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Em Mossul, o Estado Islâmico entra nas casas e diz: "Vamos morrer todos juntos"

31 mar, 2017 - 10:00 • Rui Barros

A cidade que viu o Estado Islâmico nascer é hoje palco de uma batalha onde os civis são usados como escudos. “Situação terrível”, diz Sandra Black, da Organização Internacional para as Migrações, a partir do Iraque.

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"Situação terrível". O retrato de Mossul por quem ajuda no terreno
"Situação terrível". O retrato de Mossul por quem ajuda no terreno

Segunda-feira, 17 de Outubro de 2016. O primeiro-ministro iraquiano dirigia-se ao país, através da estação televisiva Iraqiya, e anunciava o início das operações para libertar Mossul. "O tempo da vitória chegou e as operações para libertar Mossul começaram", informava o primeiro-ministro, que prometia aos residentes da região de Mossul libertá-los “da violência e do terrorismo do Daesh”, o autoproclamado Estado Islâmico (EI).

Sexta-feira, 17 de Março de 2017. Um raide aéreo feito pela coligação militar liderada pelos Estados Unidos contra o bairro de Jadia, em Mossul Ocidental, mata pelo menos 150 pessoas e leva o governo norte-americano a anunciar a abertura de uma investigação ao incidente. A Amnistia Internacional acusa a coligação que luta contra ao autoproclamado Estado Islâmico de “fracassar em tomar as precauções adequadas para prevenir as mortes de civis”.

A reconquista da cidade que viu o Estado Islâmico nascer em 2014 (foi ali que Abu Bakr al-Baghdadi proclamou a instauração do califado) coloca todos os dias em jogo a vida de cerca 650 mil civis que ainda vivem em Mossul Ocidental. Cercados, os combatentes do Estado Islâmico fazem dos civis que lá permanecem escudos humanos.

Recuperar o controlo da cidade, hoje capital do Estado Islâmico em solo iraquiano, ditaria uma forte derrota para o grupo terrorista.

“Vive-se uma situação muito complicada em Mossul, com o Estado Islâmico a entrar na casa das pessoas e a dizer: ‘Vamos todos morrer juntos’”, explica Melany Markham, assessora do Conselho para os Refugiados Norueguês no Iraque, em declarações à Renascença via Skype.

A mesma situação é relatada por Donatella Rovera, da Amnistia Internacional. Num vídeo divulgado pela organização de defesa dos direitos humanos, conta, perante os destroços de uma casa, que os combatentes do Estado Islâmico forçaram a entrada numa das habitações atingidas num dos raides aéreos.

“A casa foi bombardeada com os civis lá dentro”, conta Rovera. "É uma situação em que os residentes não podem fazer nada."

Centenas de civis morrem em Mossul por seguir conselho do Governo, diz Amnistia
Centenas de civis morrem em Mossul por seguir conselho do Governo, diz Amnistia

“O facto de as autoridades iraquianas terem recomendado, repetidamente, aos civis para que permanecessem nas suas casas em vez de fugiram da zona indica que as forças da coligação deviam ter tido consciência de que aqueles ataques aéreos resultariam muito provavelmente num número significativo de mortes de civis”, entende a Amnistia.

Wa’ad Ahmad al-Tai, morador do bairro de Al-Zahra, em Mossul Oriental, foi um dos civis que cumpriu as recomendações do governo, que largou milhões de panfletos na zona ocidental de Mosul a avisar do início da operação da reconquista da cidade. Os folhetos pediam aos civis para ficar em casa.

“Apinhámo-nos todos numa das divisões, bem ao fundo da casa, 18 pessoas, três famílias. Mas a casa ao lado foi bombardeada e ruiu sobre nós”, relatou Wa’ad Ahmad al-Tai à Amnistia.

Os dois filhos, Yusef e Shahad, a sobrinha, o irmão e a sua esposa morreram. As Nações Unidas estimam que, no final de Janeiro deste ano, quase metade das baixas registadas em Mossul eram de civis. Pelo menos 1.494 pessoas já morreram.

O trabalho humanitário para alojar 58 mil famílias

Sandra Black, porta-voz da Organização Internacional para as Migrações, diz que os habitantes de Mossul Ocidental vivem hoje “uma situação terrível”.

“Vários civis são colocados perante esta decisão difícil de escolher entre tentar abandonar a cidade – e poder ser apanhado por uma bomba pelo caminho – ou ficar na cidade e ser vítima de um raide aéreo”, conta Sandra Black à Renascença, a partir da cidade de Erbil, a 75 quilómetros de Mossul.

Fotos: Organização Internacional das Migrações
Fotos: Organização Internacional das Migrações

“Muitas famílias ficaram sem os recursos necessários para viver em Mossul. As lojas estão vazias, as escolas não estão abertas…", explica a porta-voz. As organizações não-governamentais a operar no local estão, por isso, “sob pressão”.

“As pessoas chegam desesperadas”, constata Black. O rio Tigre, que cruza a cidade de Mossul em direcção ao Golfo Pérsico, tem sido uma das formas que os residentes de Mossul têm encontrado para escapar ao cerco imposto à cidade. “Algumas pessoas nadam e chegam até nós com muito frio e a precisar urgentemente de assistência médica”, conta.

A Organização Internacional para as Migrações aponta para 58 mil o número de famílias desalojadas desde o início do conflito em Mossul. São mais de 350 mil os que procuraram um lugar nos cerca de 30 locais de asilo construídos na região.

De acordo com o último relatório das Nações Unidas sobre o tema, cerca de três mil tendas estão montadas e prontas para receber famílias desalojadas a este e a norte de Mossul. “Tem sido feito um esforço significativo por parte das organizações humanitárias para preparar abrigo para aqueles que abandonaram ou poderão vir a abandonar a cidade”, explica Sandra Black.

Comentários
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  • MamaMia
    16 jun, 2017 Lx 17:04
    O que é realmente necessário é o extermínio dessa gentalha, inimiga da humanidade. Aqueles que se deixaram estar ao longo de todo este tempo, ao sabor do vento, têm de saborear os ventos da guerra... Nada mais do que isso!!!

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