12 abr, 2022 - 11:00 • Ana Catarina André , enviada à Polónia
Angela Sharukhanova, 33 anos, tinha chegado a Portugal com a mãe há menos de duas semanas, quando decidiu voltar novamente ao cenário de guerra de onde fugira, na Ucrânia.
Em pouco tempo, tinha conseguido encontrar uma casa e um emprego num salão de cabeleireiro, nos arredores de Lisboa. “Estava a integrar-me bem, mas precisava de material para continuar a trabalhar e de alguma roupa e bens para começar de novo”, conta a jovem, que é esteticista na área do "styling" de sobrancelhas e pestanas.
“Da primeira vez que aterrei em Lisboa, trouxe apenas uma pequena mochila e o cão”, recorda a ucraniana, adiantando que a empresa onde trabalhava, na região de Kharkiv, no leste, fechou as lojas no país. “Ainda antes da viagem, pedi à gestora da loja que me enviasse os produtos e ferramentas por correio para Lviv [na zona ocidental do país].”
De autocarro em autocarro, conseguiu chegar à fronteira da Ucrânia e percorrer – sozinha – mais de 1000 quilómetros para regressar a casa.
Sozinha e praticamente sem dinheiro, Angela saiu do Barreiro, onde estava alojada, com a mãe, e apanhou um autocarro, à noite, com destino a Leiria. Através das redes sociais, soubera que, na manhã seguinte, iria partir, daquela cidade, uma caravana humanitária para Varsóvia, na Polónia. “Pedi para me levarem e disseram-me logo que sim”, revela Angela, acrescentando que “há muitas pessoas a quererem ajudar os refugiados”.
De autocarro em autocarro, conseguiu chegar à fronteira da Ucrânia e percorrer - sozinha - mais de 1.000 quilómetros para regressar a casa. “Quando cheguei a Poltava, a cerca de 60 quilómetros da cidade onde vivo, soube que os bombardeamentos tinham parado e que tinha uma oportunidade para ir rapidamente a casa”, relata a ucraniana. “Pode parecer uma piada, ou uma loucura, mas eu sabia que ia conseguir. Amo a vida.”
Com a ajuda do pai, que ficara para trás - a Lei Marcial em vigor impede os homens, entre os 18 e os 60 anos, de saírem da Ucrânia -, conseguiu fazer duas malas, com roupa, sobretudo. “A minha casa, por enquanto, está intacta. Como não há água nem energia, na cidade, por causa dos ataques russos, tentei lavar-me como pude e comer alguma coisa. Estava tão cansada que tive de dormir uma hora, antes de apanhar o comboio para sair dali”, recorda.
O pai foi o único membro da família que conseguiu reencontrar. A irmã e a avó também estão na Ucrânia, tal como o marido que se juntou às tropas. “Felizmente, tenho conseguido falar com ele. Quando não me telefona, fico com medo que lhe possa ter acontecido alguma coisa”, desabafa.
Horas depois de ter estado em casa - poderá ter sido a última vez que a viu intacta -, soube que o presidente da Câmara da cidade avisara a população do risco iminente de ataque, pedindo a todos que abandonassem a região o mais rapidamente possível. “Penso de forma positiva e sempre acreditei que ia correr bem.”
De comboio, primeiro, e, depois, de autocarro, Angela conseguiu chegar a Lviv. Pelo caminho, contou com a ajuda de dezenas de voluntários que lhe deram comida e transporte - viajou com muito pouco dinheiro. “Se tive medo? Não sei. Estava mais concentrada em conseguir fazer o que era preciso.”
“Li muita informação sobre Portugal e como se dizia que era um país que estava a acolher muito bem os refugiados, resolvi arriscar.”
Em Lviv, cidade que, nas últimas semanas, tem sido um dos principais pontos de passagem de milhares de refugiados rumo à fronteira com a Polónia, Angela Sharukhanova cumpriu o outro objetivo da viagem: foi aos correios e levantou a encomenda com os materiais que a antiga chefe lhe enviara.
“Foi também aí que uma ucraniana, que vive em Portugal, me telefonou a dizer que no dia seguinte, partiria de Varsóvia um voo humanitário, para Lisboa. Era tudo o que queria ouvir”, diz, contando que, quando saiu de casa, pela primeira vez, a 6 de março, ponderou ir para Espanha por ser mais perto da Ucrânia. “Li muita informação sobre Portugal e, como se dizia que era um país que estava a acolher muito bem os refugiados, resolvi arriscar.”
Na viagem de Lviv à fronteira, cruzou-se com Kristina, uma conterrânea que fugia com as duas filhas, uma de 6 e outra de 13 anos. “Ficamos lado a lado na camioneta. Quando me perguntou para onde ia, e lhe disse ‘Lissabon’, sorriu. Íamos para o mesmo sítio”, conta Angela que, nessa altura, se apercebeu que iriam viajar no mesmo voo.
Kristina e as filhas vinham de Lugansk, na região de Donbass, onde, nos últimos oito anos, os conflitos entre as forças armadas ucranianas e os separatistas apoiados por Moscovo terão provocado milhares de mortos. “A Kristina contou-me que começou a fugir dois dias antes do início da guerra. Mudou-se com as crianças para três cidades. De cada vez que chegavam a um sítio, a guerra chegava também. Como a irmã vive em Portugal, decidiu ir ter com ela.”
Por causa dos atrasos nos serviços fronteiriços, Angela demorou mais tempo do que previa a chegar a Varsóvia. “A certa altura, achei que não chegava mesmo a tempo. Falei com o motorista para lhe pedir para passar diretamente no aeroporto. Respondeu-me que precisava de autorização do chefe para fazer isso e eu telefonei-lhe: ‘por favor, por favor, ajude-me’. E ele ajudou-me”, conta aliviada, recordando também o momento em que os outros passageiros se despediram dela, de Kristina e das duas crianças. “Foi muito bonito, quando todos nos disseram adeus em uníssono.”
Quando as quatro ucranianas chegaram à zona de check-in do aeroporto, para se encontrar com os voluntários da paróquia do Campo Grande, em Lisboa, que tinham organizado o voo humanitário onde viajariam, a maioria dos refugiados tinha já seguido para as portas de embarque.
Uma semana depois de ter iniciado a viagem, e praticamente sem ter dormido durante sete dias, Angela entrava no avião que a levaria de novo a Portugal. Não sem antes garantir que as quatro malas de viagem com os bens que trouxera da Ucrânia, seguiam também no porão. “Amanhã, quero ir trabalhar. Quero voltar a ter uma vida normal.”
Reportagem
Depois de ter enviado um autocarro que trouxe 49 p(...)