01 jun, 2023 - 07:00 • Susana Madureira Martins (Renascença) e Helena Pereira (Público)
O ministro da Economia reconhece que o país "está muito polarizado" nos casos e casinhos e há uma "hiper-partidarização", mas muito do que aconteceu ao Governo nos últimos meses não passa de "uma tempestade num copo de água".
"Não subestimem as capacidades do primeiro-ministro", refere.
Em entrevista ao programa "Hora da Verdade" da Renascença e do jornal "Público", António Costa Silva assume que o Governo cometeu erros "por omissões que o próprio primeiro-ministro já reconheceu" e que está, entretanto, criado "um clima de fragmentação, de polarização" e "suspeita generalizada".
As recentes polémicas do Governo com os casos e os casinhos e alguma instabilidade têm prejudicado essa captação de investimento estrangeiro?
Não. É evidente que o país está muito polarizado nos casos, nos casinhos há uma hiper-partidarização e eu penso estamos a discutir, no fundo, muitas coisas que são uma tempestade num copo de água. Discutimos muitas vezes as pessoas em vez discutir as políticas. Discutimos muito na base do entretenimento, do espectáculo, do escândalo em vez de discutirmos projectos e vários argumentos para desenvolver o país.
O desempenho da economia podia ser melhor se não fosse esta crise política que se arrasta há tantos meses?
Sim, essa é uma questão. No seio do Governo, não vejo muito os efeitos da crise política. E porquê? Porque temos uma liderança forte e as pessoas muitas vezes subestimam isso. Temos um primeiro-ministro há sete anos no Governo, passou por dois anos de uma crise pandémica, apanha mais estes dois anos de uma guerra na Europa e uma inflação elevada. Como um colega vosso um dia disse, ele é uma espécie de couraçado, portanto, é muito resistente. Ele tem um grande talento político e penso que é o político mais dotado da sua geração. A questão para não haver crises, ou pelo menos para as crises não terem grandes efeitos, é a questão da liderança. A liderança distingue tudo. Aliás, o nosso príncipe dos poetas portugueses, Luís de Camões, dizia que um rei fraco torna fraca a forte gente. E um rei forte torna ainda mais forte a fraca gente. Ele tem uma liderança clara e, portanto, o Governo continua a trabalhar, continua a funcionar a todo o gás. O que é fundamental é o que nós queremos fazer no país para o futuro.
Também é o próprio Governo que não ajuda a esclarecer...
É verdade. O primeiro-ministro, quando disse que o Governo se pôs a jeito, reconheceu que o Governo também cometeu erros.
O primeiro-ministro disse isso muito antes deste caso de João Galamba...
Todos cometemos erros. O importante é, face aos erros, superarmos os erros e termos a humildade de o reconhecer. Ele tem e o Governo tem. Agora, pegarmos em cada um dos erros e dos errozinhos, estarmos a cavar ainda mais à volta deles, não vai conduzir a lado nenhum. Isso encerra-nos num casulo de onde não sai nada. É um jogo de soma negativa.
Hora da Verdade
Na semana em que o Instituto Nacional de Estatísti(...)
A legislatura já pode estar em causa e temos eleições antecipadas como cenário?
Os atores políticos têm que que meditar muito bem nas suas responsabilidades e no que vão fazer. Não há nenhuma justificação para termos eleições antecipadas. Houve eleições há um ano com um resultado muito claro, houve uma maioria absoluta que na própria noite das eleições irritou muita gente. E este grau de irritabilidade, de não acomodação deste facto também tem o seu peso e as suas consequências. Agora, este é o resultado que as pessoas escolheram nas urnas. Apelo a que berremos menos e pensemos mais, que em vez da gritaria, haja mais racionalidade e que haja decisões certas. Não tenho dúvida absolutamente nenhuma, se houver alguma decisão no sentido de se fazer eleições, não subestimem a capacidade do primeiro-ministro. Ele já mostrou inúmeras vezes.
Isso quer dizer exatamente o quê?
Não subestimem. É muito focado nas coisas que está a fazer, tem uma capacidade de luta impressionante, tem uma liderança fora do vulgar, é o político mais dotado da sua geração e portanto as pessoas têm de contar com tudo isso. E se nós vamos gizar uma situação artificial para provocar eleições, será mau para o país, será mau para a execução dos fundos europeus, os cidadãos não vão compreender. E depois vai haver uma campanha eleitoral que será a mais dura de sempre, muito polarizada, muito fragmentada. A lógica eleitoral está hoje a invadir tudo e tenta paralisar a decisão política.
Muitos destes recados que está a dar têm o Presidente da República também como alvo?
Partilho muitas das preocupações que o Presidente exprime. O Presidente é sereno, muito sólido nas suas análises.
Não acha que tem contribuído para esta crise?
Não, penso que não.
Tem falado muitas vezes no seu poder de dissolução da Assembleia da República.
Fala muitas vezes e com toda a legitimidade, expressa as suas preocupações. A minha postura em relação a isso é ouvi-lo com muita atenção, falar com ele. Tenho uma relação muito cortês com ele. É importante ouvi-lo, porque ele é o fiel da balança.
Então não partilha das críticas de algumas pessoas do Partido Socialista e do Governo?
Cada Presidente da República tem o seu estilo e nós temos um Presidente da República que fez um trabalho muito importante quando foi eleito. Estabilizou a relação da Presidência da República com os cidadãos, criou uma linha de afecto com as pessoas, tem uma capacidade de comunicação extraordinária e é um leitor muito inteligente de todas as situações políticas. É um grande activo que o país tem.
Não perturba os bons resultados da economia quando fala sucessivamente da dissolução do Parlamento?
O Presidente tem que zelar pelo normal funcionamento das instituições e, portanto, quando sente que provavelmente alguma coisa que não está a funcionar bem, faz a sua magistratura de influência, fala, comenta, critica. Acho que isso é benéfico. A democracia é um regime que na sua base tem várias visões, várias orientações, várias perceções. Apesar da colaboração e da excelente colaboração que existe entre o Presidente da República e o primeiro-ministro, cada um tem a sua visão do mundo, a sua experiência e isso só acrescenta à democracia.
Acha que António Costa ganharia umas eleições se fossem agora?
Não sei se ganharia ou não. O que sei é que ele é um animal político por excelência e, portanto, se for desafiado a ir a umas novas eleições vai combater da mesma forma que combateu nas últimas. Recordo só que nas últimas eleições, no dia anterior, tudo e todos diziam que os resultados iam ser ela por ela. Até havia partidos que já estavam a preparar-se para comemorar a sua vitória. Costa tem uma grande experiência política, uma grande empatia, capacidade de ligação com as pessoas, capacidade de explicar. E é um lutador. Pessoas com estas qualidades não devem ser subestimadas.
Esse aviso serve também para dentro do próprio PS?
Não sei. Não sou do PS, sou independente. Repare que o Governo, praticamente desde que tomou posse, está sob ataque por erros que o Governo cometeu, por omissões que o próprio primeiro-ministro já reconheceu e há aqui um clima de fragmentação, de polarização, de suspeita generalizada que se está a criar.