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10 de Junho

"Completamente bilingues". A escola portuguesa que a comunidade pediu em Londres

10 jun, 2022 - 08:30 • António Fernandes , correspondente em Londres

Marcelo Rebelo de Sousa vai visitar a primeira escola anglo-portuguesa no sábado, em Londres, no âmbito das comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas.

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No sábado, os pequenos alunos da Anglo Portuguese School, em Londres, vão ter mais uma razão para praticar o seu português. A escola é a primeira paragem no longo sábado em que o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, vai visitar várias instituições, a propósito das comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas.

A escola, que começou a funcionar em setembro de 2020, no sul de Londres, é a primeira escola bilíngue com currículo em português e inglês em Inglaterra.

Regina Duarte, diretora do Instituto Camões no Reino Unido e adida para a educação na embaixada portuguesa em Londres, é a mentora deste projeto. No site da escola, é apresentada mesmo como a “fundadora” da escola.

Regina diz que a ideia foi sua, sim, mas porque havia necessidade. “Pais que escreviam para aqui, e perguntavam: Onde é que há escolas bilíngues - e diziam no plural - para inscrever os nossos filhos. E eu ficava sempre muito frustrada por ter de dizer às pessoas que não havia nenhuma, não havia escolha porque não havia nenhuma”.

Começou então, ainda em 2012, o projeto de criar uma escola anglo-portuguesa. Regina volta atrás no tempo para contar como foi a viagem deste empreendimento, começando pela questão do financiamento, porque abrir uma escola em Londres representa um “investimento gigantesco”, diz.

A solução então foi o programa “Free Schools” em que é dado financiamento para escolas que são públicas, gratuitas, desde que seja provado que existe uma necessidade daquela escola, naquele contexto.

Para encontrar o Trust, que gere a escola, foram “três ou quatro”. O Trust é um dos pilares do projeto, e sem o qual nada sai do papel. O que é afinal o Trust? É, explica Regina, uma fundação constituída por pessoas privadas, que têm competências em várias áreas, educação, finanças, marketing.

O Estado tem de confiar que aquele grupo de pessoas tem competências para gerir um investimento de vários milhões que o Governo inglês está a fazer. “Sem que este grupo passe no crivo inglês, o projeto não é aprovado. Encontrar as pessoas certas demorou vários anos”, sendo que, como destaca Regina, são “pessoas que aceitam fazer este trabalho muito generosamente porque não são pagas”.

Para além disso, foi preciso apresentar um currículo, um plano financeiro para cinco anos e uma diretora: “foi a primeira contratação e tivemos imensa sorte de conseguir uma diretora, a Marta Correia, que estava a gerir uma escola bilíngue inglesa-alemã, que é uma ‘free school’ também, portanto conhecia este modelo de gestão, e é falante nativa de português, o que foi um bónus com que não contávamos”.

Essa aprovação chegou em 2016. Para encontrar o edifício certo foram três anos e muitas dores de cabeça para Regina.

Uma escola portuguesa, com certeza

Nesta semana agitada, entre avaliações e preparações para a visita do Presidente da República, Marta não conseguiu ter tempo para nos falar sobre o funcionamento da escola nestes primeiros anos.

Felizmente, temos a experiência e conhecimento de Regina Duarte para nos contar como é que se cria uma escola verdadeiramente bilíngue, que dê uma experiência portuguesa aos alunos: “Nós temos de garantir que os alunos têm tempo de imersão para além do tempo de sala de aula, e isto significa que alguns membros do pessoal de apoio idealmente falarão também português. Os professores são ingleses, os professores de português são nativos de português e são contratados pelo Estado português”.

Isso garante que os alunos tenham contacto com o português, mas também vem resolver um outro problema, na comunicação com os encarregados de educação porque há casos de pais que “não participam tanto na vida escolar dos filhos, porque o domínio do inglês não é muito bom e sentem que não conseguem participar tanto quanto gostariam”. Na Anglo Portuguese School fica resolvido esse “problema de acesso e participação”.

Olhando para as redes sociais da escola, podemos ver outros exemplos dessa imersão. No Dia de São Martinho, houve magusto. Na sala dos alunos mais pequenos, os alunos cantam a música “Todos os Patinhos”. Pelo seu ar desperto, a música não os vai mandar para a cama.

Em termos de currículo o envolvimento da professora de português também não se cinge às aulas, colaborando também com os outros professores da primária para dar módulos de ciência, história e educação física que são educados em português. É que na educação física, também se pode trabalhar o português.

”Outro dia fui à escola e os meninos estavam todos no ginásio a ter uma aula de educação física, e a aula estava a ser dada em português. Achei isso muito curioso, porque há imensa linguagem que acontece. A professora dizia: ‘agora vamos formar um quadrado’. Tudo isso é linguagem que eles adquirem nas outras disciplinas, também em português”, conclui Regina.

A escola responde a uma necessidade da comunidade portuguesa, mas não se limita a ela. Há alunos brasileiros e no próximo setembro vão entrar mais alunos ingleses, e também americanos.

Para Regina, a experiência dos alunos será “mais rica” nesse contexto internacional. Esses alunos que não são nativos, vão sair da escola bilíngues porque como entram na escola aos quatro anos “conseguimos garantir que todos têm um excelente domínio de português e todos têm um excelente domínio de inglês. Há alunos que chegam sem saber uma palavra de português, mas há quem também chegue sem dizer uma palavra de inglês. Os professores estão absolutamente preparados para trabalhar com estas diferenças e trazê-los para o mesmo nível.”

