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Pandemia de Covid-19

Portugueses no Reino Unido. "É a uma semana da viagem que saberemos se podemos voar?"

30 jun, 2020 - 09:00 • António Fernandes, correspondente no Reino Unido

A partir de 6 de julho, os residentes no Reino Unido vão poder visitar alguns países sem que seja exigida quarentena no regresso. Mas, Portugal pode ficar fora da lista de países considerados seguros.

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A 8 de junho, quando os outros países europeus começavam a reabrir, o governo de Boris Johnson implementou um período de isolamento obrigatório de 14 dias para todos os que chegam ao Reino Unido, com exceção daqueles que chegam da Irlanda. Era também aconselhado que apenas fossem feitas viagens essenciais.

Com isso, as férias de verão tornaram-se uma miragem para os habitantes do Reino Unido. Mas Londres está prestes a anunciar uma lista de países com os quais serão estabelecidos corredores aéreos a partir de 6 de julho e que poderão ser visitados sem ser exigida quarentena no regresso.

Um porta-voz do governo britânico disse à BBC que as novas regras dariam aos britânicos a possibilidade de passar férias no estrangeiro, com países como Espanha, Itália ou Grécia a serem incluídos na lista.

Apesar de nada oficial ter sido confirmado, os meios de comunicação social britânicos apontam para que Portugal possa ficar fora da lista de países considerados seguros.

A espera e as decisões dos portugueses

Sem saber ainda se lhes será exigido fazer quarentena no regresso de Portugal, a incerteza baralha os planos dos portugueses. Marta Gonçalves do Couto tem 29 anos, vive em Oxford e está no Reino Unido há quatro anos. Durante a pandemia tem trabalhado a partir de casa, algo que é normal na empresa onde trabalha, porque “ já é algo que costumamos fazer, por necessidade ou porque nos apetece”.

Por norma, vai uma a duas vezes a Portugal todos os anos, mas ainda não sabe se isso acontecerá em 2020. A decisão dependerá principalmente de saber se “é seguro para nós e para os nossos familiares”.

Mas admite que, se à data da viagem que tem marcada, a 4 de agosto, não houver corredor aéreo para Portugal, será “complicado” ir de férias. Isto porque, apesar de Marta não ter problemas com a quarentena no regresso, para o marido "é impossível regressar ao Reino Unido e depois estar mais duas semanas em casa".

Para Maria João Fonseca, de 40 anos e a viver em Buckinghamshire ao longo dos sete anos que leva no Reino Unido, a pandemia significou o 'lay-off' no trabalho, porque trabalha num cinema, ainda sem data de regresso.

Maria João visita Portugal uma vez por ano, em agosto. Este ano, já tinha as férias marcadas entre 19 de agosto e 3 de setembro e vai esperar para decidir. Se a quarentena ainda for obrigatória, diz que “a entidade patronal não vai aceitar que eu tire 15 dias de férias mais 15 dias para ficar de quarentena".

"E com a previsão de voltarmos a 3 de setembro, a escola vai começar passados poucos dias e os miúdos já perderam tanto de escola estes meses que é impensável irmos nessas condições", acrescenta. Além disso, se a situação em Portugal começar a “agravar muito também vamos ponderar se queremos ir.”

Ir a Portugal é mais do que férias

Cátia Jacinto trabalha numa creche. Ou melhor, costuma trabalhar numa creche. Por causa da pandemia, a creche teve de fechar e, apesar de ter reaberto em junho, ainda “não há crianças suficientes que justifique chamar todos os trabalhadores”.

Cátia, de 34 anos e a viver em Manchester há dez anos, viu as horas de contrato serem reduzidas e por isso, também o salário.

Enquanto espera em casa para regressar ao trabalho, mantém os planos de ir a Portugal em agosto, até porque nem só de férias se trata. Os emigrantes, relembra Cátia, “vão para estar com a família, com os amigos e para tratar de assuntos burocráticos”.

Apesar de interessada na questão do corredor aéreo, Cátia diz ser uma privilegiada porque tem o mês de agosto todo de férias e por isso pode “ir duas semanas de férias e regressar para fazer a quarentena antes do regresso ao trabalho. Mas há muitas pessoas que não têm essa possibilidade.”

A acompanhar a situação a partir de Cambridge está Miguel Torres, de 39 anos e já há quase oito no Reino Unido. Durante estes meses tem estado a trabalhar de casa. Já a namorada, é técnica de farmácia e trabalha nos cuidados intensivos num hospital onde a maioria dos pacientes são agora relacionados com a Covid-19.

Viver no estrangeiro tem, como tudo, aspetos positivos e negativos. É difícil, por exemplo, fazer parte de todos os momentos importantes na vida dos familiares e amigos. É para tentar não perder tudo isso que Miguel chega a ir até 10 vezes a Portugal num ano.

Há sempre um aniversário, o Dia da Mãe, o Natal... Neste ano, Miguel já teve três voos cancelados. Tem outro marcado para o final de julho, mas está em “dúvida” porque caso não haja corredor aéreo na altura isso significa ficar 14 dias em casa em quarentena e a decisão ainda não está feita por motivos de trabalho mas também porque “como há mais casos no Reino Unido do que em Portugal, não queremos ser vectores de transmissão do vírus”.

