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Eleições nos EUA

Uma "Purga" ou uma "noite de cristal"? Trump sugere uma hora de violência para combater o crime

01 out, 2024 - 09:25 • Inês Braga Sampaio , João Malheiro

Candidato presidencial defende um dia "mesmo violento", "duro e desagradável". A Internet foi rápida a reagir, recordando a saga de filmes "A Purga". A Renascença explica o porquê desta associação e que semelhanças pode ter com outro ponto sombrio na História.

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Se a polícia puder usar violência máxima sobre os ladrões durante um dia, ou uma hora, a notícia espalhar-se-á e os roubos acabarão "imediatamente".

A sugestão, apresentada como ação de pedagogia, é de Donald Trump e gerou comparações com uma célebre saga de filmes e com uma violenta noite da História da Alemanha.

Num congresso em Erie, na Pensilvânia, no domingo, o ex-presidente dos Estados Unidos e atual candidato às eleições de novembro sugeriu uma ideia nova para acabar com os roubos. Não só "deixar a polícia fazer o seu trabalho", mas deixá-la trabalhar de forma violenta, por um período de tempo determinado.

"Temos de deixar a polícia fazer o seu trabalho e se tiverem de ser extraordinariamente duros... Vê-se tipos a sair das lojas com ares condicionados e frigoríficos às costas, as coisas mais loucas, e os polícias não podem fazer o seu trabalho. Dizem-lhes: 'Se fizeres alguma coisa, vais perder a tua pensão, vais perder a tua família, a tua casa, o teu carro'", afirmou.

Mas Trump tem uma solução para ensinar a população a não roubar: "Um dia mesmo duro e desagradável. Um dia mesmo violento."

"Por exemplo, pôr o congressista Mike Kelly ao comando por um dia", começou por dizer, antes de se dirigir ao político republicano em causa, que representa a Pensilvânia no Congresso e estava a assistir à ação de campanha: "Ele é um grande congressista. Mike, se estivesses a mandar, dirias 'por favor, não toquem neles [ladrões], deixem-nos roubar a vossa loja, deixem todas estas lojas fechar'? Não pagam renda, depois a cidade... É um bola de neve. É tão mau."

"Uma hora dura. E digo mesmo dura. A notícia espalhar-se-á e [a onda de roubos] acabará imediatamente", concluiu.

Embora haja uma diferença clara, esta sugestão de Donald Trump já suscitou comparações com a saga de filmes "The Purge" - "A Purga" em português - em que o governo decreta que, durante uma noite específica do ano, todos os crimes serão legais, o que gera uma onda de grande violência.

A realidade da ficção

O primeiro filme de "A Purga" foi lançado em 2013 e, 11 anos depois, existem já cinco (com um sexto a caminho) e uma série que contou com duas temporadas.

Todos os projetos foram escritos por James DeMonaco, que também assumiu o papel da realização nos primeiros três. Ao longo da produção da saga, o artista nunca escondeu as intenções de usar a narrativa como forma de comentário político à situação real dos Estados Unidos.

A crítica socio-política acentuou-se no terceiro filme: "A Purga: Ano de Eleições". Como o nome indica, a história passa-se a meses de eleições presidenciais fictícias em que os dois lados tentam assassinar o rival político. O filme toma um lado claro contra o candidato que representa uma visão política conservadora, fundamentalista e neonazi, que mata pessoas em rituais secretos que celebram a supremacia branca.

O filme foi lançado em 2016, ano em que Donald Trump foi eleito, e o marketing aproveitou as Presidenciais desse ano para tornar a produção um sucesso de bilheteira.

O slogan da campanha de publicidade, "Keep America Great" ("Mantenham a América Grande") foi, mais tarde, usado por Donald Trump para promover a sua campanha de reeleição, nas Presidenciais de 2020.

Em 2021, o quinto e, até agora, mais recente filme da saga foi lançado. Apesar de ter sido gravado antes da insurreição do Capitólio, a 6 de janeiro de 2021, "A Purga: Adeus América" apresenta uma narrativa em que um grupo extremista e racista decide rebelar-se contra o governo norte-americano e tentar que a Purga não seja uma noite, mas a regra permanente.

Os protagonistas do filme são emigrantes mexicanos que lideram uma vaga de refugiados norte-americanos que tentam fugir do seu país e inundam as fronteiras do Canadá, a norte, e do México, a sul. Acaba por ser uma inversão do discurso de Donald Trump que, desde 2015, faz campanha contra o que diz ser uma imigração ilegal descontrolada.

Este ano, a campanha presidencial tem sido marcada por declarações do antigo Presidente dos EUA a alegar que refugiados que procuram asilo no país são "doentes mentais", "assassinos" e "psicopatas", chegando a fazer comparações com a personagem ficcional Hannibal Lecter.

A noite de cristal

A grande diferença entre a premissa de "A Purga" e o que Donald Trump sugere é que, ao passo que na saga de filmes todos os crimes eram legais, logo, a violência era perpetrada por cidadãos comuns (incluindo criminosos), a ideia do candidato presencial é brutalidade das autoridades aprovada pelo Estado - o que levou a comparações com o que se passou na fatídica "noite de cristal" da Alemanha nazi.

A "Kristallnacht", como se chama em alemão, ocorreu durante a noite de 9 de novembro de 1938, sob o pretexto do assassinato de um diplomata alemão em Paris, por um judeu. Seguindo um plano de ação instigado e delineado pelo partido no poder, as forças paramilitares nazis, as SA e as SS, levaram a cabo um assalto generalizado a lojas e a casas de judeus, por toda a Alemanha e na Áustria ocupada.

A alcunha dada a esse evento deve-se ao número de vidros de lojas e montras partidas que se espalharam pela calçada.

Os historiadores calculam que 200 sinagogas e sete mil lojas judaicas tenham sido destruídas, incendiadas ou danificadas de qualquer outra forma. A "noite de cristal" é considerada um dos primeiros passos para o início do Holocausto.

O que Donald Trump propõe também não é idêntico à "noite de cristal". Em vez de empregar os agentes das forças de segurança para destruir lojas, o ex-presidente norte-americano quer dar-lhes, durante uma hora ou um dia, total liberdade para serem tão violentos quanto considerem necessário para protegê-las e imobilizar os assaltantes.

De qualquer modo, tanto esta ideia como a "Kristallnacht" partem do pressuposto da ratificação por parte do Estado da brutalidade policial, no caso de Trump, e das forças paramilitares, no da Alemanha nazi.

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