Aos 11 anos será tempo de mudar de escola. Para já não há planos para evoluir a escola para uma secundária também. Até porque a tinta na parede da primária ainda está fresca, e em grande parte da escola as obras ainda decorrem.

Só assim foi possível abrir em 2020. A escola até estava em boas condições, mas Regina diz que vai “ficar espectacular”. Ano a ano vão entrando alunos no ano mais baixo que a escola oferece, até se chegar a 420, a capacidade máxima. Tendo em conta que a diáspora portuguesa excede os 400 mil, uma escola será suficiente? “Se houver interesse, temos de olhar para ele. Mas não será tão difícil fazer outra escola bilíngue como foi fazer esta primeira, agora já há um conhecimento e um modelo que pode ser usado.”

Ao dotar os pequenos portugueses de maiores competências linguísticas em português, a escola cria também condições para que a vida familiar seja mais, como dizer, portuguesa.

Nas visitas a Portugal, não serão diferentes de ninguém. Regina trabalha no Instituto Camões no Reino Unido há 11 anos. Na altura da mudança, os filhos tinham seis anos. Já não tiveram oportunidade de estudar na nova escola e Regina vai “ter de viver com isso o resto da vida, porque os meus filhos vão queixar-se o resto da vida de eu não ter conseguido abrir a escola a tempo de eles irem para lá”.

Que diferença teria feito terem sido alunos da Anglo Portuguese School? “Os meus filhos falam português, mas a única exposição que têm ao português é quando falam com os pais. Neste momento, 11 anos depois, a língua dominante deles é o inglês. O português deles para comunicação oral é bom, não é muito sofisticado, mas o escrito é bastante deficiente.”

Essa é a grande diferença, diz, dos seus filhos para os novos alunos da escola porque os que “passam por uma escola bilíngue vão ter um português tão sofisticado quanto o inglês, e vão escrever tão corretamente em português quanto o inglês. No outro caso, as crianças vão desenvolver um português oral, mas condicionado às conversas que temos em casa. A linguagem formal é a da escola, das apresentações orais, dos textos argumentativos. O português deles é suficiente, mas não é o nível que eu gostaria que tivessem”.

"Garantir que a língua portuguesa está bem representada”

Por definição, o Instituto Camões tem a missão de “garantir que a língua portuguesa está bem representada”.

O projeto da escola foge talvez do padrão tradicional dos serviços do Instituto, mas a necessidade da comunidade tornou-o relevante. Há, no entanto, outra vitória que acompanha o benefício para os alunos.

Regina diz que o facto do Estado britânico aceitar financiar uma escola com um currículo português-inglês significa que “aceita o papel do português formalmente, como uma língua internacional. É o reconhecer de que a língua portuguesa é suficientemente importante para fazer parte da rede de ensino inglês”.

Se a participação do Estado britânico foi financeira (e de controlo de qualidade constante), onde fica a participação portuguesa? ”O Estado português tem contribuído com ofertas frequentes de materiais, recursos didáticos, biblioteca, todos os anos compramos livros infantis para atualizar a coleção de livros portugueses e tem o meu trabalho também, que é pago pelo estado português”, diz Regina.

O contributo do Instituto Camões não fica por aqui. Há uma uma rede de ensino no Reino Unido com 28 professores, pagos pelo Estado português, coordenados pelo Instituto e que ensinam 3.500 alunos.

Grande parte destes alunos aprendem português como uma disciplina extracurricular, mas “há uma percentagem significativa e crescente de alunos que aprendem português como parte do currículo, são escolas britânicas que aceitam o desafio de oferecer o português como uma língua estrangeira integrada no currículo”.

Para saber onde colocar os professores, o Instituto localiza as zonas em que a comunidade portuguesa está mais presente e depois é preciso “contactar as escolas dessa região e perguntar-lhes se estão interessados em oferecer português, sendo que nós oferecemos um professor e é gratuito, a escola não tem despesas”.

São já 50 escolas britânicas em que o Instituto ensina português, dez das quais são em Jersey - uma pequena ilha britânica com pouco mais de 100 mil habitantes, entre os quais cerca de sete mil portugueses. Escola bilíngue, para já, só em Londres.

No dia 11 espera-se uma apresentação especial para o Presidente da República, mas sobre isso Regina não fala e mantém a surpresa.

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  • Silvia
    10 jun, 2022 York 21:32
    Seria fantástico se a Regina conseguisse estabelecer aulas online semanais, COM PREÇO ACESSÍVEL, para o resto da comunidade que não mora em Londres. As aulas online agora oferecidas pelo Instituto Camões são caríssimas e mesmo a inscrição não é intuitiva. Faz falta um apoio linguístico acessível a todos os emigrantes, para podermos manter a língua nos nossos descendentes que estejam foram de comunidades falantes de português. Sei que houve um desinvestimento no apoio a nossa língua (fui leitora “não oficial” em Shanghai há 20 anos) e o apoio que tínhamos para livros e outros recursos vinham maioritariamente da embaixada brasileira. Agora continuo em ter dificuldade em encontrar recursos em português ACESSÍVEIS, mas agora para as minhas filhas, não alunos. A comemoração deste ano pode marcar a mudança, será com alguma vontade!

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