Para Paula Romão, de 51 anos e a residir em Cheltenham há oito anos, os dias no lar de idosos onde trabalha como animadora cultural têm sido intensos devido à pandemia: “Passei praticamente abril e maio a fazer Skypes com as famílias e cheguei a fazer Skypes com doentes terminais positivos a horas de morrerem, porque a família se queria despedir mas não podiam entrar no lar. Foi um bocado duro.

"Ao contrário dos outros portugueses com que a Renascença falou, a decisão de Paula está feita desde abril e “este ano não vou a Portugal”, apesar de, em condições normais, ir a casa duas vezes por ano. E não vai “pela incerteza, podemos marcar o voo e depois ser cancelado, ninguém sabe o que vai acontecer daqui a uma semana ou daqui a um mês” mas também porque entende que a própria viagem é um perigo “porque estamos sempre em contacto com muitas pessoas no aeroporto, por muito que se evite, e então decidi não ir”. As férias serão feitas no Reino Unido.

Portugal: dentro ou fora da lista?

A resposta de Portugal à pandemia tem sido vista como um sucesso num Reino Unido a sofrer com um número elevado de infeções e com mais de 43 mil mortes causadas pela Covid-19.

Conhecida que é a importância do turismo na economia nacional, Portugal colocou-se mesmo na linha da frente para receber os britânicos e, ainda antes da quarentena obrigatória ter entrado em funcionamento, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, disse estar a negociar um corredor aéreo com o Reino Unido para garantir as férias dos emigrantes.

Numa entrevista à BBC, Santos Silvou piscou também o olho aos britânicos e assegurou que seriam bem-vindos a Portugal. Mas agora que o Governo inglês se prepara para confirmar a abertura de corredores aéreos com vários países, Portugal pode não estar incluído devido ao aumento recente do número de casos na Grande Lisboa.

Contactado pela Renascença, Sean Tipton, representante da ABTA, a principal associação de agências de viagens no Reino Unido, reconheceu que Portugal é uma escolha “popular”, que recebe anualmente cerca de dois milhões de turistas britânicos e que tem “ligações históricas ao Reino Unido”.

Tipton diz ainda que “muitos britânicos vão a Portugal todos os anos, maioritariamente ao Algarve, mas muitos, principalmente os mais jovens, começam a escolher Lisboa e o Porto também”.

O setor já está a registar um lento aumento do volume de negócios, ainda que, “até que sejam estabelecidos esses corredores, seja difícil saber que impacto vão ter na indústria”.

Acima de tudo, recorda Tipton, nada é ainda oficial e não é garantido que Portugal não integre a lista, porque “é tudo muito especulativo nesta altura. Temos de esperar para ver”.

A confirmar-se, muitos dos mais de 400 mil emigrantes portugueses que vivem no Reino Unido podem não ter condições para cumprir um ritual anual: a ida a Portugal no verão.

A angústia da incerteza

No entretanto, entre o ir e o ficar, há a incerteza que se arrasta. Para Cátia, o mais difícil é “termos planos e não sabermos. É difícil gerir isso. Ainda esta semana, o meu pai me perguntava 'vens cá ou não?' e eu não sei”.

A Marta, custa a incerteza e o não poder ir. Diz mesmo que parou de ver os telejornais portugueses, porque “ver os números a subir e a descer todos os dias é uma ansiedade muito grande; não conseguir perceber minimamente como é que as coisas vão estar".

"Estando grávida, quero muito ir a Portugal para partilhar um bocadinho essa experiência com os familiares e a incerteza é completamente devastadora. Portanto, neste momento deixei de ver notícias (risos) e penso assim 'ok, quando faltar uma semana para o voo vemos como é que a situação está'. É muito difícil, eu nem quero pensar nisso. Custa muito”.

Para Maria João, que terá de cancelar as férias caso ainda seja necessário fazer quarentena no regresso, não poder ir vai “custar, porque é a única altura que vamos e é a única altura em que os meus pais veem os netos…é complicado.”

Caso possa ir a Portugal, não vai “visitar aquela família toda que costuma visitar todos os anos. Eu costumo ficar na casa dos meus pais, que vivem no Algarve. Para mim, é um dois em um, é perfeito (risos)”.

Miguel admite que a incerteza “custa bastante – já são muitos meses sem lá ir para nós que estamos habituados a ir muitas vezes” – mas entende que também é importante “respeitarmos o momento em que vivemos”, apesar de estar “desejoso de voltar e de estar com a nossa família”.

O momento do reencontro – uns no aeroporto, outros já em casa – costuma ser marcado por um abraço apertado de saudades. Desta vez não será assim e há mais um obstáculo: não chegar perto depois de tanto tempo longe.

Marta, que planeia estar em Portugal 20 dias, acredita que, principalmente na primeira semana, haja algum cuidado, mas… “vou ser honesta: tenho 29 anos, estou fora de Portugal há quatro anos, sou a mais nova de três irmãos. Acho que os meus pais não vão conseguir não abraçar. Vamos ter de arranjar uma solução: máscaras, luvas, algum plástico (risos)… vai ser muito difícil, muito difícil mesmo”.

Caso se confirme que Portugal não está incluído na lista inicial dos países dados como seguros pelo Reino Unido, há esperança para os emigrantes portugueses. A lista será revista a cada três semanas.

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