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Hora da Verdade

Costa Silva defende fim do imposto aos lucros excessivos para "não penalizar" as empresas

01 jun, 2023 - 07:00 • Susana Madureira Martins (Renascença) e Helena Pereira (Público)

Na semana em que o Instituto Nacional de Estatística divulgou a estimativa rápida que dá o PIB a crescer 2,5% no primeiro trimestre do ano e uma desaceleração da inflação para os 4% em maio, o ministro da Economia considera que há bons indicadores para que 2023 feche com um crescimento da economia "na ordem dos 3%".

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Hora da Verdade António Costa Silva
Veja o Hora da Verdade na íntegra

Em entrevista ao programa "Hora da Verdade" da Renascença e do jornal "Público", António Costa Silva admite que uma eventual recessão da Alemanha pode estragar os planos, mas sonha com os 3% de crescimento económico "ou um bocadinho acima disso", assumindo que "seria um resultado magnífico"

O ministro da Economia é um dos independentes do Governo de António Costa e assume nesta entrevista que o imposto sobre os lucros imprevistos deve ser removido na proposta de Orçamento do Estado para 2024. Costa Silva considera que não se pode penalizar "excessivamente" as empresas e que, entretanto, desapareceram as circunstâncias que levaram à adoção desta taxa

Ao "Hora da Verdade", que pode ouvir na íntegra a partir das 23h00 na Renascença e ler na edição desta quinta-feira do jornal "Público", o ministro da Economia assume ainda que está de volta a discussão no Governo para a redução transversal do IRC. Após a polémica do ano passado, Costa Silva abre a porta a uma baixa combinada do IRS e do IRC para "ter um quadro ainda mais competitivo".

O Governo tem destacado os bons números da economia. A verdade é que esses resultados tardam a chegar ao bolso das pessoas. Isso já foi, de resto, salientado pelo Presidente da República. O que é que um ministro da Economia tem para dizer às pessoas neste momento? Que aguentem durante mais algum tempo?

A economia, como todos compreendemos, está no centro da vida. Há um conjunto de medidas que foram tomadas que explicam também estes resultados em combinação com a excelência de muitas das nossas empresas e da resiliência do tecido empresarial. Em 2022, tivemos um dos maiores crescimentos da União Europeia, os 6,7%. Neste trimestre, o crescimento foi de 2,5%. O crescimento em cadeia é mesmo um dos maiores no âmbito da OCDE. Agora também temos de compreender que o ano passado foi um ano completamente atípico.

Quando o Governo tomou posse, estava no início a guerra na Europa, que é o acontecimento completamente novo, uma crise grande da energia que hoje provavelmente já não nos lembramos, mas flagelou também intensamente o tecido produtivo e obrigou à tomada de todo um conjunto de medidas, desde logo pela redução do ISP nos combustíveis, que foram cerca de 1500 milhões de euros e depois os pacotes para as empresas e para as famílias. No total, cerca de 6400 e milhões de euros. Isso conteve os preços da energia combinado com o mecanismo ibérico. Hoje, temos pelo sétimo mês consecutivo a redução da inflação. Em abril era de 5,7% e em Maio é de 4%, segundo o INE.

Com esta baixa da inflação, vai ser possível dentro de pouco tempo as terem mais dinheiro no bolso e perceberem que as coisas estão a mudar?

Vai ser possível porque há uma conjugação de factores: redução da inflação, alívio em relação ao custo de vida, um comportamento muito importante de todos os preços da energia, o petróleo reduziu mais de 30% relativamente ao pico que atingiu o ano passado. A combinação da redução dos preços da energia com a redução dos preços de produtos alimentares pode ser extremamente importante.

Este desempenho da economia pode ser acima das expectativas do próprio Governo? Claramente. Repare que o Governo tinha inscrito no Orçamento de Estado de 2023 a previsão de um crescimento na ordem dos 1,9%. Agora é o Fundo Monetário Internacional a ter também uma perspetiva de crescimento muito mais acentuada. Para mim, como ministro da Economia, o mais importante é olhar para tudo o que se passa nos vários sectores da economia portuguesa. O turismo é um setor que está a ajudar muito ao crescimento da economia.

É esse o modelo que mais defende ou que mais gostaria?

