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Guerra no Médio Oriente

Palestiniana relata corrida aos supermercados: “Como é que alguém se prepara para uma guerra?”

18 out, 2023 - 06:00 • Redação

Sahlia tem os sogros na Cisjordânia e relata restrições à circulação e à liberdade de expressão. A palestiniana falou com a Renascença sobre o Hamas, a guerra "dolorosa" mas “expectável” e porque não quer sair do país.

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“Antes de gravarmos, por favor, fica a saber que te digo a verdade, mas que há muito que eu não posso dizer na entrevista”, previne Sahlia. “Israel está atento ao que partilhamos nas redes sociais e com jornalistas e há palestinianos a serem presos na Cisjordânia e em Jerusalém por causa disso.”

O ambiente entre Israel e a Palestina, descrito como "tenso", não é novidade para Sahlia. Nascida em 1990, viveu já vários outros períodos de intensificação do conflito. Porém, a jovem professora diz que o cenário piorou desde 7 de outubro, face à realidade que conhecia. “No dia 6 fomos dormir e acordámos numa situação completamente diferente. Antes, para ir da casa dos meus sogros [na Cisjordânia] para a minha [em Jerusalém], demorava cerca de 40 ou 50 minutos de carro. No dia 7, demorei seis horas, porque o controlo de circulação aumentou. A nossa liberdade de expressão também apertou.”

“Nós [os palestinianos] temos medo que o conflito cresça, inclusive para os nossos países vizinhos.”

Quando questionada sobre como se está a preparar para esse eventual cenário, Sahlia começa por responder: “Como é que alguém se prepara para uma guerra?”

À Renascença, a palestiniana descreve um ambiente de corrida aos supermercados, onde as prateleiras estão vazias, pois as pessoas procuram acumular bens em casa. Além disso, Sahlia diz que não há mais a fazer. “Não temos para onde ir”, afirma. Pouco depois acrescenta: “Sair do meu país? Pessoalmente, não o vou fazer. É o meu país.”

“Eu não acho que as pessoas devam repetir os mesmos erros já feitos na história”, desabafa, referindo-se à “Nakba”, nome pelo qual ficou conhecido o dia em que mais de 700 000 palestinianos tiveram de abandonar as suas casas. Este êxodo aconteceu durante a guerra que a Palestina travava com Israel em 1948 — a "guerra da independência" para Israel e que para os palestinianos culminou na “Nakba”, que em árabe significa "catástrofe". “Disseram que ia ser só por uns dias, mas as pessoas ainda estão à espera de voltar”, sublinha.

"As pessoas estão desesperadas por liberdade"

“Vamos ser sinceros: muitas pessoas da minha comunidade não estão de acordo com as ações do Hamas”, defende Sahlia. “Não importa se és cristão, muçulmano ou judeu: matar é errado”. A jovem argumenta que o nível de exaustão do povo palestiniano faz com que, a certa altura, o Hamas seja visto por muitos como um meio para atingir a liberdade. “Não importa para as pessoas que ferramentas são usadas, elas só precisam de atingir o objetivo. Podemos discordar da forma como estes incidentes estão a acontecer, mas as pessoas estão desesperadas por liberdade.”

Sahlia conta que o contacto com quem está em Gaza é muito limitado. A palestiniana descreve esta zona do país como “uma prisão a céu aberto”, onde não há eletricidade, comida nem combustível. “Ouvimos de um padre que lá já não há pão. As pessoas estão desesperadas por encontrar farinha para fazer pão em casa, mas como não há combustível, as máquinas não conseguem trabalhar para transformar trigo em farinha”, relata.

"É algo que tem estado a acontecer há 75 anos e as pessoas fartaram-se"

Sahlia afirma que já esperava que o conflito escalasse desta forma, só não sabia quando ia acontecer. “Os políticos [da Palestina] já diziam: não é uma questão de se vai acontecer, é uma questão de quando vai acontecer. Como disse, as pessoas estão desesperadas por liberdade. É algo que tem estado a acontecer há 75 anos e as pessoas fartaram-se.”

Outro fator de desesperança apontado por Sahlia é o que descreve como falta de apoio internacional. “Só vejo os políticos a falarem, mas nada fazem.”

Sahlia partilha que o mais doloroso para si é pensar nos civis inocentes, especialmente as crianças. “Tal como Mahmoud Darwish, o famoso poeta palestiniano, escrevia: os políticos dão um aperto de mão no final da guerra, mas a mãe espera que o filho regresse, a mulher espera que o marido volte, e os dois estão no céu”. A jovem palestiniana afirma ainda que, no escalar da guerra, tem sentido uma diferença de pesos e medidas: “a vida dos meus vizinhos é mais valorizada do que a minha", lamenta, numa referência às vidas israelitas.

“Eu rezo por todos os inocentes que perderam as suas vidas por estarem à hora errada no local errado – mesmo que esse local seja a sua casa”, remata Sahlia.

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