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HORA DA VERDADE

Abstenção do PS no Orçamento "dará argumentos fáceis aos nossos adversários"

24 out, 2024 - 07:00 • Susana Madureira Martins, Marta Pedreira Mixão (Renascença) e Maria Lopes (Público)

Eurico Brilhante Dias, dirigente do PS, considera que “estamos mais perto do regresso ao défice” e que o Orçamento do Estado foi desenhado para um “fim de festa”.

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Hora da Verdade com Eurico Brilhante Dias. Abstenção “dará argumentos fáceis aos nossos adversários”
Hora da Verdade com Eurico Brilhante Dias. Abstenção “dará argumentos fáceis aos nossos adversários”

Eurico Brilhante Dias é deputado e dirigente do PS e avisa o partido, que optou pela abstenção no Orçamento do Estado (OE 2025), que a decisão terá consequências. É adepto da decisão da direção nacional, mas o socialista prevê que serão “fáceis” os argumentos dos adversários.

Em entrevista ao programa Hora da Verdade, da Renascença e do jornal Público, o economista e antigo líder parlamentar, admite que o o diploma do Governo está desenhado de uma maneira que pode fazer o país "regressar" ao défice, tendo em conta o aumento da despesa previsto e a perda de receita fiscal.

Sobre o pedido de recato feito aos militantes socialistas pelo líder do PS antes do anúncio do sentido de voto no Orçamento do Estado, o deputado e presidente da comissão parlamentar de Trabalho diz que é “ineficaz” e que isso se deve à própria natureza do partido. “Não temos essa cultura”, diz Brilhante Dias.

O antigo líder parlamentar e ex-secretário de Estado para a Internacionalização critica o que considera ser a “falta de sentido de Estado” do ministro dos Negócios Estrangeiros pelo alegado episódio de tensão que terá envolvido Paulo Rangel e militares da Força Aérea na receção aos portugueses vindos do Líbano. “Tem havido momentos menos felizes”, admite.

Participou na Comissão Política do PS desta segunda-feira. No final, o presidente Carlos César disse que a abstenção no Orçamento do Estado é uma decisão que custa ao partido, mas que não era possível deixar a administração pública paralisada à espera de novas eleições. Este argumento podia ou devia ter sido dado mais cedo e logo à partida pelo secretário-geral, Pedro Nuno Santos?

Não sei se seria benéfico para próprio Partido Socialista, tenho as maiores dúvidas. O PS tem 78 deputados e prescindir de negociar era pouco razoável. O PS tinha a obrigação de chegar junto do Governo e dizer que tinha propostas e que essas propostas eram importantes para que o país fosse melhor. A solução do cheque em branco, viabilizando sem mais, era pouco razoável e por isso é normal que o secretário-geral tenha tido momentos - a negociação, chegar ao fim e tomar uma decisão. Carlos César fez uma boa síntese das intervenções e do sentimento do partido.

É uma decisão que custa?

Custa porque a avaliação que fazemos do Orçamento e do desempenho do Governo levaria, naturalmente que, sem mais, votássemos contra. É um Orçamento mau e o desempenho do Governo em muitas áreas, desde as áreas mais institucionais ou de soberania até a algumas setoriais, tem demonstrado fragilidades evidentes e, portanto, percebo que a maioria dos socialistas se sentisse mais confortável com o voto contra.

Contudo, o voto contra tem implicações institucionais graves, teria custos difíceis de perceber por parte dos portugueses. E, como disse uma vez António José Seguro, aquela não seria seguramente a votação que o PS gostaria de fazer, mas era seguramente a necessária ao país naquele momento.

"A decisão que tomámos dará aos nossos adversários políticos um argumento fácil"

Soube-se cá fora que terá dito que estes ganhos de causa foram pífios. Quer explicar isso? E primeiro que tudo, era adepto da abstenção ou não?

É evidente que o Governo entregou no Parlamento uma proposta de Orçamento deliberadamente sem acordo do PS. O que afasta o PS de um compromisso com as opções políticas e, portanto, não é o nosso Orçamento. O PS não está vinculado àquelas opções políticas. Segundo, os recuos ou as cedências do Governo são cedências absolutamente insuficientes quer no IRS Jovem, quer no IRC. Tão insuficientes que o próprio Governo pode querer retificar um ou outro aspeto.