É uma questão muito pertinente. O turismo é um setor forte. Em 2022 as receitas chegaram a 21,1 mil milhões de euros, 15,4% acima de 2019. Eu digo sempre que a economia portuguesa não é só turismo. É absolutamente notável que em 2022 as exportações da indústria metalomecânica, da fabricação de máquinas e equipamentos tenha chegado aos 23 mil milhões de euros, superior à do turismo. E nós estamos hoje a verificar que a exportação de bens está em vários meses a ultrapassar a própria exportação de serviços. E isto reflecte não só o dinamismo da economia portuguesa, mas de certa maneira, a descentralização dos motores de crescimento.

Tem algum número mágico ideal de crescimento económico para final do ano na cabeça?

É muito arriscado dizer-lhe, mas espero sinceramente que se chegue ao fim do ano na ordem dos 3%. Estamos nos 2,5%, se chegarmos aos 3% ou um bocadinho acima disso seria um resultado magnífico. O que me dá a convicção é o comportamento extraordinário das exportações. Não se esqueça que em 2022, pela primeira vez, as exportações chegaram a 50% do PIB e as exportações estão a puxar pela economia portuguesa. Qual é o elemento aqui, comparando com 2022, que, provavelmente, não vai ter o mesmo impulso? É o consumo interno.

E a recessão na Alemanha?

Esse é outro grande imponderável. Aí já não conseguiríamos atingir os 3%. Por enquanto, é uma recessão técnica. É muito possível que a Alemanha ainda recupere. Mas se isso não acontecer, a recessão na Alemanha, se continuarmos a ter um comportamento expressivo das exportações e a redução da taxa de inflação e das taxas de juro, se houver na segunda parte do ano mais contribuição do consumo interno penso que podemos ter um crescimento dessa ordem.

Deu uma entrevista esta semana ao El Mundo em que defendia uma baixa de impostos da carga fiscal para as famílias. Qual é a sua prioridade? A baixa transversal do IRC ou ir primeiro ao IRS?

Em relação aos impostos, tenho uma opinião muito firme de que o regime fiscal quando é aliviado, tem um impacto muito grande na economia, quer nas empresas, quer nas famílias.

Mesmo que seja só o IRS?

O ministro das Finanças já anunciou, há uma almofada extremamente importante que deve ser distribuída aos cidadãos, que vai fazer uma redução do IRS nos próximos anos. É uma medida extremamente positiva. Se nós conseguirmos combinar a redução do IRS com um alívio seletivo ou transversal do IRC podemos ter um quadro ainda mais competitivo e a economia está aí para responder.

Há uma almofada grande no Ministério das Finanças e as pessoas não compreendem que o Governo não a esteja a usar.

Pois. O Governo continua a debater, a discutir. É uma matéria que o ministro das Finanças gere e vamos ver como é que vamos chegar a uma solução. Temos sempre que chegar a soluções equilibradas e em linha com aquilo que a economia está a desenvolver.

É uma discussão que o Governo está a ter actualmente? Ainda não foi possível chegar a consenso?

Sim, mas o consenso atinge-se sempre até porque quando não há consenso, há uma pessoa que decide e tem toda a legitimidade para o fazer.

Sobre a redução transversal do IRC, essa discussão pode regressar agora nesta discussão do Orçamento do Estado para 2024?

Sim. A questão do regime fiscal regressa sempre porque o país está em condições para ter um novo patamar de desenvolvimento da sua economia, pela combinação de todos dos factores que referi.

Quando estamos a falar de um esforço de consolidação orçamental que é muito significativo, que aliás, impressiona os espanhóis e outros países europeus, porque conseguimos reduzir 10,5 pontos percentuais a dívida este ano e o plano é reduzir mais 4,2 pp para o próximo ano. Portugal, de certa maneira, pode sair daquele grupo a vermelho, o dos países mais endividados da União Europeia. Isso é um sinal extremamente poderoso que se dá para o próprio desenvolvimento da economia. A capacidade de atrair os investidores é muito importante.

A recente revisão do Programa de Recuperação e Resiliência (PRR) levou o orçamento para valores próximos do PT2030, mas o Ministério da Economia gere as três agendas e pouco mais cerca de 3 mil milhões. Ou seja, fica com 13 a 15% do PRR para gerir. 13% é suficiente? Era isso que tinha em mente quando redigiu a visão estratégica para a recuperação pós pandemia. Ou da forma como o Governo está organizado, o ministro da Economia tem muito pouco poder de intervenção na economia?

