Canadá

Sem violência, polícia tenta vencer manifestantes pelo cansaço, conta embaixador português

08 fev, 2022 - 19:42 • Ana Carrilho

Em relação aos portugueses, João da Câmara diz que há muitos a trabalhar nesta área central da cidade agora bloqueada e estão a passar pela situação como os outros cidadãos, com prejuízos a vários níveis.

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Milhares de manifestantes continuam a ocupar o centro da capital canadiana, Otava. O movimento Freedom Convoy (Comboio da Liberdade) começou a 29 de janeiro, com o protesto dos camionistas contra a obrigatoriedade de apresentação do certificado de vacinação para atravessar a fronteira com os Estados Unidos.

Mas daí para cá ganhou apoios de outras pessoas que também contestam as medidas sanitárias decretadas pelo governo de Justin Trudeau. E inspirou protestos noutras cidades e províncias do Canadá.

Garantem que vão ficar e fazer-se ouvir com as buzinas dos camiões 24 horas por dia, até ver as suas reivindicações atendidas.

A polícia não tem meios para enfrentar os manifestantes e agora, a estratégia, é vencê-los pelo cansaço, através do bloqueio ao fornecimento de combustível, essencial para combater o frio. Essa é a ideia do embaixador de Portugal no Canadá, João da Câmara, que falou com a Renascença.

Um barulho infernal

O protesto do movimento Freedom Convoy está circunscrito a uma parte da cidade de Otava, capital do Canadá. Mas é o centro político, administrativo, judicial, financeiro, comercial e económico, onde estão os grandes hotéis e centros comerciais. Não é uma zona residencial “por excelência”.

“E ainda bem”, diz o embaixador de Portugal no Canadá, João da Câmara, que por estes dias agradece o facto de nem a embaixada nem a residência se localizarem naquela zona.

“Aquele barulho das buzinas, 24h por dia, é uma coisa infernal”. Na entrevista à Renascença partilha inclusive a situação por que passou numa tentativa de conversa com outro diplomata, com escritório na zona dos protestos. Apesar de estar no 16.º andar não conseguia fazer uma conversa telefónica. “O barulho é ensurdecedor e muita gente já deixou de ir para os escritórios, trabalha a partir de casa”.

Quanto ao comércio, restauração, hotéis e outros serviços, está tudo fechado, já que o presidente da Câmara, Jim Watson, decretou o estado de emergência.

Ainda assim, João da Câmara, diz que não é um estado de emergência para dar mais poderes à polícia. “Dá apenas mais flexibilidade ao presidente da câmara, no caso de precisar de intervir a vários níveis, mas não de segurança”

Sem recursos, polícia de Otava recorre à estratégia do “cansaço”

Há milhares de manifestantes a ocupar a área onde o Parlamento e o governo tem a sede. E o chefe da polícia queixou-se de não ter meios para acabar com o que chamou de “estado de sítio”.

“A polícia percebeu que não tem meios para confrontar os manifestantes sem que isso acarretasse um problema sério de segurança pública. Prefere não entrar em confrontação. Por seu turno, os manifestantes também já deram mostras de não querer ações violentas. O que tem havido são casos isolados e esporádicos entre manifestantes e pessoas que ali vivem ou trabalham, já fartas do que se passa”, diz o embaixador João da Câmara à Renascença.

Por isso, a polícia está a usar outra estratégia, diz o diplomata. “Estão a tentar asfixiar o abastecimento de combustível aos manifestantes. Se resultar, poderá levar a alguma desmobilização”.

É que as temperaturas no Canadá estão muito baixas. “E esta semana, não está mau, anda pelos -7ªc—8ºC”. No entanto, para os próximos dias, as previsões apontam para um maior arrefecimento, com os termómetros a marcar temperaturas máximas de 2º e mínimas que podem descer até aos -23ºC-24ºC.

É suficientemente frio para que os manifestantes que estão dentro dos camiões tenham que se aquecer; para isso precisam de ter o motor a trabalhar, o que exige mais combustível”, explica João da Câmara. “A ideia é ir limitando a ação (dos manifestantes), pouco a pouco, sem violência, até que os faça quebrar por cansaço”.

Esta segunda-feira, uma porta-voz do movimento Freedom Convoy já disse que os ativistas estão dispostos a negociar como governo para encontrar uma solução, mas segundo o diplomata português, “por enquanto não há nenhum processo negocial, não há alguém a falar com alguém, ninguém sabe como é que a situação vai evoluir e que fim vai ter”.

Por outro lado, o protesto de Otava já inspirou movimentos semelhantes noutras cidades de Ontário, como Toronto ou noutras províncias, nomeadamente Manitoba, Quebec, Colúmbia Britânica e Alberta.

Quanto ao governo, o primeiro-ministro Justin Trudeau já deixou claro que não tem qualquer intenção de usar as forças armadas para pôr fim ao protesto. “Essas ações musculadas podem sempre degenerar num caso grave de segurança pública e são de evitar”, diz o embaixador.

Em relação aos portugueses, João da Câmara diz que há muitos a trabalhar nesta área central da cidade agora bloqueada e estão a passar pela situação como os outros cidadãos, com prejuízos a vários níveis.

A nível geral, este protesto que começou por ser apenas dos camionistas, está a provocar prejuízos de milhões de dólares. “As perdas económicas são muito importantes e já há pedidos de compensação ao governo. Mas nada que se compare ao confinamento. E há pessoas que estão mais preocupadas com o inferno em que se transformou o centro da cidade porque não há quaisquer condições de trabalho”.
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