12 set, 2023 - 19:35 • Susana Madureira Martins
Paulo Rangel considera que com os apoios já declarados à presidente da Comissão Europeia - até de socialistas - e "independentemente dos resultados eleitorais - o Partido Popular Europeu (PPE) "aparentemente" já poderá ter garantido a continuidade de Ursula von der Leyen por mais cinco anos.
No dia do debate do estado da União, em Estrasburogo, considerado como o mais importante da legislatura por ser o último antes das eleições europeias de 2024, o vice-presidente do PPE faz um balanço "muito positivo" do mandato de von der Leyen à frente da Comissão Europeia. "Ela está a liderar a agenda política", resume o vice-presidente do PSD.
A escassos meses de a Europa entrar em campanha para as eleições de 9 de junho, Paulo Rangel lamenta que os grupos políticos moderados - PPE, Socialistas Europeus e Liberais - surjam "muito divididos", mas ainda assim acredita que não estará em causa o acordo tácito entre estas forças para a escolha rotativa da presidência do Parlamento Europeu.
Aconteceu de tudo neste mandato da Presidente Von der Leyen. A pandemia, agora a guerra na Ucrânia, a inflação. Já é possível fazer um balanço desta Comissão?
Sim, penso que é possível fazer um balanço muito positivo. A Presidente Von der Leyen introduziu na comissão uma dinâmica que lhe deu verdadeiramente a liderança no contexto das instituições europeias. Se olhar para os últimos anos, o que nós víamos era um grande reforço do Conselho.
A partir do momento em que a presidente da Comissão é Von der Leyen - claro que também coincide com a saída de Merkel - ela toma a dianteira. É muito comum ver um conjunto enorme de primeiros-ministros, nomeadamente de países médios e pequenos, a virem falar com a Comissão em primeiro lugar para prepararem as reuniões do Conselho.
Há aqui uma mudança de poderes que tem muito a ver com a liderança carismática de Von der Leyen propiciada por duas crises e pela resposta às crises. A resposta à pandemia onde ela tomou a liderança da questão das vacinas e foi absolutamente essencial para ser um rosto conhecido em toda a Europa. Isso faz com que os primeiros-ministros queiram, obviamente, estar ao seu lado. Depois, na guerra da Ucrânia, von der Leyen é absolutamente categórica. Ela está a liderar a agenda política.
É um mandato inatacável e que a coloca em vantagem para um segundo mandato?Inatacável não é porque não há mandatos inatacáveis. Na questão do ambiente e de combate às alterações climáticas, na questão de se ter feito o PRR, todo esse tipo de medidas são medidas emblemáticas e muitas delas são passos de gigante na construção europeia. Agora, é evidente que o incumbente, a pessoa que está no lugar, parte sempre em vantagem, mas no caso dela, parte com grande vantagem.
Ela é uma dirigente do PPE e foi a única ministra de Angela Merkel que foi ministra todo o tempo. E, apesar de ser do PPE e de vir da CDU alemã, o primeiro-ministro Sanchez, o primeiro-ministro Costa, já disseram que a apoiam para Presidente da Comissão. Independentemente dos resultados eleitorais, aparentemente, o PPE já teria a presidência da Comissão. Tem muito a ver com a capacidade fazer pontes entre os vários grupos políticos e é um ponto que gostaria de sublinhar do seu mandato.
Infelizmente, grupos que eram grupos moderados, como os Socialistas, como os Liberais como o PPE, por vezes aparecem muito divididos. Não é que tivessem que estar em consenso permanente, mas eram os grupos pró-europeus, eram capazes de um diálogo e hoje estão numa retórica às vezes muito drástica, com alguma hostilidade e von der Leyen consegue passar por cima disso e criar pontos entre os partidos pró-europeus.
Essa radicalização dos partidos, até dos mais moderados, vai ser mais visível após as próximas eleições de 2024?
A radicalização da política tem muito a ver com uma nova sociedade democrática, criada pelas sociedade de redes sociais e da democracia digital. Há um caldo de cultura comunicacional que faz com que as retóricas sejam muito abrasivas. Há aqui um ponto que é evidente, os extremos estão a ganhar espaço, seja a direita radical, seja a esquerda radical.
Em França é uma coisa que é evidente. Se olharmos para a Itália também vemos isso. Na Espanha. Ao crescerem os extremos, os partidos moderados têm dentro de si setores que querem competir com essa agenda. E isso radicaliza-os também. Portanto, os próprios partidos moderados têm setores muito moderados que estão ainda nessa via de um diálogo construtivo, mas têm pressões de algumas das suas alas para não deixarem que os extremos cresçam.
Parlamento Europeu
Falta apenas a aprovação final pelo Conselho da UE(...)