Eu não discuto a organização do Governo. Isso é uma questão que compete ao primeiro-ministro. Eu trabalho dentro do quadro que me foi proporcionado e para o qual me convidou. Estou confortável. Queria só referenciar que no reforço que foi feito na programação do PRR, a grande fatia vai para as empresas. Nós tínhamos cerca de 930 milhões de euros no PRR inicial. Agora são cerca de 2,8 mil milhões de euros. Três vezes mais. No ME ainda gerimos toda a parte da descarbonização, que são cerca de 715 milhões de euros. Temos ainda tudo o que são as empresas 4.0. O ministério da Economia está também envolvido no pacote da inovação tecnológica, da transição digital. O que eu faço é mobilizar todos os organismos que dependem do Ministério da Economia. Estamos no terreno, a interagir com todo o sistema empresarial e, sobretudo, a fazer chegar o dinheiro às empresas.

Por falar na máquina do Ministério, no último meio ano, substituiu dois secretários de Estado e praticamente todas as presidências ou direcções dos organismos do Ministério da Economia. Isso significa que o Ministério da Economia estava a ser tão mau que já ninguém servia ou que era realmente preciso dar uma grande volta à máquina?

Não direi que estava tão mau, mas quando há um ministro novo, este tem necessidade de fazer ajustamentos, de ter a capacidade de exigir resultados e de exigir resultados mais rápidos [nos fundos europeus]. Se não mudarmos o nosso quadro mental, os métodos de trabalho, se não tivermos mais foco, não vamos começar a conseguir fazer isso.

Está a conseguir?

A vida é sempre uma tentativa. Como dizia o escritor Saul Bellow, falharmos cada vez melhor. Portanto, vamos melhorando naquilo que estava a falhar.

O imposto sobre os lucros imprevistos, que acabou por avançar apenas para o setor energético, deve acabar no próximo Orçamento ou deve até ser alargado?

Esses impostos só se justificam em situações pontuais e esporádicas. Assim que desaparecem essas circunstâncias, devem ser removidos. Não podemos penalizar excessivamente as empresas e sobretudo as empresas que pelas suas condições e pela sua capacidade são capazes de gerar esse tipo de lucros. Quando eles são realmente excessivos em situações específicas e quando a sociedade tem que fazer toda ela um esforço grande, também é legítimo exigir a essas empresas.

A partir de agora, já não se justifica?

Desde que desapareçam as circunstâncias que permitiram gerar lucros excessivos devem ser reavaliados. A energia está a baixar de uma forma muito clara.

Em relação à Efacec, a privatização vai acontecer quando?

Não lhe posso responder. Vou dizer que vai ser em breve, porque as condições estão todas a ser reunidas para o Conselho de Ministros apreciar e tomar uma decisão. Estão quatro propostas sob análise.

O Governo bloqueou o investimento das empresas chinesas no 5G. Por que é que o fez? E receia criar um problema de diplomacia económica com a China?

O nosso país tem tradição de abertura em relação aos vários investidores internacionais. Não podemos esquecer que com a guerra na Ucrânia se criou uma situação difícil, quase de fragmentação geopolítica. A minha posição tem sido sempre a de que as empresas são bem-vindas, desde logo as empresas chinesas e temos várias, agora em tudo o que releva de questões de segurança ou da soberania do país temos que ter um alinhamento com os nossos aliados clássicos. E é evidente que a parte do 5G, os sistemas de informações são questões mais complexas e que têm que ser atendidas. E espero que se encontre uma solução.

Acha que vai haver retaliação?

Não sei o que vai haver, mas é um problema que vamos acompanhar. O país, no que concerne aos seus sistemas de informação, tem que ter alguma segurança em toda a operacionalidade.

Portugal é sensível aos dos Estados Unidos da América nesse sentido?

Os EUA têm feito avisos sistemáticos relativamente a essa questão, mas nós também tivemos, da parte do Reino Unido, um estudo exaustivo que os seus serviços de segurança fizeram. A conclusão final é que a ameaça não era uma ameaça credível ou grande. Portanto, há várias nuances. A nossa posição foi mais uma posição precaucionária.

A Comissão Europeia tem vindo a sinalizar investimentos extra-comunitários que comprometam a segurança da região. O investimento chinês da REN é uma dessas operações sinalizadas? Já houve algumas em Portugal?

Não tenho nenhum conhecimento. Penso que as questões sinalizadas têm mais a ver exactamente com a operação dos sistemas de informação. Tudo o resto, nos investimentos industriais, desenvolvimento de actividades, a China tem um papel, o nosso país tem sido importante e espero que se possa manter.

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