26 out, 2023 - 06:30 • Catarina Santos , enviada da Renascença a Israel
A instabilidade das comunicações em Gaza obrigou a improvisar uma entrevista que deveria ter acontecido por videochamada. A alternativa foi uma conversa por Whatsapp, gravada nos poucos intervalos com internet. No primeiro audio enviado, Malak Arab apresenta-se assim: “Sou enfermeira no hospital Kamal Adwan, trabalho 24 horas por dia, sob pressão constante e debaixo de bombas, em Gaza.”
No hospital do norte de Gaza, a 4,5 km da fronteira com Israel, 22 enfermeiros e seis médicos lutam contra o tempo e contra a falta de bens essenciais. Malak diz que já não há “medicamentos nem material para mudar as ligaduras”, que falta eletricidade e água e que tudo se transformou num improviso constante: “Trabalhamos com as lanternas dos telemóveis.”
"Estou com muito medo, porque as bombas estão perto do hospital.... Tenho medo, porque a qualquer momento podem destruir o hospital.”
De um só bombardeamento resultaram mil feridos, conta Malak. E, enquanto fala das dificuldades que têm até para contar as pessoas, ouve-se o choro de uma criança ali ao pé.
Primeiras informações apontam para uma "operação r(...)
“O que custa mais são as crianças. Este som...” Malak interrompe e é notório um novo nível de ansiedade na voz. “Peço desculpa, estou com muito medo, porque as bombas estão perto do hospital.... Tenho medo, porque a qualquer momento podem destruir o hospital.”
Depois retoma o discurso e a ansiedade dá lugar a um tom assertivo. “Sim, consegue ouvir as crianças... Eles estão a matar as crianças, a ferir as crianças. Isto é a realidade.”
Nos últimos 20 dias, mais de 5.000 pessoas morreram em Gaza, incluindo mais de 2.300 crianças, de acordo com as Nações Unidas.
Além da falta de equipamentos e de recursos, a exaustão que vê à sua volta também preocupa a enfermeira. “O hospital não tem como continuar assim, porque se esgotaram todos os materiais de que os médicos e os enfermeiros precisam. E todos os enfermeiros e médicos estão no limite, porque trabalham sob muito, muito stress.”
E à falta de descanso soma-se a escassez de comida: “Agora não como pequeno-almoço nem almoço”, conta.
Se o cenário que traça já desenha preocupações graves para os dias que se avizinham, perguntamos a Malak como antecipa o que acontecerá se o exército israelita entrar em Gaza.
"Trabalhamos com as lanternas dos telemóveis.”
A enfermeira começa por tentar responder. “Acho que os soldados israelitas não podem entrar em Gaza, porque...” Depois decide não prosseguir. “Isso não faz parte do meu trabalho. Sou enfermeira. A informação sobre Israel e a guerra... Não penso nisso.... não penso nisso.”
A gravação enviada para responder às perguntas da Renascença termina com um longo suspiro. Malak regressa ao trabalho e ao improviso — pelo vigésimo dia consecutivo.