Reino Unido

Liz Truss ganha as chaves para o "furacão" de Downing Street

05 set, 2022 - 12:53 • António Fernandes , correspondente da Renascença em Londres

O que promete e quais são os desafios que a nova primeira-ministra britânica enfrenta.

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Amanhã o Reino Unido vai acordar com uma nova primeira-ministra: Liz Truss. Aos 47 anos, torna-se a terceira mulher a desempenhar o cargo, depois de bater Rishi Sunak nas eleições internas do Partido Conservador para escolher o sucessor de Boris Johnson.

Ainda antes da queda de Boris Johnson, Rishi Sunak era apontado como o favorito para o substituir e foi mesmo o preferido dos deputados na votação que estabeleceu os dois candidatos finais a Downing Street.

Mas se no início de julho, quando Boris Johnson se demitiu, 137 deputados apoiaram Sunak contra 113 que apoiaram Truss, agora os papéis invertem-se: 81.326 eleitores, membros do Partido Conservador, votaram Truss, contra 60.399 que escolheram Sunak. 17.4% não votaram.

Quem é Liz Truss?

Para os deputados conservadores nos corredores de Westminster, Liz Truss partiu sempre atrás na corrida para ser a próxima primeira-ministra. Assim que restaram apenas dois candidatos, Truss subiu nas sondagens e nas casas de apostas.

A sua inesgotável lealdade para com Boris Johnson é bem vista pela base conservadora, e o seu passado ativo junto dos constituintes também lhe deu pontos.

Historicamente, muitos dos que chegaram ao número 10 de Downing Street estudaram em colégios privados. Já Truss vem de uma escola pública que disse “desiludir os alunos”. Há, no entanto, antigos colegas de escola que consideram que Truss exagerou nas condições da escola para seu próprio ganho político.

Depois de ter começado com os Liberais Democratas, Truss foi eleita pelos Conservadores em 2006, ao fim de algumas tentativas. A um ano de o Reino Unido ter votado para sair da União Europeia, um referendo convocado pelo seu partido, Truss chamou “uma desgraça” à ideia, temendo o impacto que poderia ter na economia. Mas pouco depois do voto, em 2016, mudou de opinião, dizendo que o Brexit podia criar muitas oportunidades.

Pouco depois entrou no Governo de Theresa May, mas é desde 2021 que se tem destacado mais, enquanto ministra dos Negócios Estrangeiros. Ao longo do mandato, liderou a polémica legislação que corta com o protocolo da Irlanda do Norte, assinado com a União Europeia, de forma unilateral e foi também responsável pelo resgate de dois britânicos detidos no Irão.

O que promete?

Num cenário de inflação e aumento vertiginoso do custo de vida, Truss centrou a sua campanha num tema vital para os conservadores: os impostos.

Se o Governo anterior aumentou recentemente os impostos para pagar a fatura deixada pela pandemia, Truss não só recusou novos impostos como promete cortar os que existem. Quer reverter o aumento da Segurança Social, que foi estabelecido em abril, e vai abdicar do aumento dos impostos de 19 para 25% nas empresas. Também os mais ricos - ou principalmente eles - vão beneficiar da sua estratégia de impostos, depois de Truss ter defendido que cortar os impostos, incluindo dos mais ricos, beneficia toda a gente.

No total, serão quase 30 mil milhões de libras em cortes nos impostos a serem aprovados num orçamento de emergência, que o novo executivo quer aprovar ainda este mês. Não há para já uma estratégia para pagar a dívida deixada pela Covid, antes uma intenção de prolongar o prazo para a pagar. Kwasi Kwarteng, até agora ministro da Economia e que é apontado a ministro das Finanças, garante que Truss será “financeiramente responsável".

Entre outras promessas que Truss fez na campanha contam-se ainda:

  • Criar zonas de impostos baixos por todo o país para estimular pólos de inovação e empreendedorismo
  • Não cortar no investimento público
  • Aumentar os gastos na Defesa, com o objetivo de chegar a 3% do PIB em 2030 (atualmente está nos 2%)
  • Suspender uma parte da conta da electricidade que financia projectos sociais e ambientais

Os desafios

Andrew Woodcock, editor de política do jornal "The Independent", diz que “por norma um novo primeiro-ministro tem um período de lua-de-mel, mas desta vez está a entrar diretamente para um furacão”. No meio desse furacão que o Reino Unido enfrenta é difícil saber por onde começar, mas há dois desafios que se destacam como os mais urgentes - a inflação e a crise energética.

A inflação pode chegar a 22% no próximo ano, prevê a Goldman Sachs, o que atinge as carteiras, mas também as ruas. As greves, nomeadamente nos transportes, foram uma constante deste verão, paralisando o país. No centro de tudo está o aumento do custo de vida, o maior dos últimos 40 anos no Reino Unido. Ainda assim, durante a campanha Truss não deu grandes pormenores sobre o seu plano para lidar com a situação.