O Partido Socialista abstém-se, mas não em função do resultado da negociação. É uma abstenção por outras razões de natureza institucional e de defesa daquilo que entendemos que é o interesse nacional.

Era favorável à abstenção?

Votei favoravelmente a abstenção. E isso tem duas faces da mesma moeda: sinto que essa votação é necessária, mas faço a mesma avaliação de que é um Orçamento mau, de um Governo que tem sido mau. Aquilo que melhor formava a nossa opinião sobre o Governo e sobre o Orçamento era votar contra.

Agora, nós não nos abstemos por concordarmos com o Orçamento, nós abstemo-nos pela avaliação política que fazemos do quadro da política nacional.

Pedro Nuno Santos arrumou as suas próprias linhas vermelhas, pelo menos no IRC, quando primeiro disse que não aceitaria nenhuma baixa de IRC, nem qualquer modelação, e logo a seguir aceitou a redução de um ponto no IRC com modelação.

Uma descida transversal do IRC é uma má opção de política pública em função dos recursos que nós temos.

E, por isso, o PS vai votar contra essa medida?

Não sei, o secretário-geral, e muito bem, fechou o processo de votação do PS na generalidade e na votação final global.

O PS foi governo há muito pouco tempo. Sabe que este não é um Orçamento de início de ciclo, parece um Orçamento de fim de ciclo. O Governo consumiu uma parte substantiva da margem orçamental que tinha. Enviou para Bruxelas um cenário macroeconómico que é muito diferente daquele que apresentou aos portugueses em campanha eleitoral. E sabe que Portugal precisa, nos próximos anos, de continuar a consolidar orçamentalmente e que a margem para aumento de despesa é muito limitada.

Penso que este Orçamento vai pelo caminho errado: é um Orçamento mais de fim de festa do que propriamente Orçamento que nos diga que está a começar alguma coisa de novo. Mesmo que fosse alguma coisa de novo com a grande divergência do Partido Socialista.

Se este Orçamento é de fim de festa, acha exequível que a margem orçamental se consiga manter nos 700 milhões de euros e que o PS é responsável por essa manutenção da margem orçamental?

O secretário-geral foi muito claro: o PS passará o processo de especialidade garantindo que essa margem orçamental do Governo é preservada lato sensu. Subscrevo a ideia de que esta margem é uma margem de orçamento a priori. Se a execução orçamental vai permitir garantir superavit, tenho mais dúvidas. Nós vivemos ambiente de enormes riscos orçamentais, pelo contexto externo particular.

Podemos ter aqui "superávitzinho" ou até mesmo défice? Há esse risco, como disse Fernando Medina?

O Orçamento é arriscado. Subscrevo a posição do Fernando Medina, nós estamos mais perto do regresso ao défice, porque estamos a tomar decisões de aumento de despesa e redução de receita de forma cumulativa, em que o Governo se apresentou numa lógica de ciclo eleitoral e de fecho de ciclo eleitoral. E isso traz tensões orçamentais que não são reproduzíveis em exercícios futuros. Com o risco, evidente, de que aquilo que continua a acontecer na Ucrânia, no Médio Oriente, com eleições nos Estados Unidos da América, que são importantes para a construção do orçamento, como o preço do petróleo.

E de um Governo que mantém abertas muitas portas para aumentar despesa e que o seu comportamento até agora não ajuda. Os médicos continuam a dizer que os aumentos foram absolutamente insuficientes. Os professores continuam a dizer que é injusto que alguns recebam subsídio de deslocação e outros não. Continuamos a ter pressão nas forças de segurança para aumentar o subsídio de risco.

Portanto, atenção, que estas portas abertas são portas de aumento de despesa. Quando nós sabemos que alguns dos nossos orçamentos continuarão a ter uma forte pressão alta.

É natural, depois de tudo o que aconteceu, que o PS venha a votar contra a redução do IRC?

