Moçambique. Populações em pânico fogem após novo ataque em Mocímboa da Praia

29 jun, 2020 - 09:24 • Olímpia Mairos

Ajuda à Igreja que Sofre partilha relatos de religiosas que descrevem situação preocupante em Cabo Delgado, temendo que Jihadistas controlem a província.

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A Fundação Ajuda à Igreja que Sofre (AIS) mostra-se preocupada com a situação que se vive em Mocímboa da Praia, em Moçambique, alertando que “desde a madrugada de sábado que grupos fortemente armados” atacaram a região, “causando o pânico e levando à fuga das populações”.

A Fundação Pontifícia partilha relatos de religiosas das Filhas do Coração de Maria, nomeadamente da irmã Graça António Guitate, dando conta que que o início do ataque “aconteceu às 5 horas” e os ataques terão durado essencialmente “até ao meio-dia” e terão causado muitas baixas entre os militares.

“Não se fala em muitas infraestruturas danificadas, mas, sim, conta-se que morreram muitos militares moçambicanos”, contou à Fundação AIS a irmã Graça Guitate.

Este confronto, entre os dias 28 e 30 de maio, é considerado como o mais significativo em Cabo Delgado, desde a ocupação pelos grupos armados, que se afirmam ligados ao Daesh, o Estado Islâmica, da vila de Mocímboa da Praia.

Também Nuno Rogeiro, autor do Livro “O Cabo do Medo”, em que descreve a ameaça jihadista na região norte de Moçambique, deu conta do ataque a Mocímboa da Praia, referindo que “os insurgentes”, como os terroristas, também são conhecidos localmente, fizeram uso de armas pesadas, nomeadamente “morteiros de 60 mm e canhões sem recuo SPG-9”.

Na sua página no Facebook, Nuno Rogeiro escreve que só “a intervenção de helicópteros” pelas forças governamentais, “terá evitado a reocupação total da terra pelo bando, mas muitos civis voltaram a estar na situação de refugiados nas matas circundantes”.

Horas antes do ataque ter ocorrido, a irmã Graça, assim como a irmã Joaquina, ambas pertencentes à Congregação das Filhas do Imaculado Coração de Maria, descreviam já, em mensagens enviadas para a Fundação AIS, um ambiente de caos humanitário na região de Pemba, para onde se têm dirigido milhares de pessoas, por causa dos ataques dos jihadistas.

Face à violência dos ataques, tornou-se insustentável a permanência das pessoas em muitas localidades na região mais a norte na província de Cabo Delgado. Nem os padres ou as irmãs ficaram nas paróquias ou missões existentes na região.

“Os ataques têm sido algo cada vez pior aqui, na nossa província, e os missionários, nessa zona norte, nomeadamente de Palma, Mocímboa da Praia, Nangade, Mueda, Muidumbe, Macomia,

Meluco, Quisanga e Ibo já abandonaram as missões”, relatou à Fundação AIS a irmã Graça Guitate, revelando que “alguns destes missionários” estão agora na cidade de Pemba.

Para trás, ficaram episódios de violência, nomeadamente contra a missão dos monges beneditinos e a casa das Carmelitas Teresas de São José.

A irmã Graça recordou que os jihadistas “atacaram os monges beneditinos, que estavam na zona de Auasse, apropriaram-se de uma viatura e estragaram a casa”, tendo, entretanto, “os missionários voltado para a Tanzânia”.

Já sobre o ataque às irmãs de São José, a religiosa não tem muita informação, mas sublinha que “todos, naquela zona, já abandonaram as missões e estão na cidade [de Pemba] ou já voltaram para outras zonas.”

Também a irmã Joaquina Tarse, que pertence à mesma Congregação das Filhas do Imaculado Coração de Maria, enviou uma mensagem para a Fundação AIS em Lisboa, destacando que se vive “uma situação preocupante” no norte de Moçambique, manifestando o receio de que os grupos armados pretendem mesmo controlar toda a província de Cabo Delgado.

Igreja de Moçambique pede “uma resposta urgente a esta tragédia”

A situação de violência em Cabo Delgado, que já provocou centenas de mortos e mais de 200 mil deslocados, foi um dos temas principais da reunião da Conferência Episcopal de Moçambique, entre os dias 9 e 13 de junho.

Os prelados falaram em “atrocidades” e em “atos de verdadeira barbárie” e pedem “uma resposta urgente a esta tragédia”. No documento final, os bispos agradecem o espírito solidário de todos os que têm vindo a acolher as populações em fuga.

A crise humanitária que se está a viver em Cabo Delgado, e que é consequência dos ataques de milícias jihadistas, já mereceu palavras de solidariedade do Papa Francisco no Domingo de Páscoa.

Precisamente dois meses depois de o Papa ter falado na Praça de São Pedro sobre Cabo Delgado, o Bispo de Pemba denunciava à Fundação AIS que se estava a viver uma realidade “cada vez mais dramática” na região.

“O alojamento não é suficiente para todos, porque, aqui em Pemba, por exemplo – explicou D. Luiz Fernando Lisboa, as famílias estão a receber [os desalojados], mas há também grandes acampamentos sem as condições necessárias. Não há tendas suficientes, não há comida que chegue, porque é muita gente.”

A agravar esta situação, e porque agora “é a época do frio”, como sublinhou o bispo, faltam “mantas, e cobertores” para distribuir a todas as pessoas.

Uma realidade que se agrava com o último ataque a Mocímboa da Praia, que provocou mais algumas largas dezenas de deslocados.

Nos relatos que fez à Fundação AIS, a irmã Graça António Guitate sublinhou, precisamente, esta realidade. A religiosa explica que “o governo arranjou um sítio onde está aglomerada a população”, não adiantando, no entanto, um número sequer aproximado de quantos deslocados estarão a viver na cidade de Pemba.

A Igreja Católica está “fortemente empenhada no apoio a todas estas pessoas” que, tendo fugido das aldeias e vilas por causa dos ataques dos grupos jihadistas, estão agora de mãos vazias, dependendo totalmente na ajuda fornecida pelas autoridades e pela diocese, através da Cáritas.

A Congregação das Filhas do Imaculado Coração de Maria também está no terreno junto dos deslocados, procurando “apoiar também moralmente, porque é uma população que não precisa apenas de alimentos, mas também de um acompanhamento espiritual”. Uma ajuda essencial até porque muitas destas pessoas estão traumatizadas pela experiência de violência extrema que tiveram de suportar. “São pessoas que viram os seus pais, os seus irmãos a serem degolados…”, lembra a Irmã Graça em declarações à AIS.

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