16 nov, 2023 - 07:30 • Diogo Camilo
Com 19 anos, em 2018, criou o curso “Futuro Sustentável e Justo”, na Universidade de Berkeley, na Califórnia, que junta já mais de 1.800 estudantes com o objetivo de tornar a educação climática mais acessível e de oferecer soluções à crise climática - e não falar só dos seus problemas.
Considerada este ano como uma das “Líderes da Nova Geração” pela revista Time, Sage Lenier foi à Web Summit defender que o atual modelo da economia mundial é a principal causa da crise ecológica - não os combustíveis fósseis.
Primeiro no palco principal da cimeira tecnológica, em Lisboa, e, depois, em entrevista à Renascença, a norte-americana falou da necessidade do mundo fazer a transição para uma economia circular,. de modo a garantir sustentabilidade ambiental e equidade social.
Contra os carros elétricos - que diz serem “só uma alternativa menos má do que o original” -, Sage não teve medo de apontar o dedo às grandes empresas e à sua “ganância”. Quando falou com a Renascença, estava munida de uma garrafa de plástico.
A sua organização sem fins lucrativos, a "Sustainable & Just Future", tem o compromisso de chegar a 30 universidades norte-americanas até 2025, mas a ativista já começa a preparar o início de uma carreira política: “Está em cima da mesa."
Sentes-te à vontade numa cimeira de tecnologia, entre investidores e no meio de uma bolha de capitalismo?
Humm... Estou definitivamente no “umbigo da besta”. Mas sinto que tenho dentes grandes, podemos fazer um frente-a-frente.
De onde nasceu a ideia deste curso?
Comecei o curso em Berkeley porque estava a ficar frustrada com a falta de soluções e passos seguintes na educação ambiental que estava a ter,. E também porque a maior parte das pessoas não sabe por onde começar, no que toca à crise ecológica que vivemos ou como a podemos resolver.
O principal objetivo é fazer chegar uma educação ambiental ao maior número de pessoas possível. Estamos a expandir o curso a outras universidades, a desenvolver uma série no YouTube para as pessoas poderem ver. Queremos atingir um patamar em que jovens têm o conhecimento para perspetivar o que pode ser um futuro mais justo e sustentável.
E o que sabias sobre as alterações climáticas quando eras mais nova?
Na nossa geração somos introduzidos a esses temas relativamente cedo. Era-nos contado como algo do género "vamos todos morrer e não há nada que possa ser feito sobre isso". Esse foi o meu ponto de partida.
Sentia tanto desespero, porque pensava mesmo que não havia nada a fazer. Só quando comecei a aprender sobre algumas soluções é que comecei a pensar em como a nossa sociedade podia mudar - ou deve mudar.
E como é que ensinas estes temas de maneira equilibrada?
É importante ter em atenção quanto tempo passamos a falar dos problemas, em vez das soluções. Nós explicamos o problema, para que [os alunos] possam entender. Com o sistema alimentar, por exemplo. Existem tantas questões, como a falta de solo devido a monoculturas agrícolas ou o uso de pesticidas, ou de que desperdiçamos um terço da comida mundial.
Precisamos de passar mais tempo a falar que medidas, negócios, intervenções sociais ou mudanças culturais que podemos fazer.
O curso está mais centrado no lado humano das coisas e não tanto no aspeto ecológico. Achas que falamos demasiado sobre o clima - ou não o suficiente desta parte?
Sim. Falar sobre ursos polares e abelhas, embora seja importante, dá a opção às pessoas de não quererem saber. Não creio que a maioria das pessoas perceba, ainda, que é a humanidade que está em jogo, e com isso muito sofrimento humano, e que é por isso que não temos escolha.
Muita gente pensa que salvar tartarugas é algo bonito, mas que é opcional, que não é uma prioridade, quando, na realidade, estamos a falar em casos como, se o clima desestabilizar e o sistema alimentar colapsar, milhões, potencialmente milhares de milhões de pessoas, morrerão à fome.
E enquanto falarmos do plástico, de carros elétricos, as pessoas vão continuar a ver isto como algo "giro’" quando na realidade estamos a falar sobre a sobrevivência da humanidade.
Vês uma polarização de ideias em relação às alterações climáticas entre gerações mais velhas e mais novas?
Não vejo, não. Acho que o negacionismo climático recebe mais atenção do que merece e que não existem assim tantas pessoas que não acreditem [nas alterações climáticas].
O dinheiro fala mais alto do que qualquer opinião que uma pessoa tenha. E, em último caso, são as gerações mais velhas que têm o dinheiro, o poder institucional, o território. Por isso, estão mais interessados em defender os seus interesses e fazer mais dinheiro.
Enquanto falarmos do plástico, de carros elétricos, as pessoas vão continuar a ver isto como algo ‘giro’, quando na realidade estamos a falar sobre a sobrevivência da humanidade
E penso que eles sabem que as alterações climáticas são reais e por isso estão abertos a fazer pequenas cedências, desde que não afete a sua rentabilidade. Estamos a lutar mais contra a ganância do que contra o negacionismo.
Sabem que existe, sabem que é um problema, mas não os afeta. Daí a desconexão entre gerações para os Millennials ou Geração Z, que tem o menor poder de compra de sempre.
Por toda a Europa, e em Portugal também, temos visto protestos sobre alterações climáticas. Esta é a melhor maneira de se comunicar sobre a crise climática?
Sim, penso que sim, que é útil. Já organizei manifestações, já apareci em algumas. Gostava que não parássemos por aí e que falássemos com as pessoas que aparecem nestes protestos.
Muitas manifestações têm discursos, mas devemos usá-las como uma oportunidade para envolver as pessoas - e aí não acho que sejam a melhor alternativa.
Devemos fazer campanhas nas redes sociais, desfilar, ocupar edifícios, trabalhar com o governo, devemos gritar às empresas, que é o que estou a fazer aqui na Web Summit. Temos de expandir a definição de ativismo climático.
Estamos a lutar mais contra a ganância do que contra o negacionismo
Como é o mundo ideal para a Sage Lenier? Sem emissões de carbono, de gases com efeito de estufa, sem plástico, sem combustíveis fósseis?
Isso não é possível. Construímos uma sociedade baseada em combustíveis fosseis. A t-shirt que estou a vestir é feita de combustíveis fósseis. Esta parede [aponta] está coberta de tinta de combustíveis fósseis.
Não é realista. Um mundo ideal para mim é um mundo justo, onde podemos continuar a alimentar e tratar de 10 mil milhões de pessoas, que será o que teremos em 2050, enquanto o clima continuará a destabilizar-se. Não podemos esperar mais do que isso.
Vamos ter de nos adaptar, ser resilientes, e muitas comunidades vão ter de se mudar. Vamos começar a ver refugiados do clima. Será uma corrida de “todos os que pudermos salvar”.