Eu não consigo dar essa resposta, tout court. Agora, o partido tem sido contra a descida transversal e tem fundamentos. Eu fui secretário de Estado da Internacionalização, e uma das minhas áreas era a captação de investimento direitos estrangeiros.

Nós sempre usámos a fiscalidade para criar emprego, para aumentar investimentos, para aumentar exportações, e o Partido Socialista não tem nenhum complexo com a tributação das empresas. Agora, o que diz é que um país que tem escassez de recursos, que continua a ter que financiar atividades fundamentais do Estado Social e que tem de usar a margem orçamental e financeira que tem para desenvolver o país, não faz reduções transversais de imposto, beneficiando muitas atividades económicas que são rentistas e que vivem do mercado doméstico e não estão expostas à concorrência internacional.

O Orçamento do Estado como produto final pode não ser exatamente aquilo que o Governo quer?

Não consigo responder melhor do que isto. É simples, o Partido Socialista, durante o processo de votação na especialidade assegurará aqueles que foram os princípios enunciados pelo secretário-geral.

Mas o secretário-geral também disse que o PS partia para a votação na especialidade com toda a liberdade e que, portanto, iria também apresentar as suas propostas de alteração. Algumas delas sabemos nós que o PSD tem vota contra, mas muito possivelmente poderão ser aprovadas com voto a favor do Chega. Por exemplo, aumento extraordinário de pensões ou as propostas que fez na negociação. Pergunto-lhe, o PS vai propor isso?

Não sei, hoje não sou a pessoa que lhe pode responder a essa pergunta. E foram as três todas rejeitadas. Faz sentido, se o PS vai com toda a liberdade, que volte a insistir nelas na especialidade, e com os pressupostos que o próprio secretário-geral anunciou de não desvirtuar o saldo final apresentado pelo Governo.

"Há um descontentamento que deve ser escutado que tem uma fonte essencialmente social nas condições de vida de muita gente"

Que consequências é que pode ter a abstenção futuramente para o PS?

É muito expectável que cada vez que o PS procure mostrar a sua divergência face à opção política, os outros partidos, se calhar com pouca imaginação, devo dizer, dirão que o Orçamento passou porque vossas excelências se abstiveram. Sim, mas eu também acho que os portugueses são suficientemente inteligentes para perceber que essa dialética, a branco e preto, é muito pouco criativa e virtuosa.

O PS vai ser um saco de pancada?

É verdade, penso que a decisão que tomámos dará aos nossos adversários políticos um argumento fácil, dizendo: "os senhores abstiveram-se e, portanto, os senhores são parceiros". Não, o PS fez uma avaliação daquele que era o interesse nacional. E nesse sentido, abstém-se.

No seu caso não tem propriamente espaço de comentário fixo, mas as críticas feitas pelo secretário-geral pedindo que alguns comentadores, também dirigentes do PS, saiam do pedestal. Criou divisão?

Pedir aos socialistas, em geral, para ficarem calados, eu lamento dizer, mas é no mínimo ineficaz. Nós não temos essa cultura. O Partido Socialista é partido aberto, com muitas opiniões diferentes, como foi patente neste processo. É um momento de unidade na Comissão Pública Nacional, mas nós temos essa pluralidade que é a nossa marca.

Devo dizer, tem muitos momentos difíceis, porque temos muitas vozes a falar ao mesmo tempo e isso não é necessariamente bom, muitas vezes, para ter uma voz única. Às vezes é extremamente positivo, porque isso que nos aproxima de mais cidadãos e mais cidadãos e leitores e da população, que percebe que nós há dimensões diferentes e eu gosto muito do meu partido e desta pluralidade.

Acho que não há nenhum socialista, começando pelo próprio secretário-geral do partido, que quisesse alguma vez que o Partido Socialista fosse uma coisa bocadinho monolítica, monocromática, com uma única opinião.

Nós somos todos diferentes, temos perspetivas diferentes e é absolutamente natural. Isso vai ser impossível. Nós teremos sempre socialistas, uns com mais acesso aos meios de comunicação que outros e os militantes de base não são menos, nem mais do que são os dirigentes.

