos conhecimento de vários líderes da oposição, particularmente da Renamo, que foram sendo silenciados, nos períodos depois das eleições.

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