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Comunidade Política Europeia. Um "anel de amigos" da UE com pouca margem para "real politik"

06 out, 2022 - 18:24 • João Carlos Malta

A Renascença foi perceber junto de dois especialistas em assuntos europeus, Henrique Burnay e Paulo Sande, o que pode trazer esta nova organização.

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A capital da Chéquia foi a escolhida para inaugurar, esta quinta-feira, a recém-formada Comunidade Política Europeia (CPE). O grupo integra os 27 Estados-membros da UE e outros 17 Estados próximos e a primeira reunião decorreu hoje, no Castelo de Praga, dedicada à segurança e paz no continente europeu no contexto da guerra na Ucrânia.

Com uma intervenção, por videoconferência, do Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, a reunião juntou 44 chefes de Estado e de Governo da Europa, sublinhando o isolamento da Rússia na comunidade internacional desde que invadiu a Ucrânia no final de fevereiro.
A reunião antecede um Conselho europeu informal dos chefes de Estado e de Governo da União Europeia (UE), marcado para amanhã, no qual os 27 irão debater mais apoio financeiro e militar a Kiev, mas sobretudo uma resposta à escalada dos preços da energia.

O que é a Comunidade Política Europeia?

Para começar, Henrique Burnay, professor de Políticas Públicas Europeias do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa, destaca que a criação desta comunidade é uma ideia antiga -- remonta ao início dos anos 2000, quando era Romano Prodi o presidente da Comissão Europeia.

Já naquela época se identificava a necessidade dw a União Europeia “ter à sua volta um anel de amigos”, indica o especialista.

“Era a teoria de uns países que não fazem parte da União Europeia, mas com quem devemos ter uma relação de proximidade e que não são necessariamente candidatos à adesão, mas são nossos vizinhos”, explica.

Desta forma, a organização corresponde à necessidade de relação com os países do espaço europeu que não existe formalmente. Mas se a ideia é antiga, a roupagem é nova, aponta Paulo Sande.

O especialista em Assuntos Europeus destaca que a CPE surge na sequência da vontade expressa pelo Presidente francês, Emmanuel Macron, de “acalmar as recentes tentativas de vários países da Europa em apressar os processos de adesão”.

“A Ucrânia já tem estatuto de país candidato. Outros países gostariam de entrar neste grupo, porque a UE, entre outras coisas, tem apoios financeiros, e dá ajuda à integração dos países e ao seu desenvolvimento. Além de a União ser vista como um clube de ricos e os países mais pobres verem-na como uma oportunidade de acesso”, explica Sande.

Para quê mais uma organização europeia?

Burnay acredita que “há essa necessidade”, e as outras estruturas que podiam cumprir esta função, como a Organização para a Segurança e Cooperação da Europa (OSCE) e o Conselho da Europa não o fazem, porque não foram desenhadas com esse objetivo.

E para o que poderá servir?

O professor da Católica, que também é fundador da primeira empresa portuguesa de consultoria em assuntos europeus, diz que no médio prazo o que está na cabeça de toda a gente e no topo de prioridades da CPE é a Ucrânia.

“Isto é uma tentativa evidente de tentar agregar o maior número possível de vizinhos da União Europeia para uma posição alinhada relativamente ao tema Ucrânia. A maior parte dos Estados que ali estão encontram-se alinhados, mas nem todos. A Turquia é um país que tem sido muito importante neste processo, mas não tem estado sempre alinhada com a posição europeia”, reflete.

O mesmo especialista salienta que quem integra este novo organismo não é a União Europeia, mas sim os 27 estados membros da UE, e a verdade é que nem todos estão alinhados a 100% quanto à Ucrânia.

Burnay considera que esta é uma iniciativa que corresponde à necessidade de salvaguardar a defesa dos países da UE, mas também dos países que a circundam.

“É bom que a UE fale com os seus vizinhos, que não são nem quem, nem como, a Europa gostaria que fossem. Não são os países mais alinhados, nem as melhores democracias”, defende.

Esta comunidade será apenas uma segunda liga da UE?

Por uma questão de elegância, Paulo Sande não coloca a questão dessa forma. “É uma espécie de Europa alargada, para ser mais simpático”, sintetiza.

“É o alargamento da Europa sem os custos de uma integração dos mecanismos e das políticas, ou do orçamento da UE. É um foro de conversa e de discussão”, explica.

Este especialista em política europeia acredita, contudo, que do “ponto de vista da decisão”, da política real, nunca decidirá grande coisa, sobretudo em tempos de conflito armado.

“Pode funcionar bem quando se traçam planos para o futuro, dificilmente funcionarão bem quando é preciso responder em termos concretos a crises como a que estamos a viver. São 40 líderes europeus que vão conversar sobre o que está acontecer, e que sairão com uma declaração de intenções que diria genérica, senão vaga.”

Devemos esperar muito da Comunidade Política Europeia?

“Não seria excessivamente ambicioso em relação ao que se espera desta entidade, mas diria que está alinhado com o que faz sentido que a Europa faça, que é tomar consciência de que é responsável pela segurança, pela paz, e pela prosperidade nessa região”, diz Henrique Burnay.

O especialista destaca que os países fora da União não devem ser tratados como meros candidatos à adesão, ou apenas parceiros comerciais.

“É necessário aumentar a intensidade da relação com estes vizinhos, a Sérvia é um bom exemplo. Alguns deles estão com um pé a caminhar na direcção da UE e com o outro a manter uma relação próxima com a Rússia.”

Já Paulo Sande acredita que a CPE vai continuar a funcionar num “registo soft de um fórum internacional de discussão”.

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