Agora, é absolutamente infrutífero procurarmos caminhar nesse sentido. Penso que o secretário-geral quis sinalizar que ter muitas vozes a dizer coisas contraditórias não seria muito fácil para ele no processo negocial. Mas eu acho que ele não tem a expectativa de que as pessoas não manifestem a sua opinião. Agora, claro, cada é responsável pela opinião que tem e, portanto, eu devo assumi-lo integralmente.

Temos distúrbios em Lisboa após a morte de um cidadão no bairro do Zambujal. Este era um barril de pólvora que já existia e que estoirou era entretanto?

Não sou perito na área da segurança. Mas como político não posso deixar de dizer que há dois aspetos que são importantes. Primeiro, há um descontentamento que deve ser escutado que tem uma fonte essencialmente social nas condições de vida de muitos portugueses e de muita gente que trabalha connosco em Portugal e que nos ajuda a levantar este país e que veio de outras paragens.

Mas já existia, não é?

E que já existia. E há, neste caso, um fenómeno, cidadão que acabou por morrer em consequência de uma operação policial. Eu estou a tentar ser muito cuidadoso com as palavras porque acho que a senhora ministra da Administração Interna fez aquilo que tinha que fazer e que se impunha: abrir o inquérito à morte desse cidadão. Portanto, não quero fazer uma condenação express sem muitos fundamentos da operação policial e muito menos condenar o cidadão em causa, imputando-lhe algum comportamento menos adequado. A senhora ministra abriu o inquérito e devemos esperar. E estas manifestações que acabam com incêndio de autocarros, pneus queimados no meio, devo dizer que não resolvem problema nenhum, são uma desordem pública que merece ser controlada.

Todos nós temos empatia e percebemos a tristeza profunda da família, da mulher, dos filhos, dos amigos e a revolta. Mas também temos que lhes dizer que o incêndio de autocarros etc. não resolve o problema. E eu nem estou a dizer que são os familiares, porque sabemos que não são os familiares que estão causa. São pessoas que entendem com revolta o facto de cidadão ter morrido por uma operação policial.

A polícia usa a força em nosso nome. Tem uma legitimidade própria para usar a força e por isso tem mais responsabilidade. Quem tem autorização da República para usar a força em nosso nome tem mais responsabilidade a usá-la com muitíssima parcimónia dentro da lei. Mas o inquérito terá resultados.

Já foi secretário de Estado para a Internacionalização, pasta que está incluída no Ministério dos Negócios Estrangeiros. Como é que está a acompanhar esta crise entre o ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel, com os militares das Forças Armadas, durante o regresso de portugueses vindos do Líbano? Terá havido um foco de tensão entre Paulo Rangel e o comandante de Figo Maduro e também do chefe de Estado-Maior da Força Aérea.

O ministro não desmentiu, mas não esclareceu, entendeu não responder. Nas áreas de soberania temos tido momentos menos felizes: um ministro da Defesa que à beira de uma Cimeira Luso-Espanhola fala de Olivença sem articular com o ministro dos Negócios Estrangeiros e, pelos vistos, nem sequer com o primeiro-ministro. E neste caso, a serem verdade as notícias que vêm saindo, falta de sentido de Estado. Isso é uma coisa que é impossível de contornar: enorme falta de sentido de Estado. Não se tratam as pessoas em geral assim, mas menos aqueles que têm a função de defender o país e também, mais uma vez, de exercer a força nosso nome.

Paulo Rangel devia pedir desculpas às Forças Armadas?

Sou muito cauteloso, porque não quero fazer condenações políticas sem conhecer. O ruído sobre esse episódio é muito. E eu devo dizer que eu fui membro do MNE da equipa de Augusto Santos Silva. Jamais, jamais, jamais a personalidade Augusto Santos Silva, que também foi ministro da Defesa, teria um comportamento equivalente. Curiosamente, a direita tem muito esta ideia de que as áreas de soberania são muito importantes e neste momento, quer na Defesa, quer nos negócios estrangeiros, temos dois ministros... Pode ser que mude, mas cujo sentido de Estado tem faltado.

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