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Diário de Guerra

Dia 105. Cereais roubados? Lavrov desconversa. "Vamos libertar o leste da Ucrânia da repressão neonazi"

08 jun, 2022 - 19:47 • André Rodrigues

Foi o momento mais tenso da conferência de imprensa após a reunião desta quarta-feira entre os ministros dos Negócios Estrangeiros turco e russo, em Ancara. Sergei Lavrov foi questionado por um jornalista ucraniano sobre o alegado roubo de cereais. Na resposta, o chefe da diplomacia de Moscovo deixou um sorriso desafiador a Zelenskiy: "É ele que tem de dar a ordem para que os navios estrangeiros e ucranianos vão para o Mar Negro... se ainda mandar em alguma coisa por lá".

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A ida do ministro russo dos Negócios Estrangeiros à Turquia foi o acontecimento mais marcante do 105.º dia da guerra.

Sergei Lavrov esteve em Ancara em conversações com o seu homólogo turco para discutir a criação de corredores marítimos para escoar os cereais ucranianos retidos nos portos do Mar Negro. Mas sem a presença de qualquer representante político da Ucrânia.

Coube a um jornalista ucraniano fechar a ronda de perguntas dirigidas ao chefe da diplomacia de Moscovo. Com uma acusação: “além dos cereais, que outros bens roubou à Ucrânia e a quem os vendeu?"

Lavrov sorriu e, no mesmo tom impenetrável, refutou a acusação, sem levantar a voz: “Vocês ucranianos estão sempre tão preocupados com aquilo que podem roubar que pensam que os outros fazem todos o mesmo”.

E prosseguiu: os cereais “podem ser transportados livremente para o seu destino. A Rússia não está a colocar obstáculos a isso. É o senhor Zelenskyi que tem de dar a ordem, se ainda mandar em alguma coisa por lá, para permitir que os navios estrangeiros e ucranianos vão para o Mar Negro”.

E rematou, focando-se, de novo, na retórica assumida desde o primeiro dia da guerra: “Vamos libertar o leste da Ucrânia da repressão do regime neonazi”.

Crise alimentar é parte do “arsenal de terror” de Moscovo

As consequências da guerra no fornecimento alimentar global também passou pelo Parlamento Europeu, com a presidente da Comissão Europeia a acusar Vladimir Putin de fazer um "cerco frio, insensível e calculado" aos países mais vulneráveis do mundo, afirmando que "os alimentos se tornaram parte do arsenal de terror do Kremlin".

Ursula von der Leyen acusou Putin de utilizar a fome como uma arma e de recorrer à desinformação para tentar responsabilizar a União Europeia e as sanções impostas à Rússia pela situação atual.

A líder do executivo comunitário acusa o Kremlin de usar a insegurança alimentar como uma arma: "é a única forma de descrever os bombardeamentos, pela Rússia, das instalações de armazenamento de cereais e o bloqueio nos portos ucranianos - em alguns casos até roubo - de cerca de 20 milhões de toneladas de cereais atualmente retido na Ucrânia".

Ucrânia. O “erro catastrófico” de Putin

Outra das figuras do dia é a ex-chanceler da Alemanha.

Na primeira entrevista que concedeu, depois de abandonar o cargo, Angela Merkel descreveu a invasão da Ucrânia como um “erro catastrófico”, um ataque sem desculpa ao direito internacional.

Merkel, que, enquanto líder do governo germânico, foi uma das principais responsáveis pela chamada de Putin ao diálogo com a União Europeia, diz ter feito tudo o que estava ao seu alcance para evitar o conflito atual na Ucrânia: “É uma grande tristeza que não tenha dado certo, mas não me culpo por não tentar", disse Merkel, aludindo ao acordo de 2014 de Minsk com a Rússia.

Mas refuta as acusações de ingenuidade, por acreditar que Moscovo poderia mudar o seu esquema de valores por via das relações comerciais com o Ocidente.

Contudo, Merkel reconhece que, ainda quando estava em funções como chanceler, tinha a consciência de que o objetivo do Presidente russo era a destruição da Europa. Mas era preciso “tentar tudo diplomaticamente”, antes de ir para um conflito.

Ucrânia reconhece superioridade russa em Severodonetsk

A cidade de Severodonetsk é, agora, o epicentro da guerra no terreno.

Com o avanço das forças russas, o exército ucraniano admite retirar da cidade estratégica na zona de Lugansk, no leste, que tem sido bombardeada diariamente, sem interrupção.

“Provavelmente vai ser precisa uma retirada”, declarou o governador local Sergei Gaidai ao canal de televisão 1+1, numa altura em que Severodonetsk está parcialmente sob o controlo da Rússia.

As Nações Unidas confirmaram esta terça-feira que, desde 24 de fevereiro, pelo menos 4.253 civis perderam a vida e 5.141 ficaram feridos.

Das vítimas mortais confirmadas pelo Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), 272 são crianças, e há também 433 crianças entre os feridos.

Mas, como sempre é admitido pela ONU, os números serão, eventualmente, muito superiores.

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  • Cidadao
    08 jun, 2022 Lisboa 21:08
    O momento mais tenso, será quando o Ocidente deixar de exigir à Ucrânia que se defenda com um braço atrás das costas, ou seja, nada de armas pesadas com alcance para atingir território Russo. A Rússia não tem esse entrave: ainda hoje lançaram um míssil que atingiu Kiev, depois de voar cerca de 1700' Km. O primeiro grande erro, foi os EUA e a NATO não terem imposto uma zona de exclusão aérea sobre a Ucrânia, o que foi largamente aproveitado pelos russos para atapetarem a Ucrânia com bombas e mísseis. Depois, embora com grande superioridade naval, permitem um bloqueio aos portos Ucranianos. Em seguida, além de fornecerem material a conta-gotas ainda impõem que não seja usado para atacar território russo, apesar de a Rússia destruir tudo o que pode em território Ucraniano. É fazer a Ucrânia defender-se com um braço atrás das costas. Porque não fornecer sistemas de misseis capazes de atingir Moscovo? Uma escalada na guerra? Olhem, se não for hoje, é amanhã. E pelo menos hoje, os Russos não estão em posição de força contra a NATO. Amanhã, não sabemos.

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