03 jul, 2023 - 15:21 • Beatriz Pereira
Protestos violentos, prédios públicos danificados, carros incendiados e mais de milhares detidos têm marcado a última semana em França, na sequência da morte do jovem Nahel, de 17 anos, alvejado por um agente da polícia em Nanterre, nos arreadores de Paris, durante uma operação STOP.
O vídeo do disparo, partilhado nas redes sociais, gerou a revolta no país e os confrontos com as forças policiais começaram logo no dia da morte do jovem, 27 de junho.
O Governo francês tem mobilizado para o centro dos tumultos mais de 40 mil polícias para travar os protestos e a violência, mas o dispositivo de segurança ainda não conseguiu pôr fim aos confrontos, que levaram já à morte de um manifestante e de um bombeiro.
O caso de Nahel, com ascendência árabe, é o mais recente de violência e brutalidade policial em França, mas pelo menos desde a década de 1960 foram vários os casos semelhantes que levaram à mobilização de milhares de pessoas, em clima de revolta e contestação, em diversas cidades francesas.
Foi em novembro de 2020 que um produtor de música negro, Michel Zecler, foi espancado por quatro polícias em Paris.
O confronto terá começado depois de a polícia ter parado Zecler para verificar se usava máscara, conforme era exigido durante a pandemia de Covid-19.
As imagens de videovigilância foram partilhadas nas redes sociais e geraram episódios de revolta em França, com manifestações de apoio ao produtor de música, mas também contra a aprovação da polémica Lei de Segurança Global (Loi Securité Globale), que prevê até um ano de prisão e multa de 45 mil euros para quem divulgue imagens de agentes de segurança com "a intenção de causar dano".
O “histórico” movimento francês dos coletes amarelos, que começou em 2018, desencadeado por um imposto extraordinário sobre o combustível, levou milhares de francês invadirem as ruas em protesto, durante dezenas de sábados consecutivos. À medida que as manifestações se intensificaram, a repressão policial tornou-se cada vez mais violenta.
Granadas de gás lacrimogénio e balas de borracha foram sendo usadas contra os manifestantes. Milhares ficaram feridos, alguns de forma permanente, como é o caso do lusodescendente Jerome Rodrigues, que perdeu um olho num dos protestos.
Steve Maia Caniço, de 24 anos, lusodescendente em França, desapareceu durante um mês em 2019, depois de ter caído ao rio. Steve estava na Festa da Música em Nantes, quando uma forte carga policial expulsou um grupo de jovens, que assistia ao espetáculo, com apoio de gás lacrimogéneo e balas de borracha.
Pelo menos 14 pessoas acabaram por cair ao rio Loire nessa noite, tendo sido socorridas de imediato. No entanto, o desaparecimento do lusodescendente causou uma onda choque em França, devido às imagens e descrições da intervenção policial.
O caso gerou revolta e em cima da mesa ficou a questão da ação da polícia ter desencadeado, indiretamente, a morte do jovem.
Adama Traoré, um jovem negro de 24 anos, morreu durante uma detenção policial, em Beaumont-sur-Oise, no norte de Paris, em 2016.
Relatórios médicos contraditórios apontaram como causa da morte o sufocamento de Traoré após ter sido empurrado contra o chão pela polícia, outros pelos efeitos do calor durante a perseguição de que foi alvo.
A sua morte desencadeou tumultos e protestos sobretudo organizados pelo coletivo "La Vérité pour Adama" (A verdade por Adama), que 2020 voltou a organizar novas manifestações em França na sequência da morte de George Floyd às mãos da polícia nos EUA, em circunstâncias semelhantes.
Foi depois de uma discussão com a namorada que Lamine Dieng, francês com origem senegalesa, de 25 anos, morreu em 2007, depois de a polícia o ter encostado ao chão com força e os pés amarrados, como denunciaria a organização Amnistia Internacional.
Em vários aniversários da morte do jovem, manifestantes continuaram a sair à rua em protesto contra a brutalidade policial em França. Um dos protestos teve lugar em 2020, em Paris, e contou com a participação da família do jovem Adama.
Em outubro de 2005, os jovens mulçumanos Zyed Benna, de 17 anos, e Bouna Traoré, de 15, morreram eletrocutados numa subestação elétrica em Clichy-sous-Bois, na periferia de Paris, depois de tentarem escapar a uma revista policial.
Os agentes da polícia envolvidos foram acusados de não fazer nada para ajudar, apesar de saberem que os jovens corriam perigo, quando foram vistos a aproximar-se da rede elétrica.
As mortes iniciaram três semanas de confrontos com as forças de segurança em subúrbios de grandes cidades um pouco por toda a França, levndo o Governo a declarar o estado de emergência.
Segundo o Le Monde, mais de 10 mil veículos foram incendiados e 233 prédios públicos e 74 privados foram danificados. Os confrontos culminaram na detenção de mais de 4 mil pessoas.
O massacre de Paris marcou o ano de 1961, quando dezenas de argelinos que viviam em Paris foram mortos pela Polícia Nacional Francesa.
No Outono desse ano, as autoridades reprimiram milhares de manifestantes anticolonialistas que tinham desembarcado em Paris no auge da Guerra da Argélia.
Ainda hoje a tragédia ressoa entre as comunidades árabe e muçulmana de França. Alguns historiadores calculam que entre 200 e 300 argelinos morreram, espancados e afogados pela polícia no Rio Sena.