A inflação anda de mãos dadas com a crise energética, e Truss promete avançar com um plano para a energia ainda esta semana. Uma primeira hipótese será congelar o preço que está a ser cobrado, em vez de um limite ser revisto a cada três meses pelo regulador.

Boris Johnson, na hora da saída, descreveu o apoio incondicional à Ucrânia como um dos sucessos do seu Governo. À medida que a guerra se arrasta, a forma como esse apoio será sustentado abre outra matéria para Truss resolver e fará parte das decisões que tem de tomar. Tendo em conta a sua intenção de aumentar os gastos na Defesa, não se prevê que a estratégia de apoio à Ucrânia se altere.

Há também problemas que podem chegar de outras regiões do Reino Unido. Na Escócia, a primeira-ministra Nicola Sturgeon está determinada em ter um novo referendo à independência em outubro do próximo ano. Em 2014 os escoceses recusaram a independência, mas Sturgeon argumenta que a saída da União Europeia e mesmo as diferenças nas políticas entre o seu Governo e Downing Street para lidar com a pandemia justificam um novo referendo.

Boris Johnson recusou sempre essa possibilidade e Truss estará inclinada a seguir esse caminho. Durante a campanha disse que a melhor coisa a fazer em relação a Nicola Sturgeon é "ignorá-la, só procura atenção”. Nos últimos dias surgiram informações de que um Governo Truss pode tentar introduzir uma medida para mudar as regras de um referendo e exigir um mínimo de 60% de apoio - no referendo de há oito anos, 55% votaram contra a independência. Neste momento, Sturgeon está à espera de ouvir a decisão do Supremo Tribunal sobre se a Escócia pode avançar para um referendo mesmo sem aprovação de Downing Street.

A Irlanda do Norte, ou mais concretamente o Protocolo da Irlanda do Norte, acordado aquando do Brexit, será um dos primeiros testes de Liz Truss no Parlamento. Num projeto seu sob a alçada do Governo de Boris Johnson, Truss, então ministra dos Negócios Estrangeiros, avançou com legislação para mudar o acordo com a União Europeia de forma unilateral. No fundo, tem o efeito prático de ignorar o que foi negociado com a União Europeia para evitar uma fronteira física entre o resto do Reino Unido e Irlanda do Norte. Depois de ter sido aprovada na Câmara dos Comuns, a legislação vai agora à Câmara dos Lordes, onde se espera que haja resistência à medida, por se temer que a nova lei vá contra o Direito Internacional.

Para além de toda esta conjuntura, Truss terá de mostrar a sua destreza política para lidar com o tumulto permanente que é o Partido Conservador. A maioria dos deputados conservadores apoiava o seu rival. É verdade que Sunak disse que apoiaria um novo Governo, mas se há algo que Truss pode aprender com Johnson e May é que a instabilidade no partido tem levado a mandatos curtos.

Truss será a quarta primeira-ministra do Reino Unido em cerca de seis anos. Para ter sucesso, terá antes de mais de conseguir o que os antecessores não conseguiram: unir o partido, particularmente dividido desde o Brexit e exacerbado pela liderança errática de Johnson, que extremou as posições internamente. Por mais diferenças ideológicas que existam, será a sua capacidade para apresentar medidas e estratégias para lidar com todos estes desafios que vai convencer o seu partido.

Tal como Boris Johnson e Theresa May antes dele, também Truss chega ao poder depois de convencer os eleitores conservadores. Com a sua demissão, Johnson deu aos conservadores nova chance de escolherem um líder para o partido e para o Governo nacional. Apesar de o partido não revelar números oficiais, serão cerca de 160 mil pessoas os eleitores num cenário destes -- apenas 0.3% do eleitorado do Reino Unido. Do que se sabe por investigações como a que foi feita pela Queen Mary University of London, estes eleitores, membros do Partido Conservador, são mais velhos, mais de classe média e mais brancos que a restante população do Reino Unido. Isso quer dizer que o seu sucesso nestas eleições internas não garante automaticamente sucesso em eleições legislativas.

Truss tem tempo - as próximas eleições acontecem em 2024 - mas a última sondagem do YouGov indica que só 12% das pessoas acreditam que será uma boa primeira-ministra. As polémicas dos últimos meses, como o Partygate, também afetaram muito o Partido Conservador. Três anos depois de Boris Johnson ter conseguido a maior vitória para os Conservadores em 30 anos, as últimas sondagens dão a liderança aos Trabalhistas, agora na oposição, com 39% de preferência de voto neste momento. Os conservadores ficam-se pelos 31%.

Dentro do partido há a perfeita noção - e muita desconfiança - de que o trabalho feito por Truss nos próximos dois anos será essencial para manter o poder.

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