Isso é o que está a acontecer, por exemplo, com o PPE?
É o que está a acontecer com os socialistas que estão reféns da agenda dos Verdes, que é uma agenda absolutamente radical. Refiro-me à agenda em geral, não estou a referir-me sequer ao capítulo ecológico. E, com certeza, também no PPE.
O PPE é formado por partidos de centro, centro-direita e até alguma direita moderada. Evidentemente, que há alguns que estão com uma retórica que eu preferia que fosse mais centrista ou mais dialogante. Isto não é um fenómeno deste grupo ou daquele, antes fosse, porque isso era corrigido. É um fenómeno da democracia digital e é um ponto a ter em conta no cenário pós-eleitoral.
Essa radicalização pode colocar em causa o acordo tácito que existe entre socialistas e o PPE, por exemplo, que permite a rotação da presidência do Parlamento?
Não, penso que não. Sinceramente, estes três grupos - dos Socialistas Europeus, Partido Popular Europeu, Liberais - vão continuar a ter grandes margens de diálogo e é a única forma de a Europa poder funcionar. O apoio popular da Europa cresceu. Quer a invasão russa da Ucrânia, quer a pandemia criaram uma espécie de união. As opiniões públicas percebem que sem a União Europeia a sua situação nacional seria muito diferente. Acho que vai haver condições para esse diálogo.
Ao longo dos anos, já por várias vezes houve acordos que não funcionaram. Uma ou outra vez prejudicando, por exemplo, o PPE, porque seria a sua vez, mas também mais recentemente, prejudicando os socialistas. Portanto, essa dinâmica política não tem nada a ver com estes sinais mais preocupantes de mudança do espectro partidário, com crescimento dos extremos e com o impacto que isso pode ter no posicionamento dos grupos moderados.
É vice-presidente do PPE, é uma figura respeitada nos meios europeus. Alguém teria razões para ficar chocado se, em vez de concorrer como cabeça de lista, ir, por exemplo, na lista em segundo ou terceiro lugar?
Sinceramente, há uma coisa que não vou fazer que é falar sobre as listas e muito menos sobre a lista do PSD, por uma razão simples: sou vice-presidente do PSD. Portanto, se fosse apenas deputado europeu, mas sou membro da comissão permanente, na qual essa reflexão vai ser feita.
E, obviamente que não posso fazê-lo em público. Tenho neste caso uma espécie de conflito de interesses que faz com que não possa responder a essa pergunta. Muito embora na minha cabeça a resposta seja clarinha como água.
Já tomou uma decisão, pelo menos, do que quer fazer?
Uma pessoa com a minha experiência, com certeza que já não tem estados de alma de grande inquietude.
Em relação ao primeiro-ministro e ao Partido Socialista, quer ganhe quer perca as eleições europeias, para si é claro que o futuro de António Costa passa por um cargo na Europa?
Isso não depende da vontade de uma pessoa, portanto, não depende da vontade do primeiro-ministro português saber se vai ocupar ou não um cargo europeu. Há aqui um conjunto de circunstâncias que se podem conjugar ou não. Para isso, é preciso que, por exemplo, a Presidência do Conselho seja entregue ao Grupo Socialista e, portanto, isso depende dos resultados do Grupo Socialista.
É preciso saber como é que fica o equilíbrio de género entre homens e mulheres. É preciso saber como é que fica o equilíbrio geopolítico interno, porque é preciso reforçar a presença dos países de Leste que, neste mandato, estiveram numa situação menor. O Alto Representante é espanhol, a Presidente da Comissão é alemã, o Presidente do Conselho é belga, o Presidente do Parlamento foi italiano e agora é uma maltesa.
O Leste está claramente numa situação em que vai requerer - e, nomeadamente com a questão da Ucrânia, ainda mais - uma presença nestas instituições. Esses equilíbrios não tornam automático nem fácil que haja lugar para um português, especialmente tendo em conta que Portugal já teve 10 anos o presidente da Comissão e está no segundo mandato o Secretário-Geral das Nações Unidas. Isso não pode ser desvalorizado.
Está a ser trabalhado?
Está a ser trabalhado. Até ao Verão do ano passado, não era tão claro. Hoje é evidente que a diplomacia portuguesa, uma diplomacia muito discreta e, às vezes, feita diretamente a partir da residência de São Bento, mas que está a mexer-se. Não digo que seja para um propósito concreto, mas pelo menos para não fechar essa oportunidade. Claramente isso, no meu ponto de vista, é uma evidência.
Não tem que ser visto como nada de extraordinário, mas para se ter um cargo internacional é preciso trabalhar com muita antecedência e com alguma discrição. Foi assim com os outros portugueses e, portanto, se vier a haver um terceiro num cargo destes, evidentemente, que será assim.