12 abr, 2019 - 23:55 • Tiago Palma
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19 de junho de 2012. Neste dia, e até à última quinta-feira – passaram-se entretanto 2487 dias –, quando o fundador da WikiLeaks acabaria detido pelas autoridades britânicas, o número 3 de Hans Crescent, no bairro de Knightsbridge, em Londres, tornou-se o asilo de Julian Assange. Assange refugiou-se na embaixada equatoriana para evitar a extradição para a Suécia, que solicitou que o fundador do WikiLeaks se entregasse por supostos crimes sexuais, um processo que, entretanto, prescreveu. Desde então, habitava (e trabalhava) num quatro exíguo na embaixada do Equador. E fora tido, Assange, pelo ex-Presidente equatoriano, Rafael Correa, como um "herói" cujas denuncias "defendiam a liberdade".
Mas a relação com o Equador começou a deteriorar-se quando o número dois de Correa, Lenin Moreno, ascendeu em 2017 à presidência – curiosamente, foi já com Moreno que foi concedida a Assange a cidadania equatoriana, não lhe chegando a ser atribuído o estatuto de diplomata tão somente porque Londres rejeitou o pedido. Lenin Moreno, próximo que é de Washington – o Presidente do Equador inicia na próxima semana uma visita de Estado de seis dias aos EUA –, e antes mesmo de ascender ao poder, descrevia já Assange, não com heroísmo, mas como um mero “hacker”.
Ao longo do último ano e meio, contudo, a relação deteriorou-se mais e mais – foi cortado o acesso de Assange à internet e ao telefone, e passaria a ter visitas reduzidas na Embaixada, alegadamente para que este não comentasse assuntos de política internacional –, o que levaria mesmo Lenin Moreno a dizer, logo após a detenção do fundador da WikiLeaks, que o Equador se livrara de uma “pedra no sapato”. Porquê? Há duas versões, a de Moreno (e do governo) e a da WikiLeaks (e da oposição ao governo).
Começando pela do Presidente, Lenin Moreno acusou Assange de ter instalado equipamentos eletrónicos de distorção (não permitidos) e de ter bloqueado câmaras de segurança da missão diplomática equatoriana em Londres. Mais: o Equador lembra o quanto gastou com Assange para garantir a segurança do “hóspede”: 6,2 milhões de dólares. "A paciência do Equador chegou ao limite", atirou o Presidente, que acusa igualmente o rosto da WikiLeaks de ter “agredido e maltratrado” guardas da embaixada e acedido, “sem autorização”, aos arquivos de segurança.
Mais longe nas acusações foi a ministra da Administração Interna do Equador. María Paula Romo explicou que Assange manteve uma “conduta higiénica imprópria” (este terá, alegadamente, esfregado fezes nas paredes da dependência diplomática) e um comportamento descrito como “bizarro”, o que tornaria a sua permanência na embaixada “insustentável”. “O fim do asilo é não só um protesto soberano do Equador, mas também a consequência do incumprimento reiterado das normas de asilo e de mínima convivência”, concluiu María Paula Romo.
Mas nem só de bizarrias se fez a relação de Julian Assange com o Equador – e, nomeadamente, com o Presidente equatoriano. A ministra da Administração Interna lembrou que a WikiLeaks “cruzou uma linha muito grave nos últimos dias”. E acrescentou: “Neste momento, o governo equatoriano e o Presidente são alvos de uma grande campanha, uma campanha de ataque à reputação, que também está a ser orquestrada pela WikiLeaks”.
Mas de que fala María Paula Romo? Dos INA Papers. Ou seja, da revelação (num site anónimo; a WikiLeaks já veio negar que Assange estivesse envolvido na publicação das denuncias) da existência de uma conta secreta no Panamá, no Balboa Bank, em nome da família do Presidente do Equador (terá sido criado pelo irmão deste), que serviria para financiar a vida luxuosa da família Moreno na Europa aquando da sua passagem pelas Nações Unidas.
O antigo Presidente do Equador, Rafael Correa, que vive hoje exilado em Bruxelas – recusa regressar ao Equador (onde é alvo de dezenas de investigações judiciais) e diz-se vítima de “perseguição” –, já reagiu à detenção de Assange e garante que se tratou de uma “vingança pessoal” de Lenin Moreno devido à denúncia daquele “caso muito grave de corrupção" que o envolve. “Ele [Moreno] pôs a vida de Assange em perigo e humilhou o Equador”, disse ainda, acusando o seu ex-número dois de ser “o maior traidor da história latino-americana”.
O editor-chefe do WikiLeaks, o jornalista islandês Kristinn Hrafnsson, veio entretanto acusar Lenin Moreno de utilizar Julian Assange (e a detenção de Assange) para “desviar a atenção” dos INA Papers. “Acho que é bastante óbvio que se trata de uma tentativa de desviar a atenção dessa investigação sobre ele. O Wikileaks não teve nada a ver com a publicação ou a obtenção dessas informações. Desde que ele tomou posse que era hostil ao Julian e queria livrar-se dele. No final, a embaixada já era bem pior do que qualquer prisão”, lembrou.
Agora, a WikiLeaks promete lutar contra a possível extradição de Julian Assange para os Estados Unidos. “Vamos lutar contra a extradição, que é uma perseguição política. Não é um indivíduo [Presidente Moreno] que tem a capacidade de mudar o que o Estado concordou em fazer. Se o Estado garantiu a alguém um asilo político, está comprometido, de acordo com a lei internacional, com aquela proteção. Mesmo que haja uma mudança na liderança não se pode, arbitrária e unilateralmente, decidir que se vai retirar aquela proteção”, explicou Kristinn Hrafnsson.
Assange, de 47 anos, foi detido devido a um mandado de extradição norte-americano por “pirataria informática”, que será analisado numa audiência judicial a 2 de maio, e a um mandado emitido em junho de 2012 pela justiça britânica por não-comparência em tribunal, um crime passível de ser punido com um ano de prisão. Em 2010, o WikiLeaks divulgou mais de 90.000 documentos confidenciais relacionados com ações militares dos Estados Unidos no Afeganistão e cerca de 400.000 documentos secretos sobre a guerra no Iraque.