Renascença na Ucrânia

"Estamos focados em que o ódio não tenha raízes no nosso coração"

06 abr, 2023 - 10:30 • José Pedro Frazão, enviado da Renascença à Ucrânia

O bispo auxiliar de Kiev não sabe se esta será a Páscoa da libertação da Ucrânia, "mas se ela vier mais tarde, claro" que os ucranianos estarão à espera dela. Em tempo de guerra, Oleksandr Yazlovetskyi acredita na "paz justa", em que os cristãos se erguem para defender o seu país. Vai ser difícil perdoar o inimigo, mas para o bispo essa é uma questão a discutir depois da ansiada vitória da Ucrânia.

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O bispo auxiliar de Kiev reconhece que perdoar o inimigo vai ser difícil, mas remete essa questão para o fim da guerra que espera vencer.

Em entrevista à Renascença, Oleksandr Yazlovetskyi defende a noção de "paz justa", que obriga os cristãos a pegar em armas e a defender o seu território. O bispo ucraniano revela ainda a presença de uma Igreja Católica ativa em zonas ocupadas, incluindo na Crimeia.

Atual Presidente da Caritas SPES da Ucrânia, diz que esta Páscoa vai ser mais feliz do que no ano passado e acredita que a situação está bastante melhor. Admite que uma visita do Papa seria sempre importante e sublinha ainda a ligação da Ucrânia a Fátima.

Como avalia a situação presente na Ucrânia, ao cabo do primeiro ano de guerra?

Estávamos muito assustados na última Páscoa, porque a independência do país estava em perigo. Muita gente tinha dúvidas sobre um futuro radioso para nós. Mas para os cristãos, a fé vem primeiro e cantamos com alegria que Jesus ressuscitou. Tivemos dois sentimentos diferentes. Primeiro alegria pela Ressurreição de Cristo e medo por nós e pelo nosso futuro.

A situação está bastante melhor. A guerra continua, sim, mas todos nós acreditamos na nossa vitória e na paz neste país. Acreditamos que esta Páscoa vai ser mais feliz do que no ano passado.

Reza pela paz, mas vemos muitos uniformes militares nas igrejas. Como lida com o desejo de ter paz tendo que fazer guerra nesse sentido?

Quando muitos rezam pela paz na Ucrânia, fazem-no em nome da definição de uma "paz justa". Se falarmos apenas em "paz" no sentido mais genérico, estaríamos a falar de assinar um documento com uma declaração de rendição. Mas a "paz justa" é outra coisa.

Estamos a falar de um país independente, de uma terra natal. Quando temos no nosso território um agressor que quer ficar com a nossa terra, nós, cristãos, temos que a proteger. Os nossos soldados que rezam nas nossas igrejas também são cristãos, são os nossos heróis. Não vejo aqui nenhuma contradição.

Quais foram os principais problemas destes últimos 14 meses para a Igreja Católica?

Os nossos principais problemas são comuns a todos os ucranianos. Como organizar a ajuda humanitária, como ajudar refugiados, como transmitir as nossas posições aos europeus e à União Europeia.

Alguns dos nossos amigos no estrangeiro compreendem quem é o agressor e a vítima, mas levantavam muitas questões. Visitei os EUA , Itália, República Checa e a Polónia para explicar o que sentíamos sobre o que estava a acontecer.

Como Igreja, o nosso papel era acalmar os nossos fiéis e dar-lhes apoio. Quando a guerra começou na Ucrânia, muitas pessoas que perderam tudo e ficaram sem casa perguntavam a Deus como tinha isto sido possível. A nossa tarefa principal era estar junto destas pessoas, para lhes lembrar que, mesmo nesta situação difícil, Deus está próximo e preocupa-se connosco.

Esta será mais uma Páscoa ou a Páscoa da libertação da Ucrânia?

Todos nós esperávamos uma vitoria rápida, até mesmo antes da Páscoa. Mas se ela vier mais tarde, claro que estaremos à espera dela.

