22 jul, 2023 - 08:30 • Tomás Anjinho Chagas, enviado da Renascença a Madrid
Em 1725, Portugal era reinado por D. João V “O Magnânimo”, Espanha atravessava uma guerra pela sucessão do trono, e os Estados Unidos da América ainda não eram um país independente; mas o restaurante Botín, em Madrid, já existia: no mesmo sítio em que está hoje, a funcionar sem interrupções.
O ambiente é fiel ao século XVIII, as paredes são de madeira no interior e no exterior, entra pouca luz e a mobília é condizente. É o restaurante mais antigo do mundo: “Isso não fomos nós que dissemos, foi o livro do Guiness”, alerta José González, um dos proprietários.
“Este restaurante é o único restaurante que funciona sem interrupções, no mesmo sítio, com o mesmo nome e com a mesma atividade”, justifica sentado ao lado do livro que inscreve grande parte dos recordes do planeta Terra. É por trás do balcão da sala principal que recebe a Renascença.
Tem 64 anos e pertence à segunda família de donos do restaurante, começou a dar uma ajuda no Botín há mais de cinco décadas, quando tinha apenas 12 anos. Mas, no momento de responsabilizar alguém pelo sucesso, volta-se para as gerações mais velhas.
“Felizmente o meu avô era um cozinheiro fantástico e temos mantido o tipo de comida que ele implementou aqui no restaurante”, revela José González o segredo da longevidade, sem medo de estragar a alma do negócio.
A especialidade é o leitão assado: “Se estão em Madrid e querem comer um bom leitãozinho assado, o lugar é aqui. Ou sim, ou sim”, promete o proprietário, sem receio de sobrecarregar as expectativas. A receita é a mesma desde que o seu avô a criou.
Poucos metros ao lado há uma sala que atinge uma temperatura consideravelmente superior à que é registada no resto do restaurante. É a sala do forno, e a parede está forrada com leitões que estão dispostos em prateleiras, prontos para serem assados.
Um empregado segura numa espátula enorme, com a qual vai colocando os leitões no forno a lenha. “Está muito calor não?”, pergunta a Renascença. “Um pouquito”, admite entre risos. Mas logo volta à sua labuta com a mesma obstinação.
Na véspera do dia de eleições em Espanha, João González assume que o restaurante é mais o favorito dos escritores do que dos políticos. “Felizmente não temos nenhuma relação”, seca José González. “Eu prefiro assim, porque não nos condiciona de forma nenhuma”, explica, com o pragmatismo que caracteriza um bom empresário.
Apesar disso, assume que por aqui “passaram políticos de todo o tipo” e menciona a refeição que juntou Nancy Reagan, que foi mulher de Ronald Reagan, e os reis de Espanha.
Mesmo sendo o restaurante mais antigo do mundo, a popularidade é maior entre os estrangeiros. “Somos mais conhecidos fora de Espanha do que cá”, exemplifica, acrescentando que americanos, japoneses, brasileiros e até portugueses (principalmente quando equipas de futebol vão a Madrid jogar) figuram na lista dos visitantes mais assíduos.
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Com mais de 50 anos de experiência neste restaurante, a Renascença provocou José González: “Consegue identificar o partido de uma pessoa só pelo que o cliente pede para comer?”.
A pergunta imprime um sorriso automático ao proprietário, que responde quase de forma reflexa: “Não! Para isso tinha de ser um fenómeno. Pode fazer-se alguma extrapolação, mas normalmente não é assim”, defende entre sorrisos.
“Este pediu frango, vai votar no Vox. Ou vai votar no PSOE? Através da comida acho impossível”, tece João González.
O dono do restaurante com quase três séculos diz que se há alguém que o faça “é um génio”, mas garante que está fora desse lote.
Ouça a reportagem de Tomás Anjinho Chagas, enviado especial a Madrid