Para nós, a Páscoa é quando a vida vence a morte, quando Jesus ressuscita e nos dá esperança na Ressurreição. Não é coincidência que os nossos soldados têm Cristo inscrito nos seus tanques. A nossa esperança está em Jesus ressuscitado e isto dá-nos vida.

O Evangelho fala da necessidade de perdoar os outros, mesmo que estes sejam pecadores. Como podem os ucranianos perdoar a quem lhes fez mal?

Estamos focados em que o ódio não tenha raízes no nosso coração. Temos muito orgulho nos nossos soldados. Quando eles capturam russos, tratam deles de forma muito humana, sobretudo comparando com o que os soldados russos fazem com os nossos militares. Deve ter visto o vídeo em que eles mataram um soldado nosso por dizer "Glória à Ucrânia".

A questão do perdão virá mais tarde, depois da nossa vitória. Quando vêm ter connosco para nos bater, a prioridade não é discutir procedimentos, mas defendermo-nos e parar o agressor. No futuro, sim, vamos ter que falar do perdão e no que isso significa para todos os ucranianos e será uma questão difícil para todos os cristãos.

Quantos católicos estão no território ucraniano sob controlo da Rússia? Têm contacto com eles?

Temos muito poucos cristãos praticantes na Ucrânia ocupada. São cidades que foram construídas durante a União Soviética, quando não eram construídas igrejas.

Há sobretudo comunidades de greco-católicos e cristãos ortodoxos. Não tivemos condições ainda de chegar até eles, mas sabemos que há alguns padres que estão com cristãos, que celebram missas e dão ajuda a essas pessoas. Temos sete igrejas católicas na Crimeia ocupada, se não estou em erro.

Ainda há missas e outras celebrações?

Sim.

Com ucranianos?

Sim.

Em condições difíceis?

Sim.

Têm contactos com eles ou apenas sabem que eles estão lá?

Temos alguns contactos, mas o governo russo escuta todas as conversações. Nunca podemos falar abertamente sobre todos os problemas.

No caso da Caritas SPES, existe alguma mudança de estratégia a pensar já na primavera e no verão?

Aqui no escritório nacional, coordenamos as sete Cáritas diocesanas em toda a Ucrânia. Há questões específicas consoante as regiões. Na Ucrânia Ocidental, a prioridade é ajudar os refugiados e deslocados internos com abrigos, mas têm menos problemas com alimentação e eletricidade.

As Caritas do Leste da Ucrânia ajudam as pessoas nos territórios ocupados que não têm alimentação. Há muitas aldeias na linha da frente ainda sem eletricidade, que ajudamos com geradores e também com distribuição de alimentos.

Uma visita do Papa seria importante para conseguir a paz na Ucrânia?

A visita do Papa Francisco a qualquer país é sempre importante, independentemente do número de católicos nesse país. Se o Papa vier, todas as câmaras do mundo estarão focadas no nosso país.

Independentemente da vinda ou não à Ucrânia, é suficiente que ele se refira à Ucrânia em todas as audiências gerais às quartas-feiras e também aos domingos. Imagine então o que aconteceria se ele viesse à Ucrânia!

Para os católicos de todo o mundo, as palavras do Papa Francisco alumiam o nosso caminho e ajudam-nos a entender as situações. Os católicos não são apenas os que vão rezar à Igreja, são também políticos, músicos, empresários.

O Papa presidiu à consagração da Rússia e da Ucrânia ao Imaculado Coração de Maria em março de 2022. Muitos ucranianos estiveram nessa altura em Fátima. Também a imagem peregrina de Nossa Senhora de Fátima esteve na Ucrânia. Quão importante é esta ligação entre Fátima e a Ucrânia?

Uma semana depois de o Papa Francisco ter consagrado a Ucrânia e a Rússia - preferimos ordenar os países assim - a Maria, os russos saíram da Ucrânia Central.

Uma senhora até veio ter comigo à Igreja e sublinhou que as orações comunitárias eram tão importantes, de tal forma que isto aconteceu no espaço de uma semana. Daí pode ver esta ligação que temos a Fátima.

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